A carreira de Fábio Coentrão foi como uma montanha-russa. Pareceu uma grande promessa, e depois perdeu esse rótulo. Foi comparado a grandes extremos do futebol mundial, mas depois acabou na defesa. Chegou ao maior clube do mundo, mas depois foi castigado por lesões. Mesmo não sendo culpa do jogador, a verdade é que por cada trabalhosa subida, seguia-se uma rápida queda. Quando se começava a acreditar no melhor Fábio Coentrão, este desaparecia; e quando se deixava de ter fé, o lateral esquerdo renascia das cinzas.
Apesar de todas as reviravoltas, é impossível negar a qualidade de Fábio Coentrão. A lateral esquerdo, tornou-se um dos melhores do mundo na sua posição. Acumulou 52 internacionalizações pela seleção portuguesa, durante um período de oito anos em que foi sempre uma das figuras da equipa das quinas, onde replicava a dupla que fez com Cristiano Ronaldo no Real Madrid. No total foram 13 troféus, numa carreira com o mesmo número de anos, e na história fica um nome que tão cedo os adeptos portugueses não esquecerão.
Natural de Caxinas, um núcleo piscatório que faz parte de Vila do Conde, Fábio Coentrão sempre mostrou paixão pela sua zona. Desde cedo que sabia que o seu futuro ou era num campo de futebol ou a manusear a rede de pesca, mas a sorte e o trabalho acabaram por lhe sorrir quando começou a ser visto como um caso sério pelos responsáveis do Rio Ave. O sucesso no futebol era o objetivo primário, mas Fábio não seria infeliz se não tivesse resultado, tal era o amor à sua terra.
«Como era as Caxinas não, como é! Gosto muito das pessoas… É uma terra que adoro e onde dou tudo. Quando acabar a minha carreira, quero voltar porque é lá que sou feliz. As pessoas das Caxinas são como eu», admitiu Coentrão em 2011, já em Madrid.
O golo na última jornada do campeonato deu confiança não só ao jogador, mas também ao clube para continuar a aposta durante a temporada na segunda liga. A aposta mostrou-se acertada quando Coentrão se tornou um dos focos de uma equipa que por pouco não alcançou a subida de volta à primeira liga, tendo ficado a dois pontos do Vitória SC. Nesse ano, foram quatro golos em 27 jogos, que lhe valeram o prémio de revelação da temporada de 2006/07 na segunda divisão.
A maneira de jogar de Coentrão valeu-lhe várias comparações. Jogadores como Cristiano Ronaldo, Ricardo Quaresma e até mesmo o holandês Arjen Robben foram alguns dos nomes a que o jovem vila-condense foi associado, mas o mais frequente e apropriado foi mesmo o de Luís Figo, o que levou a uma alcunha que o seguiu durante uns tempos.
O início na Luz esteve longe de ser fácil. Aos 19 anos, teve dificuldade em impor-se no Benfica, e jogou apenas sete vezes (três delas na primeira edição da Taça da Liga) pelos encarnados na primeira metade da época, o que levou a um acordo de empréstimo em janeiro, rumo ao Nacional.
Na Madeira, conseguiu impor-se num Nacional que terminou em 9º lugar, e o bis frente ao já campeão FC Porto previa nova oportunidade em Lisboa, mas no ano seguinte Coentrão rumou à segunda divisão espanhola, onde não conseguiu oportunidades pelo Real Zaragoza. Em janeiro de 2009, já estava em Vila do Conde de novo, no terceiro empréstimo desde que chegara ao Benfica, cedência em que voltaria a marcar no Dragão, um pormenor que aguçava o interesse dos benfiquistas em o ver com a camisola encarnada.
Apesar de ter à sua frente na hierarquia Angel Di Maria, Coentrão ainda conseguiu vários minutos, mas foi quando começou a jogar a lateral esquerdo que todas as peças caíram no lugar. Em vez de competir com o argentino por um lugar no onze, passou a combinar com ele na esquerda, onde o Benfica era mais ameaçador.
Foram sete assistências nas primeiras oito jornadas do campeonato (das quais jogou apenas sete), e depois disso o lugar era seu. Aguerrido na defesa e imparável no ataque, Fábio Coentrão tornou-se uma peça importante no Benfica de Jorge Jesus e na seleção sub-21, o que levou a um contrato melhorado e a uma convocatória para a estreia na seleção principal, em novembro de 2009 pela mão de Carlos Queiroz, numa vitória por 1x0 frente à Bósnia na qualificação para o Mundial do ano seguinte.
No ano seguinte, depois de ser considerado a revelação da primeira liga portuguesa, Fábio Coentrão era já um jogador estabelecido, tanto no clube como na seleção, onde tinha sido titular em todos os jogos do Campeonato do Mundo de 2010.
Na Luz, manteve a sua evolução, tornando-se num dos laterais esquerdos com melhor cotação em todo o mundo, só que o Benfica não correspondeu às expectativas. Apesar de um bis de Coentrão frente ao Lyon, os encarnados acabaram eliminados da Champions League e a queda para a Liga Europa terminou na meia-final frente ao SC Braga de Domingos Paciência, competição que viria ser vencida pelo FC Porto de André Vilas-Boas, tal como o campeonato desse ano.
A mudança para Madrid foi inicialmente questionada por um único motivo: Coentrão já tinha deixado para trás os seus anos como extremo, e era já um grande lateral esquerdo, mas nos merengues ia encontrar Marcelo, o brasileiro que era por muitos considerado o melhor do mundo na sua posição.
Apesar das dificuldades a ganhar a posição, a adaptação a Espanha foi fácil. O treinador era português, bem como vários colegas de equipa com quem partilhava também o balneário na seleção, como Ronaldo, Pepe e Ricardo Carvalho, e havia ainda Di Maria, extremo quem tinha mostrado muita química em campo dois anos antes ao serviço do Benfica. Mas foi mesmo Cristiano Ronaldo de quem ficou mais próximo. Desde cedo que, quando Coentrão precisava de algo, bastava pedir ao astro português e, como mais tarde revelou, mesmo que Ronaldo não lhe abrisse a porta bastava saltar o muro. A estrela dos blancos foi como um padrinho em Madrid, tendo chegado até a ensinar jornalistas a pronunciar o nome do lateral esquerdo durante a pré-temporada:
No primeiro ano em Madrid, Coentrão conquistou a Liga Espanhola, tendo ficado pela meia-final da Champions League, onde o Real Madrid caiu frente ao Bayern nos penaltis. Uma época que terminou com o lateral em grande na seleção, onde atingiu as meias-finais do Europeu com grandes prestações suas. No ano seguinte, os merengues voltaram a cair na mesma fase, dessa vez frente ao Borussia Dortmund, e na liga ficaram-se pelo segundo lugar. Mas na terceira temporada pelo clube, aos 25 anos, Fábio Coentrão chegou ao seu auge.
Durante esse ano, Fábio Coentrão continuou a dividir a titularidade com Marcelo, perdendo para o brasileiro na maioria das partidas do campeonato, onde fez apenas dez jogos. Mas, devido à solidez defensiva de Coentrão, Ancelotti preferiu o português nas partidas a eliminar da prova maior da UEFA. Nesse ano, não só Coentrão conquistou o troféu mais importante da sua carreira, como o fez frente a um rival, a titular e no Estádio da Luz, o local que o viu evoluir para um jogador de classe mundial.
Se já era difícil competir com Marcelo por um lugar no onze, mais complicado ficava com as várias paragens que o afetaram durante a época de 2014/15. Nesse ano, fez apenas 17 jogos, numa época que também não foi ideal para o clube, pois os merengues ficaram de mãos a abanar. As dificuldades físicas obrigaram Fábio Coentrão a encontrar um novo cenário, e por isso na temporada seguinte Coentrão foi para o AS Mónaco à procura de tempo de jogo mais seguro do que aquele que encontraria em Madrid.
Ao início tudo foi bom no Principado: a estreia foi a 13 de setembro numa vitória frente ao Ajaccio, e, 11 dias depois, Coentrão já marcava pela primeira vez, igualando o seu registo goleador de quatro anos em Madrid. No Mónaco, encontrou novamente um técnico português, Leonardo Jardim, bem como um plantel recheado de compatriotas que teriam facilitado a sua adaptação, se as lesões deixassem.
No total, foram 19 jogos pelos monegascos, nos quais marcou três golos, antes do retorno a Madrid, onde Coentrão viveu a sua época mais cinzenta. Em 16/17, começou a temporada ainda com a lesão que trazia do campeonato francês, e só voltou à competição no final de outubro, altura em que fez um par de jogos antes de começar a ter problemas musculares que o impediriam de treinar durante longos períodos. Desse ano levou uma medalha da sua segunda Liga dos Campeões, mas com apenas seis jogos em toda a temporada, aos 29 anos Fábio Coentrão parecia acabado nos grandes palcos.
Chegou aos leões por empréstimo de um ano do Real Madrid e rapidamente ganhou a atenção dos portugueses quando se começou a referir ao Sporting como o seu clube do coração, referindo várias vezes que estava a realizar um sonho por vestir a camisola verde e branca. Ainda na pré-temporada, voltou a fazer manchetes quando posou com um cachecol que difamava as águias depois de um amigável na Suíça, tendo mais tarde pedido desculpas pelo sucedido.
O desejo de Jesus era, no entanto, muito difícil. Trazer Coentrão para o clube já tinha sido uma tarefa complicada, pois até Frederico Varandas, então diretor do departamento médico do clube, desaconselhou a contratação do internacional depois deste chumbar os exames. Então colocar o jogador a jogar semana após semana seria mais difícil ainda. Coentrão teria que ser gerido com pinças para que pudesse desempenhar um papel importante na época dos leões, e foi precisamente isso que aconteceu.
Depois dos primeiros jogos no clube, foi chamado de novo à seleção, dois anos depois, para aquele que viria a ser o seu último jogo por Portugal - titular na Hungria, sairia aos 28 minutos... lesionado. No Sporting, participou em 44 jogos, ficando a apenas um de igualar o seu recorde de 45 que repetiu nas duas épocas na Luz, e teria facilmente ultrapassado não fossem as pequenas lesões que experienciou ou os jogos em que ficou de fora devido à gestão de esforço.
O Sporting acabaria por vencer o Porto nos penaltis, repetindo a proeza três dias depois frente ao Vitória FC para conquistar a Taça da Liga, o único troféu de uma época que terminou amargamente, com o terceiro lugar no campeonato. Nos registos ficou ainda os quartos-de-final da Liga Europa, onde a eliminação frente ao Atlético de Madrid gerou críticas do presidente Bruno de Carvalho.
No final da época, Fábio Coentrão ficou um jogador livre. O seu empréstimo ao Sporting estava terminado, tal como o contrato com o Real Madrid, e jogador acabou por surpreender quando assinou pelo clube onde tudo começou: o Rio Ave.
Em 2019, aos 31 anos, colocou um ponto final na sua carreira da forma a que habituou os adeptos portugueses: com polémica. Coentrão não encontrou novo clube no verão, mas circulavam já vários rumores de emblemas que o queriam contratar em janeiro, em Portugal, na Turquia ou na Grécia. Foi por isso surpreendente quando, em tribunal, durante o julgamento da invasão a Alcochete, Coentrão se descreveu como um «jogador reformado».
Pouco depois, desmentiu-se, dizendo que estava «pronto para abraçar um novo desafio», e voltou a regressar a casa. Assinou pelo Rio Ave em outubro de 2020, novamente num acordo válido por uma temporada. O motivo? O próprio explicaria: «porque este fogo arde sem cessar, porque sei que ainda tenho tanto para dar».