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    Fernando Torres: El Niño

    Texto por Hugo Filipe Martins
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    O que foi e o que podia ter sido. Fernando “El Niño” Torres marcou uma geração. Pelos golos, pelas conquistas, pelo que fez quando atingiu o topo da forma, mas também pelo que não fez, aquando do seu declínio, tão rápido como inesperado. Da estreia pelo seu Atlético de Madrid com apenas 17 anos ao adeus futebolístico com 35, Torres foi sempre um Niño. Por vezes furioso, por vezes sossegado, tal e qual uma criança.

    Para a história ficam os golos nos momentos decisivos, as conquistas mais importantes no mundo do futebol e a paixão por um clube que ajudou a reerguer e do qual se despediu com um título europeu no bolso. Apesar dos maus momentos após a mudança de Liverpool para Londres, Fernando Torres foi dos jogadores mais adorados da sua geração. No melhor e no pior, ninguém ficou indiferente à magia de El Niño, o espanhol que colocou a bola por cima de Lehmann e deu início à era dourada de La Roja.

    A paixão pelos desenhos animados e pela paixão do avô

    A carreira de Fernando Torres começou bem cedo, quando ainda nem poderia ser considerada carreira. Ainda El Niño era mesmo um niño (criança, em português) quando deu os primeiros pontapés na bola. O caso parece comum a tantos outros, mas não é. A família deu um empurrão importante para que Fernando Torres se interessasse por futebol, mas a paixão veio da televisão. A famosa série Captain Tsubasa – Oliver e Benji, em português – estava em destaque na televisão espanhola e desde cedo apaixonou o pequeno Fernando Torres. Foi o empurrão que Israel precisava. O irmão de Torres aproveitou essa paixão e quase obrigou El Niño a jogar futebol.

    Tal como a paixão pelo futebol, também a paixão pelo Atlético de Madrid, mais tarde evidente dentro e fora das quatro linhas, demorou a surgir. A família de Torres voltaria a ser decisiva. Natural de Fuenlabrada, um município a 20 km de Madrid, El Niño foi até ao Vicente Calderón com o avô. Eulalio era um adepto fervoroso do Atlético de Madrid e queria passar essa paixão para o neto, só que a primeira experiência não foi totalmente convincente. O empate do Atlético na receção ao Compostela não deixou Fernando Torres «agarrado quando saiu do estádio», como admitiu o espanhol mais tarde na sua autobiografia. «Estava frio, não havia muito entusiasmo e o ambiente nas bancadas não ajudou». Com 11 anos, mal Torres esperava o que aí vinha.

    Pouco tempo depois dessa visita ao Vicente Calderón, Fernando Torres passou a vestir a camisola dos colchoneros e cedo começou a ganhar fama de goleador, ele que, antes disso, até tinha sido guarda-redes por uns tempos, até a mãe exigir que mudasse de posição depois de partir os dentes por jogar à baliza. A mudança surgiu em boa altura. El Niño era um dos nomes grandes da formação espanhola. Foi o melhor jogador do europeu sub-15 e ajudou à conquista do Europeu sub-16 por parte da seleção espanhola. Com 15 anos, e depois de rejeitar uma proposta do Real Madrid, o avançado assinou o seu primeiro contrato profissional com o Atlético de Madrid. A estreia não demorou muito e até teve o empurrão de um português.

    Esperanças colchoneras no Niño capitán

    Filho da terra, prodígio e uma espécie de Messias. Tudo com 17 anos. Com o Atlético em crise desportiva e económica, a estreia de Fernando Torres pela equipa principal foi mais rápida do que se esperava, apesar do enorme talento. Enquanto brilhava no tal Europeu sub-16 que a Espanha conquistou, havia uma figura colchonera bem atenta aos relvados: Paulo Futre. El português apaixonou-se por El Niño - «vais ser o melhor», disse-lhe - e a promoção à equipa principal não tardou.

    Em maio de 2001, estreou-se pelo seu Atlético, aquele que tinha aprendido a amar com o avô Eulalio. Um jogo depois fez o primeiro golo com a camisola colchonera, insuficiente para devolver o clube à primeira divisão, mas suficiente para devolver esperanças aos adeptos madrilenos. A época que se seguiu não foi propriamente prolífica no que toca a golos marcados, mas ajudou a formar a lenda de El Niño, o filho, o prodígio, o Messias… o capitão.

    Apenas com 19 anos, Fernando Torres contribuiu para a subida de divisão do Atlético de Madrid, que capitaneou com tenra idade, apesar de haver jogadores com mais experiência. Mais do que a idade, o Atlético tentava fazer de El Niño um símbolo. «Nunca deveria ter sido capitão tão novo», disse mais tarde o espanhol. O certo é que Torres foi a figura de um Atlético de Madrid em recuperação. A imagem da esperança e cada vez mais o rosto do golo.

    O golo de Torres na final do Euro 2008 @Getty / Clive Rose
    À medida que se foi ambientando ao ritmo de primeira e ao peso da responsabilidade, Fernando Torres era cada vez mais importante para o clube e o seu nome não tardou a passar a fronteira. Foi marcando cada vez mais golos e, em 2003, num particular com a seleção portuguesa, estreou-se pela seleção principal de Espanha, com a qual viria a estar no Euro 2004. Apesar do insucesso de La Roja, Torres voltou mais forte e partiu para mais três épocas de grande nível nos colchoneros.

    O amor de Torres pelo Atlético de Madrid nunca viria a morrer e a história ainda não tinha acabado por aqui, mas o momento por que muitos temiam acabou por acontecer. Com um Atlético a precisar de encher os cofres para melhorar o plantel e um Fernando Torres cheio de sonhos por cumprir no futebol, a separação acabou por acontecer em 2007. 38 milhões de euros fizeram de Torres o espanhol mais caro até então e a contratação mais cara do futebol inglês. Newcastle e Chelsea tentaram, mas o vermelho continuou a fazer parte de El Niño, o novo avançado do Liverpool.

    Os anos dourados com os Beatles como música de fundo

    Desejo declarado de Rafa Benítez, que, dois anos antes, não tinha conseguido retirar o melhor de Morientes, Torres não demorou muito até ser um ídolo para os apaixonados adeptos do Liverpool. O espanhol não acusou os valores pagos pela sua contratação e cedo arrebatou os corações de Anfield Road e os palcos da Premier League, onde, logo na primeira época, se sagrou melhor marcador estrangeiro da prova até então, com 22 golos marcados. Números que fizeram de Torres o segundo melhor jogador da Premier League, apenas atrás de Cristiano Ronaldo. Era, de facto, a era dourada de Fernando Torres.

    Consolidado como um dos melhores avançados do futebol mundial, El Niño era uma das grandes esperanças de uma seleção espanhola recheada de talento, orientada pelo mentor Luís Aragonés, a quem Torres fez juras de amor eterno. Xavi, Iniesta e até David Villa estiveram mais em foco ao longo do Campeonato da Europa, mas o papel de herói acabou mesmo por pertencer a Fernando Torres, talhado para os momentos de maior responsabilidade. O lance está na memória de todos os espanhóis: Torres ganhou em velocidade e físico a Lahm e não tremeu quando viu Lehmann pela frente. Colocou a bola por cima do guarda-redes alemão e fez história. 1x0 para a Espanha, campeã da Europa 44 anos depois.

    @Getty Images
    2008 foi um ano inesquecível para El Niño, cada vez menos uma criança, cada vez mais uma figura. Foi ele o primeiro a lutar com Messi e Cristiano Ronaldo pelo prémio de melhor jogador do Mundo. Acabou num honroso terceiro lugar, o primeiro dos mortais tendo em conta as duas estrelas, mas aí foi possível perceber que Fernando Torres nem sempre era o jogador mais estável e confiante a nível motivacional. Apesar da nomeação, o espanhol sempre discordou da justiça do terceiro lugar, achando-se inferior a isso, comentando desta forma as palavras de Gerrard, que insistia que o colega de equipa poderia ser o melhor do mundo: «Disse-me isto como se realmente o pensasse». Pensava e tinha motivos para tal.

    O toque dos Beatles nos pés de Fernando Torres fez de El Niño um avançado temido por muitos e respeitado por todos. Num Liverpool longe dos seus tempos de conquista, Torres, juntamente com Steven Gerrard, era uma espécie de coca cola no deserto. Sem concorrência à altura e sem companhia ao mesmo nível, Torres foi sempre um avançado difícil de definir. Rápido nos movimentos, El Niño foi ganhando apetência técnica e gosto pelo golo de belo efeito, fazendo da arte de ultrapassar o guarda-redes uma identidade. Apesar do mau momento do clube de Anfield, o Liverpool era temido pelos grandes, porque El Niño tinha uma apetência para marcar nesses jogos, mas tão rápida foi a subida como foi a queda.

    Torres acabou 2009/10 com 22 golos em 32 jogos pelo Liverpool, mas com problemas físicos que quis à força ultrapassar de forma a estar presente no Mundial de 2010. A importância que o avançado tinha tido em 2008 não foi a mesma, no entanto, apesar de ter terminado a prova sem qualquer golo, Torres voltou a conquistar um grande troféu com La Roja, o Campeonato do Mundo, cerca de meio ano antes de, em conflito com a direção do Liverpool, emitir um pedido de transferência e acabar por trocar Anfield Road por Stamford Bridge. Embora já tenha dito, em várias entrevistas, que não se arrepende dos passos que deu no mundo do futebol, esse acabou por ser o primeiro rumo ao declínio. Um declínio cheio de belos momentos para contar. Era assim Fernando Torres.

    De aposta a odiado, de flop a herói local

    A saída de Anfield Road foi tudo menos pacífica e chegou mesmo a virar os adeptos de Liverpool contra o jogador que, semanas antes, era idolatrado no templo do futebol dos Reds. A chegada ao Chelsea, a troco de 58 milhões de euros, era há muito objetivo de Abramovich, que bateu novo recorde de transferências da Premier League para contratar o avançado espanhol. O que se viu a seguir foi... uma desilusão.

    Torres sempre rejeitou o facto de ter sentido nas costas o peso do valor que os Blues investiram na sua contratação, mas o facto é que El Niño foi uma sombra de si mesmo nos primeiros tempos em Stamford Bridge. Quiseram os deuses dos calendários do futebol que a estreia fosse contra o seu Liverpool. Não marcou aí, nem nos 12 jogos que se seguiram. De forte aposta de Ancelotti, Torres passou a ser suplente utilizado e foi nessa condição que, pensava-se, afastou o mau olhado. Não seria bem assim.

    Depois de meia época de adaptação, esperava-se que o Torres de Londres voltasse a ser o Torres de Liverpool ou de Madrid, mas à medida que o tempo foi passando as esperanças eram cada vez menores. A velocidade e agilidade de outros tempos pareciam perdidas, e de figura do futebol mundial Torres passou a ser visto como um flop com apetência pelos golos falhados. Em plena crise de confiança, o irreconhecível Torres acabaria por ficar ligado à maior conquista da história do Chelsea, a Liga dos Campeões, quando percorreu meio campo isolado, ultrapassou Valdés e levou os Blues à final da Champions. Um golo ao seu estilo no final de uma época que, apesar de tudo, teve um final memorável. Essa reta final em Inglaterra fez com Vicente del Bosque levasse o avançado talismã ao Europeu e o treinador não se viria a arrepender. Quatro anos depois, Fernando Torres estava de volta à competição que o levou para o topo do futebol, ainda que na condição de suplente de luxo. Foi nessa condição que acabou por ser bicampeão europeu e melhor marcador da prova, com três golos marcados, um deles na final. Torres tinha sido mesmo feito para os momentos decisivos.

    @Carlos Alberto Costa
    Desse Europeu trouxe uma medalha e mais confiança, que levou para a época seguinte em Stamford Bridge, a melhor com a camisola azul. Se no campeonato inglês a maldição de Torres continuou – em toda a carreira nunca conquistou nenhuma Primeira Divisão –, na Europa, El Niño voltou a fazer estragos. O homem dos jogos decisivos marcou na final da Liga Europa e ajudou o Chelsea a derrotar o Benfica. Um dos poucos momentos altos vividos com a camisola dos Blues.

    Se o currículo em Londres enriqueceu, o certo é que nos relvados não se via o mesmo Torres dos tempos de Liverpool. Em todos os mercados era abordada uma possível saída do espanhol, que procurava, a todo o custo, afastar fantasmas e desconfianças. Não poderia ter escolhido pior destino na hora da mudança. Foi para um AC Milan destruído em pedaços, de onde saiu meia época e apenas um golo depois. Milão seria apenas um ponto de paragem para voltar ao destino de uma vida: Madrid.

    De regresso ao Vicente Calderón, Torres não foi indiscutível como noutros tempos e não voltou a ser o futebolista que tinha encantado milhões de adeptos pelo mundo fora, mas a felicidade no rosto do Niño, que já não era assim tão criança, era clara. Foi com o símbolo do Atlético de volta a casa que foi feita a despedida do Vicente Calderón, mas não a despedida de Torres. Essa estava guardada para 2018. No penúltimo jogo pelos colchoneros, El Niño levantou finalmente um troféu de destaque pelo clube, depois de, tão novo, ter vencido a Segunda Divisão espanhola. A conquista da Liga Europa foi a melhor forma de se despedir daqueles que sempre lhe deram a alma e o coração e a quem Torres prometeu amar até ao último segundo.

    A carreira acabaria no Japão, ao serviço do Sagan Tosu. Talvez por querer terminar perto dos desenhos animados que o apaixonaram pelo futebol, talvez por não suportar a despedida tão perto dos seus adeptos. Da tristeza pelo declínio à felicidade das enormes conquistas, Fernando Torres acabou como começou. De início ao fim, El Niño.

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    Fernando Torres (ESP)
    Fernando Torres (ESP)

    Comentários

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    motivo:
    ZeroZero
    2023-08-23 16h43m por tcpor
    Algum equívoco ou não estou a perceber bem:
    "cedo arrebatou os corações de Anfield Road e os palcos da Premier League, onde, logo na primeira época, se sagrou melhor marcador estrangeiro da prova até então, com 22 golos marcados. Números que fizeram de Torres o segundo melhor jogador da Premier League, apenas atrás de Cristiano Ronaldo. " Na época de estreia dele, 2007/08, o Cristiano Ronaldo foi o melhor marcador do campeonato, com 31 golos e o Fernando Torres acabou em segundo ...ler comentário completo »
    Para sempre
    2020-03-20 12h47m por LuzAnfieldCampNou
    El Nino.