Brian Clough: o mito
Na galeria dos grandes campeões ingleses de futebol, Brian Clough merece um lugar destacado. Nenhum outro treinador britânico poderá apresentar um curriculum de tal monta, comandando clubes da dimensão dos clubes que Clough treinou.
Campeão nacional de Inglaterra com o Derby County, conseguiu voltar a repetir o feito com o Nottingham Forest, com quem se sagrou bicampeão europeu, feito que desde então só foi repetido pelo AC Milan de Arrigo Sacchi.
Depois de uma carreira como jogador onde só defendeu a camisola do Middlesbrough - clube da cidade natal - e do Sunderland, que lhe valeu duas internacionalizações, ambas em 1959, Brian «pendurou as botas» em 1964, pondo fim a uma longa carreira como avançado, onde apontou 251 golos em 274 encontros.
Hartlepool United
Um ano depois, com apenas 30 anos, começou a treinar o pequeno Hartlepools United (1), mesmo avisando os dirigentes locais que não gostava muito da terra para onde tinha de se mudar.
O clube vivia um período de grandes dificuldades, e Clough tinha que fazer horas extras nos pubs locais para conseguir fundos, além de ter tirado a carta de condução de pesados, para poder conduzir a camioneta do clube nas deslocações da equipa.
Após várias épocas no fundo da tabela, Clough conseguia dar ao Hartlepools os primeiros campeonatos tranquilos em muito tempo, com o clube a situar-se a meio da tabela, um passo decisivo para o crescimento do Hartlepools. Depois da tranquilidade, garantiria também a primeira promoção da história do clube em 1968.
Mudança para Derby
Em consequência dos resultados, o Derby County, que há alguns anos tinha caído na segunda divisão, foi buscar o jovem treinador que já tinha fama de pragmático e trabalhador, para devolver o Derby à Primeira Divisão.
Uma verdadeira revolução era operada no Baseball Ground (2) em Derby, com apenas quatro dos quinze jogadores mais utilizados na época anterior à chegada de Clough, a receberem guia de marcha para outras paragens; aproveitando ao mesmo tempo para contratar novos jogadores como Roy McFarland, John O'Hare, John McGovern, Alan Hinton e Les Green, que seriam a base dos grandes sucessos do Derby County.
Insatisfeito com a organização do clube, chamou a si poderes muito acima dos habitualmente atribuídos a um manager e acabou por despedir o secretário do clube, o diretor de campo e responsável pelo relvado, além do diretor do departamento de prospeção do clube, indo inclusivamente ao ponto de despedir duas senhoras que vendiam chá durante os jogos, porque as encontrou a rirem-se de uma derrota do clube.
A construção do Mito
Com a casa organizada, a equipa montada e focada nas vitórias, o Derby regressou finalmente à Primeira Divisão, onde conseguiu um quarto lugar no ano da estreia. Devido aos incumprimentos financeiros, o clube seria impedido de participar nas competições europeias. Na época seguinte, o clube cairia para o nono lugar, antes de voltar aos lugares cimeiros na época de 1971/72.
Desde as primeiras jornadas que o Derby disputou com o
Liverpool, Leeds e
Manchester City pela liderança. O County acabou o campeonato com 58 pontos, mais um que City e Leeds, e mais dois que
Liverpool, mas os dois últimos ainda tinham um jogo em atraso cada.
Uma semana depois do último jogo do County, já com os jogadores de férias com o treinador adjunto em Maiorca, e com o próprio Clough de veraneio com a família nas ilhas Scilly,
Liverpool e Leeds, não conseguiram vencer e deixaram escapar o título para o Derby.
Problemas e a saída do County
A época seguinte começaria com uma polémica, com Clough a recusar-se a acompanhar a equipa numa tour pelos Países Baixos e Alemanha Federal. Clough insistia em levar consigo a família, o presidente insistia que era uma viagem de trabalho e não de férias e Clough recusou-se a acompanhar a equipa.
1972/73 marcou um período difícil da relação com os adeptos, quando Clough acusou os fãs do Derby de serem um «
bando de desgraçados» que só apoiavam a equipa quando ela ganhava. Apesar de não conseguir defender o título e ficar num distante sétimo lugar, na Europa, o Derby só caiu nas meias-finais da Taça dos Campeões, às mãos da
Juventus e após muita polémica, com Clough a acusar os italianos de serem um conjunto de «
bastardos trapaceiros».
Os problemas com a direção adensaram-se, e a 11 de outubro de 1973, Clough e o adjunto Taylor foram despedidos, para desespero dos adeptos do clube que pressentiam o fim de uma era gloriosa no Derby County.
Brighton e Leeds
Sem pensar muito nas consequências, Clough e Taylor assinaram pelo Brighton & Hove Albion, da terceira divisão. Meses depois de jogarem o acesso à final da Taça dos Campeões com a
Juventus, treinavam uma equipa que se arrastava no fundo da tabela e sofriam derrotas atrás de derrotas, a mais pesada das quais, um 2x8 em casa com o Bristol Rovers.
Terminada a época, recebeu um convite para comandar o Leeds United, clube com quem travara acaloradas discussões nos anos de Derby. Para surpresa de muitos, apresentou-se em Elland Road sorridente, ao lado dos diretores do clube que pareciam ter esquecido as palavras de Clough, que quatro anos antes pedira que o Leeds fora despromovido à Segunda Divisão por falta de fair-play. Taylor contudo não acompanhou Clough, tentando pela primeira vez a sua sorte sozinho.
Em poucas semanas, onde só venceu um jogo em seis encontros, Clough afastou as principais estrelas do clube e acusou os jogadores da equipa de falta de brio e profissionalismo, sugerindo que deitassem todas as medalhas que tinham conquistado fora, pois foram todas conquistadas de forma suja. Ao fim de 44 dias, os dirigentes despediram Clough, pagando uma indemnização num valor aproximado de 100 mil libras, uma enormidade para a época.
Insatisfeito com a organização do clube, chamou a si poderes muito acima dos habitualmente atribuídos a um manager e acabou por despedir o secretário do clube, o diretor de campo e responsável pelo relvado, além do diretor do departamento de prospeção do clube, indo inclusivamente ao ponto de despedir duas senhoras que vendiam chá durante os jogos, porque as encontrou a rirem-se de uma derrota do clube.
Com a casa organizada, a equipa montada e focada nas vitórias, o Derby regressou finalmente à Primeira Divisão, onde conseguiu um quarto lugar no ano da estreia.
Notthingham Forest: da segunda ao céu
Em janeiro de 1976 chegaria a cidade que a história de Robin Hood tornara famosa, para treinar o clube local, o Notthingham Forest, um clube sem grande tradição que agonizava na Division Two (segunda divisão).
A primeira época terminou com o Forest em oitavo, mas no verão de 1976, Clough conseguiu convencer Taylor a juntar-se ao Notthingham, e a lendária história de Clough no Forest começava a ganhar corpo...
A segunda época viu o clube conquistar a promoção à Primeira Divisão, e no ano seguinte, para espanto de todos, conseguiu o feito de conquistar o Campeonato de Inglaterra no mesmo ano em que tinha subido à Primeira Divisão, juntando a essa histórica vitória a conquista da Taça da Liga.
Um ano depois, mais uma vez, o Forest surpreendeu tudo e todos, eliminando da Taça dos Campeões o bicampeão europeu
Liverpool, chegando à final da competição e vencerndo o Malmö da Suécia por 1x0.
No ano seguinte, a equipa ficaria num distante sétimo lugar no campeonato inglês, mas na Taça dos Campeões, voltou a surpreender tudo e todos, conquistando pelo segundo ano consecutivo a prova, um sucesso que só voltaria a ser repetido pelo AC
Milan de
Arrigo Sacchi.
Pelo meio, conseguiria um recorde de 44 jogos consecutivos sem conhecer o sabor da derrota, um feito de monta que só seria superado pelo
Arsenal em 2004, invencível durante 49 jogos.
Os últimos anos e a morte
Internamente, tão rapidamente o Forest se tornara na maior potência de Inglaterra e da Europa, como rapidamente perdeu os seus melhores jogadores e começou a decair na classificação.
Clough, que já há muito se debatia com um problema de alcoolismo, viu a sua saúde degenerar-se ao longo da década de oitenta e no inicio dos anos noventa era já um homem acabado, quando abandonou o Forest e a carreira de treinador, com o objetivo de curar-se e combater as acusações de corrupção em que se viu envolvido.
O degenerar do seu estado fez com que a FA (3) deixasse cair as acusações contra ele, apesar dos fortes indícios de que Clough recebera comissões ilegais em transferências.
A doença acabaria por levar a melhor, com Clough a falecer a 20 de setembro de 2004, em Derby no Norte de Inglaterra. Ao seu funeral, acorreriam milhares de fãs do Derby e do Notthingham, que lado a lado, e apesar da sua feroz rivalidade, prestaram uma última homenagem ao homem responsável pelos seus maiores sucessos.
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(1) O clube entretanto passou a denominar-se de Hartlepool United.
(2) The Baseball Ground (pt. O campo de Beisebol) era o estádio utilizado pelo Derby County até a inauguração do Pride Park Stadium em 1997.
(3) FA - The Football Association - Federação Inglesa de Futebol