Rinus Michels: O Criador do Futebol Total

Há treinadores vencedores e treinadores que marcam e revolucionam o futebol. Juntar os dois elementos permite a eternização e um lugar como um dos melhores treinadores de sempre. Rinus Michels é um dos principais exemplos de treinadores que reuniram as duas condições, podendo afirmar-se que há um futebol antes e depois de Rinus Michels.

Nascido em Amesterdão em 1928, Rinus Michels foi um jogador conceituado no Ajax. Numa altura em que o futebol holandês ainda não era profissionalizado, Michels foi um ponta de lança de sucesso na equipa holandesa, marcando mais de 100 golos pelo clube e chegando a seleção. Como jogador, venceu dois campeonatos holandeses, abandonando a carreira em 1958, com 30 anos, devido a problemas físicos.

Johan Cruyff, uma extensão no campo

De imediato iniciou a sua carreira de treinador, chegando ao “seu” Ajax em 1965. O clube não vivia um bom período, vendo o PSV mas, principalmente, o Feyenoord, a dominarem o futebol holandês, isso enquanto o Ajax penava na classificação – Rinus pegou na equipa já a meio da época, com o Ajax a lutar pela manutenção, terminado o campeonato no 13.º lugar. Começavam, ainda assim, a surgir jovens de enorme potencial no Ajax, com destaque para Johan Cruyff. Começou aqui uma das mais duradouras e emblemáticas relações da história do futebol mundial.

Em 1965/66, na sua primeira época completa no Ajax, guiou o clube ao título de campeão, mas não ficou por aqui – foi tricampeão holandês! E, à vista de todos, estava o futebol revolucionário praticado pela equipa. A genialidade de Cruyff ajudava, pois claro, mas a inteligência com que a equipa jogava mostrava a qualidade do treinador. A forma como a equipa jogava com a lei do fora de jogo, subindo as linhas defensivas, foi impactante, numa equipa onde todos defendiam, todos atacavam e todos sabiam onde se colocar em campo. Nascia assim a ideia de Futebol Total, uma das mais marcantes do futebol, com a época de 1966/67 a ficar na história, com 122 golos marcados no campeonato.

Rei da Europa

Em 1969, o Ajax atingiu a final da Taça dos Campeões Europeus, mas caiu com estrondo frente ao Milan (4x1). O cinismo e rigor defensivo italiano derrotavam a irreverência e a vertigem atacante holandesa. Rinus Michels compreendeu que havia alguma ingenuidade e inexperiência dos jogadores mas sentiu que a presença no jogo decisivo da prova dava a maturidade necessária ao seus jogadores. Assim, apenas dois anos, com alguns retoques no plantel, conquistou o título de campeão europeu, o primeiro do clube de Amesterdão, e o segundo consecutivo de uma equipa holandesa, depois do Feyenoord ter conquistado o troféu em 1970. Com Cruyff, Neeskens, Suurbier ou Krol, o Ajax bate Panathinaikos por 2x0, sagra-se sempeão europeu e a Europa do futebol rende-se ao futebol do Ajax.

Fim do jejum na Catalunha

O Ajax continuar a dominar o futebol europeu, com a conquista de mais duas taças dos campeões nos anos seguintes, mas já sem Rinus Michels no banco. O Barcelona via os rivais de Madrid dominarem o futebol espanhol e o último título dos catalães tinha sido há já 11 anos. Depois de dois anos frustrantes, Rinus Michels convenceu Johan Cruyff a juntar-se novamente a si e a dupla holandesa guiou o Barcelona ao título de campeão espanhol 14 anos depois, em 1974.

 Rinus Michels era considerado, por esta altura, o melhor treinador do mundo e foi convidado pela federação holandesa para comandar a seleção no Mundial 74 – os holandes não participavam num Campeonato do Mundo desde 1938 mas em que partiam com grandes ambições.

A Laranja Mecânica

No torneio realizado na Alemanha, a Holanda deu espetáculo. Sim, os alemães foram campeões do mundo, mas a grande recordação do torneio foi a forma harmoniosa com que a Holanda jogou. Os gigantes sul americanos Uruguai, Argentina e Brasil caíram todos aos pés dos holandeses, que só parou diante da frieza alemã – alguns anos mais tarde, vários jogadores holandeses consideraram que entraram demasiado confiantes no jogo, devido aos resultados e às exibições produzidas ao longo da prova, e acentuada com o golo logo no primeiro minuto da final, numa grande penalidade cometida sobre Cruyff, sem que nenhum jogador alemão tivesse tocado na bola.

Apesar da derrota, os holandeses foram recebidos em festa no país e elogiados em todo o mundo pelos espetáculos produzidos. Nascia assim a Laranja Mecânica!

Depois do Campeonato do Mundo, a carreira de Rinus Michels viveu uma fase menos positiva: regressos não tão bem sucedidos a Barcelona e Ajax, passagem pelos Estados Unidos e aventura na Bundesliga, ao serviço do FC Koln, ao serviço do qual conquistou a taça.

A Laranja Mecânica.... vencedora

Teve, ainda assim, uma segunda vida ao serviço da Holanda, desta feita juntando o bom futebol à vitória. Em 1988, guiou a Holanda ao seu primeiro (e, até hoje, único) título, conquistando o Campeonato da Europa, curiosamente num torneio novamente disputado na Alemanha. Com van Basten, Ronald Koeman, Ruud Gullit ou Frank Rijkaard, a Holanda nem começou bem, com uma derrota frente à URSS, um hat-trick de van Basten frente à Inglaterra e um polémico golo de Kieft levaram a Holanda até às meias-finais, onde teve a oportunidade de se vingar da Alemanha. Os alemães até se adiantaram no marcador, mas foram os holandeses a levar a melhor, com uma vitória por 1x2. A vitória teve, certamente, um sabor especial para o treinador holandês, tendo em conta a amarga derrota de 1974. Na final, os holandeses reencontraram a URSS, desta deita vencendo por 2x0, num jogo marcado pelo inacreditável golo de van Basten. Rinus Michels podia, enfim, respirar fundo: o seu futebol arte levara a Holanda ao topo do futebol.

Quatro anos depois, ainda guiou a Holanda até às meias-finais do Euro 92, acabando por terminar a carreira de seguida, devido a problemas cardíacos. Foi recebendo várias homenagens de todos os setores relacionados com o futebol, até falecer em 2005, devido a complicações pós operatórias ao coração.

Hoje, quando se pensa no futebol de Ajax, Barcelona e seleção holandesa, a ideia é de futebol bonito, com espetáculo, técnica e golos, ideia essa nascida com Rinus Michels, que influenciou tantos e tantos treinadores até aos dias de hoje. Haverá marca maior no futebol?