Set piece é a expressão utilizada em inglês para definir o momento em que a bola é reposta em jogo, depois de uma pausa. A expressão é utilizada normalmente para referir livres no meio-campo adversário e pontapés de canto. Em português, chamamos de «Bolas Paradas», e talvez em mais de cem anos de futebol não houve ninguém com a mesma capacidade de decidir jogos com este tipo de jogadas como David Beckham.
De tal maneira era decisivo que inspirou outros a marcar livres da mesma forma do que ele. Os seus gestos, o posicionamento, até a sua anatomia foi estudada, para tentar ser replicada a forma como fazia curvar as bolas. «
Bend it like Beckham» («faz a bola curvar como o
Beckham»), era um mote que até virou um filme, de 2002, da indiana Gurinder Chadha. Ainda no grande ecrã, brilhou ao lado de outras estrelas como
Zidane e Casillas, na série de três filmes «Golo!» que ficcionava o período dourado dos «galácticos» no
Real Madrid.
Uma «máquina de fazer dinheiro»
Pode não ter sido o melhor jogador inglês de todos os tempos, mas a verdade é que não houve em toda a história - já com mais de 150 anos - do futebol inglês, um jogador tão mediático e tão influente na evolução do jogo e de tudo o que o rodeia.
Dentro e fora do campo, David Beckham tornou-se uma lenda e uma referência, um nome incontornável quando se fala no futebol na viragem do segundo milénio...

O casal David e Victoria Beckham durante um jogo dos Lakers no Staples Center em Los Angeles.
Habituado aos holofotes da fama, casado com Victoria
Beckham (Adams de nascimento), viveu a sua carreira como a maior estrela global da história do jogo, abrindo as portas para uma nova era, em que o marketing, a assessoria de imprensa e a publicidade se tornaram tão importantes como os golos ou as assistências. Victoria, uma ex-Spice Girl, era já uma estrela nos quatro cantos do planeta, antes de casar com David. Juntos, tornaram-se no par preferido dos
media, seguidos pelos
paparazzi, uma verdadeira instituição mediática. A vida despretensiosa do casal, com aparições públicas ora em Milão ou em Nova Iorque, para a seguir aparecerem em Tóquio, Hong Kong ou Paris, apaixonava os fãs em todo o mundo, que seguiam cada detalhe da sua vida nas revistas cor-de-rosa.
Dentro das quatro linhas, o perfil mediático de
Beckham provocou muitas críticas, com muitos a, abertamente, criticarem as opções de vida do jogador, censurando a sede por mediatismo e fama. Para os puros do futebol, as estrelas do futebol têm de merecer o céu pelo que fazem e conquistam dentro das quatro linhas e não porque atravessam uma passadeira vermelha em Monte Carlo...

Barcelona, 26 de maio de 1999. O United dá a volta ao resultado nos descontos e leva a Champions para Inglaterra, 31 anos depois da última conquista dos red devils.
Apesar das críticas o acusavam de ser mais um negócio que um jogador de futebol, ou por culpa delas, acabou por assinar pelo
Real Madrid em 2003, a troco de 35 milhões de euros, e em menos do ano, já tinha pago o seu custo em camisolas vendidas, em particular nos países do extremo oriente. Com
Beckham o real que já contava com
Zidane,
Figo, Raúl, Roberto Carlos, Ronaldo, entre outros, tornou-se numa verdadeira constelação.
«Os Galácticos», para gáudio do Presidente Florentino Pérez que juntava o jogador mais rentável do mundo ao clube com mais adeptos do mundo, tornavam-se num verdadeiro empório comercial que girava em torno do futebol. Era o casamento perfeito... Mas a experiência em
Madrid, apesar dos títulos, acabaria por não ser um mar-de-rosas, com Victoria a ficar particularmente feliz quando começou a fazer as malas para se mudar para Los Angeles em 2007, depois da presença de
Beckham na capital espanhola ficar manchada com hipotéticas relações extraconjugais do jogador.
Beckham conviveu com alguns dos maiores jogadores da história. Nalguns casos, foi mesmo colega de jogadores que atingiram o pico da carreira e conquistaram Bolas de Ouro como
Zidane, Ronaldo o fenómeno ou
Figo. Por certo não tinha a qualidade de um Messi ou de um
Cristiano Ronaldo, mas nenhum jogador se pode gabar de ter gerado tantas receitas fora do campo como o médio inglês.
Beckham era uma máquina de fazer dinheiro, e em cima de tudo isso, ainda ajudava os seus clubes a ganhar. Não é à toa, que de todos os países em que jogou, apenas na Itália não se sagrou campeão. Festejando a conquista do título máximo em Inglaterra com o Man United, em
Espanha com o Real, nos distantes E.U.A. com o LA Galaxy, e até em França, com o
PSG, na época de despedida...
Um destino traçado
David Robert Joseph
Beckham veio ao mundo a 2 de maio de 1975, filho de um casal londrino de classe média que apoiava o
Manchester United. Desde pequeno que teve uma ligação com Old Trafford, acompanhando muitas vezes os pais e outros familiares, nas viagens de
Londres a Manchester, para assistir ao vivo aos jogos dos
red devils.
O seu pai, empregado numa fábrica de mobiliário de cozinha, assim como a sua mãe, cabeleireira, nunca pouparam esforços para apoiar o sonho do jovem David de um dia se vir a tornar um futebolista profissional.
Talvez nesses dias, enquanto sonhava com o
Camp Nou, estivesse longe de imaginar o que aquele estádio significaria para si. Também por certo não sonhava com a ideia de um dia vestir a camisola branca do grande rival do
Barcelona.
De Londres para Manchester
Mas, voltando atrás no tempo, foi com uma camisola branca que
Becks deu os primeiros passos no futebol. A camisola do mesmo clube de Lineker, o
Tottenham Hotspur, onde começou a jogar, antes de defender as cores do Brimsdown Rover. Quanto completou 14 anos, inscreveu-se nas escolas do
Manchester United e a 18 de julho de 1991, assinou o seu primeiro contrato de formação pelo colosso do norte de Inglaterra.

Em pouco tempo em Manchester, Beckham tornava-se numa das grandes referências do United.
Em Old Trafford, foi crescendo, desenvolvendo a sua admirável técnica e capacidade de passe, além de refinando a sua capacidade de marcar cantos e livres, habilidade que se tornaria - anos mais tarde -absolutamente lendária.
Em 1994/95, foi emprestado ao Preston North End, para jogar com mais regularidade na primeira equipa. Apesar de só ter jogado em cinco jogos - onde fez dois golos - foi chamado por
Alex Ferguson de volta a Old Trafford, para jogar o resto da época.
«Três leões» ao peito
A 2 de abril de 1995, estreou-se na
Premier League com a camisola do United - já se havia estreado na Taça e na Liga dos Campeões, antes do empréstimo ao Preston. No ano seguinte, veio a grande explosão, conquistando a titularidade e marcando sete golos, estreando-se também na seleção, mas não sendo convocado para o Euro que se realizava em Inglaterra, que acompanhou pela televisão, como mais um adepto, sonhando um dia estar ali no lugar de um Gasgoine.
Dois anos depois, era juntamente com Michael Owen a grande referência da equipa inglesa no mundial disputado em terras francesas. A Inglaterra caiu nos oitavos às mãos da Argentina.
Owen brilhou, marcando um golo e sofrendo um penálti que deu outro golo, enquanto
Beckham desiludiu, sendo expulso após um "incidente" com Simeone.
Beckham tornou-se sinónimo de vergonha e foi acusado pela imprensa e por muitos adeptos como o grande responsável pela eliminação da equipa dos «três leões».

Depois de agredir Simeone, Beckham veria o dinamarquês Kim Milton Nielsen mostrar-lhe o vermelho. A Inglaterra não gostou e considerou Beckham o grande responsável pela eliminação prematura.
Quatro anos depois, no Mundial do Japão e Coreia, um
Beckham «crescido» emendou a sua imagem, apontando um novo penálti sobre Owen, que, desta feita, valeu a vitória sobre a Argentina e o fim de uma velha malapata.
Enquanto os insucessos se acumulavam na seleção, com
Beckham incapaz de ajudar a Inglaterra a passar na primeira fase no europeu de 2000 e a falhar um penálti decisivo contra
Portugal no Euro 2004, no Manchester tudo corria sobre rodas. Além das diversas
Premier League conquistadas e de algumas Taças de Inglaterra, a «cereja no topo do bolo» chegou em 1999, em
Barcelona, quando, no período de descontos, dois cantos apontados por
Becks, valeram uma reviravolta épica e a conquista da
Champions League.
Um ano depois da conquista na «Cidade Condal», a relação com o seu mentor tinha azedado. Fergie não gostava da mudança de atitude do jogador depois do casamento com Victoria, chegando mesmo a dizer em 2007:
«Ele nunca foi um problema até se casar. (...) Casar-se com o mundo do entretenimento foi algo complicado - a partir desse momento, a sua vida nunca mais foi igual. Ele é uma celebridade tão grande e futebol é apenas uma pequena parte da sua vida... »
A relação foi sendo cada vez mais difícil, com
Ferguson a ser acusado de, num ataque de fúria, ter atirado - ou chutado - uma chuteira à cabeça de
Beckham, abrindo-lhe o sobrolho, durante uma palestra no balneário, no fim de um jogo com o
Arsenal, em que o United foi eliminado pelos
gunners.
Não estranhou que
Beckham saísse um ano depois, rumo a
Madrid e a uma conta bancária cheia de euros, iniciando um longo
tour na carreira que continuaria por Los Angeles e Milão, antes de se encerrar em Paris. De permeio, entrou nos supracitados filmes, mas também desfilou na
cat walk, vendeu diversos produtos, deu voltas ao mundo em campanhas de solidariedade e ainda teve tempo para ser um dos rostos das Olimpíadas de
Londres em 2012.