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    Entrevista de Rui Miguel Tovar

    «O Fernando Couto era só palavrões e insultos na Académica, depois só sorrisos no FC Porto»

    E2

    «Barrilete Cósmico» é o espaço de entrevista mensal de Rui Miguel Tovar no zerozero. Epíteto de Diego Armando Maradona, o nome do espaço remete para mundos e artistas passados, gente que fez do futebol o mais maravilhoso dos jogos. «Barrilete Cósmico».

    Há três Kostadinov’s na minha vida.

    O primeiro é o futebolista. Aliás, o goleador. Sempre que ia ao José Alvalade, toma lá disto: um golo do Kostadinov ao Ivkovic. Lembro-me dos dois, um para a 1.ª divisão e outro para a Taça de Portugal, no dia 3 Março 1992. Convivi com esse bilhete à frente da minha secretária durante anos e anos, daí o saber a data de cor e salteado.

    @Arquivo/Rui Miguel Tovar
    O segundo é a pessoa. Entro no jornal Record a 1 Novembro 1995 e, dois dias depois, o editor da secção do futebol internacional pede-me para arrancar uma declaração (ou mais) do Kostadinov a propósito do sorteio da Taça UEFA juntar Benfica e Bayern. O telefone toca, o homem atende e diz de sua justiça. É o meu primeiro texto assinado de sempre. (anexo)

    E o terceiro, agora, é o entrevistado. O alerta é de Domingos, seu parceiro de ataque no FC Porto. ‘Ó Rui, o Kosta está aí em Lisboa, num congresso da UEFA.’ Palavra puxa palavra, marcamos um encontro às 19 o’clock à entrada do Hotel Corintia, à frente do Sete Mares, cuja mesa do Eusébio ainda está posta para Ele, ali na Avenida Columbano Bordalo Pinheiro. À chegada, vemos Luís Figo, vemos Fernando Gomes, nada de Kostadinov. Quinze minutos depois, ei-lo. Com a pochette debaixo do braço, tal como em 1992 na porta 10-A. É só rir. O homem sorri, sugere-nos um café lá fora e sentamo-nos. Ouçamo-lo.

    (por cada asterisco, uma gargalhada; por cada cardinal, uma passa na sua cigarrilha)

    És daqui?

    Lisboa? Sim, sim, vivi os primeiros 11 anos aqui nesta rua, e tudo e tu?

    Sofia. #

    Que tal?

    Muita confusão, a Bulgária. Muda-se muito de governo, aqui é mais tranquilo. E o Domingos, conheces o Domingos? #

    Sim, estamos a editar um livro sobre ele.

    Boa, boa. Quando é que ele volta a treinar?

    Boa pergunta.

    Vou fazer-lhe pressão alta. *

    Faz, nunca se sabe.

    O sucesso dele no Braga foi fantástico, chegar a uma final europeia não é para todos, porque é um longo caminho e o dele até começou na pré-eliminatória da Liga dos Campeões. Tiro-lhe o chapéu, grande Domingos. E o resto da malta? #

    Quem?

    O bicho, onde anda?

    É treinador do Académico de Viseu, está a jogar para subir de divisão.

    A sério? Fantástico. E o Vítor Baía?

    Pertence à estrutura do FC Porto.

    Ahhhhh, então já sei. *

    O quê?

    Um dia, o Vítor é eleito presidente e mete o Domingos a treinar o FC Porto. Eles ainda se dão, certo?

    Sempre, amigos desde sempre.

    Sim, eles estavam sempre juntos, eles é que inventaram a palavra amizade. E o Rui Jorge?

    É o seleccionador dos sub21.

    Ainda é, ainda bem. Ele era engraçado, tinha sempre uma piada para dizer. E o André, continua a pescar?

    Já desistiu, vendeu o barco e tudo. Gosta mais de estar em terra, a curtir a vida.

    Já reformado?

    Já saiu do FC Porto, sim. Foram uns 40 anos.

    Muito, o André deu muito ao clube. Como jogador, porra, vi poucos assim como ele.

    Agora é a minha vez, e o Kostadinov?

    Aahahahah, cá ando.

    Tranquilo?

    Sim, muito. **

    A minha imagem mais forte do Kostadinov é no José Alvalade.

    Dei-me sempre bem com o Sporting, bons tempos.

    E porquê?

    Sei lá. Sorte, timing. Há muitos factores para um golo. #

    É como o 2:1 no Parque dos Princípes?

    Por exemplo, sim.

    Como é que hoje ainda vê essa jogada?

    Foi tudo muito rápido, livre para eles aos 89 minutos e o público estava a cantar, já a pensar no apuramento para o Mundial-94. A bola foi para o Ginola, o cruzamento sai longo demais e a bola foi para nós. O Balakov meteu com a parte de fora do pé para o Stoitchkov, acho, e o Hristo abriu para a direita, onde apareci eu. Ganhei o lance a um defesa e atirei cheio de convicção.

    A bola ainda bateu na barra, certo?

    Foi. É daqueles lances que podia ter corrido mal. Em cem remates daquele ângulo, metia quantos golos? Não sei. Só sei que aquele entrou, o Lama não teve hipótese. #

    É um golo histórico.

    Todos os anos há alguém da Bulgária a ligar-me nesse dia para comentar o golo. E; às vezes, até me ligam da França. Ahahahah. Eles ficaram de fora do Mundial-94 e, para mim, o meu golo fez-lhes bem porque fizeram algumas alterações que os conduziram ao título mundial em 1998. E sabes uma coisa? #

    @Getty /
    Diz.

    [pausa]

    #

    [suspense]

    #

    Cheguei a Paris um dia depois da selecção búlgara, na véspera do jogo, e sem saber se jogaria.

    Porquê?

    Não tinha o meu visto comigo em Portugal. Então tive de ir de avião para a Alemanha e entrar de carro em França, mas só depois de um polícia búlgaro ter-se encontrado comigo para entregar-me o visto esquecido na Bulgária. Quando entrei em França, senti-me relaxado e confiante de que tudo iria correr bem. E correu.

    E essa selecção, búlgara, que tal?

    Fenomenal. Já nos conhecíamos há muito tempo e havia talento ilimitado. Desde o guarda-redes ao avançado, muita qualidade. E isso viu-se no Mundial-94. #

    Como foi jogar debaixo daquele sol?

    O quê, 40 graus? Espectáculo, muito bom. ***.

    Qual era o objectivo da Bulgária?

    Ganhar um jogo na fase de grupos. Já tínhamos estado em outros Mundiais. Dois, se não me engano: o de 1970 e o de 1986. E nunca ganhámos. Por isso, aterrámos nos EUA e queríamos ganhar uma vez.

    E chegaram à ½ final, uauuu.

    Ahahahah, verdade. Foi uma viagem louca, até porque perdemos o primeiro jogo [Nigéria] e tivemos de dar a volta. #

    Como?

    O tal talento. Foi uma experiência única. Ainda hoje se fala dessa selecção e já passaram quase 30 anos. Aqueles que falam de nós dessa forma elogiosa vêem muito difícil uma geração igual nos próximos tempos. Vamos ver. #

    Uma imagem muito minha do Kostadinov é aquele penálti do Costacurta.

    Foi penálti, claríssimo. O que se pode dizer? Itália é Itália. Bulgária é um país mais pequeno e isso conta no futebol. Esse árbitro francês esteve mal.

    Falou-me do Mundial-86. Viu?

    Sim, acompanhei pela televisão. #

    Essa Bulgária tinha muito jogador bom e nós, portugueses, vibrámos com eles.

    Bem sei bem sei.

    Guetov

    Pffffff. Lindo, joguei com ele no CSKA Sofia. Livres directos com o pé direito, livres directos com o pé esquerdo. ##

    Como é que ele fazia isso?

    Não sei, génio. ##

    Há mais, muitos mais.

    Siiiim. Radi no Chaves. Depois o Chaves teve Tanev e Slavkov, não?

    Exacto.

    Fomos muitos para cá. Balakov, Sporting.

    Dragolov, Torreense.

    Mihaylov, Belenenses.

    [puxo pela cabeça e nada me sai]

    Iliev, Benfica.

    Iordanov.

    Iordanoooooov. Sabes que sou o responsável pelos sub21 e o Iordanov é o adjunto dos sub21? #

    Nem ideia.

    Pois é, ele ‘tá f***** comigo, dou-lhe muito na cabeça. Ahahahah, agora a sério: é bom rapaz. *

    Como é que o Kostadinov chegou a Portugal?

    Através de um empresário chamado Minguella. Havia uma proposta de Espanha, acho que era do Espanyol. E havia uma de Portugal, do FC Porto. E eu escolhi o FC Porto porque lembro-me de ver aquela final da Taça dos Campeões 1987. Quando cheguei cá, mais espantado fiquei.

    Com o quê?

    Tudo: a estrutura, o plantel, o profissionalismo, a amizade.

    Tudo isso junto?

    O FC Porto era uma família e tinha estabilidade porque havia homens como o André. #

    Então?

    O André era um craque dentro do campo e ainda organizava almoços para todos. Quando digo todos, é mesmo todos. Quando digo família, é mesmo família. Todos iam. Que tempos, espectacular.

    Almoços, quando?

    Todas as semanas. #

    Onde?

    Espinho, Leça, sei lá onde, apenas ia. Ia onde me levassem. **

    E os treinos, e os jogos?

    Ahahahahah. Eram à quinta ou sexta-feira, já não me lembro. Dependia também da agenda dos jogos europeus, mas sei que eram em dias mais suaves, quando dava para fazer uma folga no esforço físico semanal.

    Entendeu-se logo com o Domingos?

    Era um miúdo, o Domingos.

    O Kostadinov é mais velho que ele?

    O Domingos é de que ano?

    1969.

    Sou de 1967 ***, é só dois anos de diferença. Julgava-me mais adulto que o Domingos.

    E que tal o Domingos?

    Havia química, dentro e fora do campo.

    Fora?

    Íamos beber café ali perto das Antas, onde eu morava. E as nossas famílias também conviviam muito. Esse foi o segredo, as famílias unidas. Íamos aos aniversários uns dos outros e levávamos mulher mais filhos, cães, gatos. Tudo na mesma casa a conviver. Criou-se um ambiente óptimo para jogar e, claro, ganhar títulos. A minha dupla com o Domingos ficou famosa à conta de golos em jogos históricos, como aquele 3:2 na Luz. Eu era o agressivo, ele era o tímido. Eu mais mandava todos para o c******, ele estava sempre com aquele sorriso de menino bem-comportado.

    Quem os lançou como dupla?

    Primeiro foi o Artur Jorge, depois o Carlos Alberto Silva e, finalmente, Bobby Robson. Três treinadores muito diferentes, basta ver pela nacionalidade: um português, um brasileiro e um inglês. Todos excelentes, do melhor. Aprendi muito. #

    Porquê o número 8 na camisola?

    O 7 era o Magalhães?

    Exacto.

    Pronto, está explicado.

    O seu número era o 7?

    No CSKA, sim. Na Bulgária, também. Nesse jogo em Paris, era o 7. O 8 era o Stoitchkov, o 9 Penev, o 10 Balakov, o 11 Letchkov. No Mundial-94, sou o 7. No Mundial-98, sou o 7. No Euro-96, sou o 7. Em Toulon, sou 7. #

    Toulon?

    Ganhámos Toulon em 1986 e perdemos a final em 1987. Era o 7, Stoitchkov era o 10, Balakov o 8, Penev ainda e sempre o 9.

    E marcaste algum golo?

    # Isso já não me lembro. Sei que ganhámos à França, na final. E, verdade seja dita, perdemos a final do ano seguinte também com a França, nos penáltis. Aliás, nesse ano de 1987, ganhámos 2:0 a Portugal na fase de grupos. Acho que era frase de grupos. #

    E lembras-te de alguém de Portugal?

    Paneira. #

    Porquê a saída do FC Porto em 1994?

    Havia muitas equipas interessadas e assinei pelo Deportivo. Se quando cheguei às Antas encontrei Aloísio e Baltazar como estrangeiros, no Depor vi Donato, Mauro Silva, Djukic, Bebeto.

    Por pouco tempo. Nessa mesma época, Bayern.

    Precisavam de um avançado. #

    Meeesmo? Já lá estavam Klinsmann e Papin.

    *** Perguntas bem. Sei lá, só sei que cheguei e ganhei a Taça UEFA. Até marquei na final ao Bordéus, lá em França. Devo agradecer ao Beckenbauer.

    O presidente?

    O presidente-treinador.

    A sério?

    O Rehhagel perdeu dois jogos ou o que foi e fora, despedido. Um pouco como agora, com o Tuchel. Entrou o Beckenbauer para o resto da época. #

    E?

    Um senhor da cabeça aos pés, uma instituição. Já o era como jogador, também o é como pessoa. E demonstrou-o também como treinador. Ele falava, pouco e bem. Ele falava e todos se calavam a ouvi-lo. Ainda me lembro dele a dizer-me para jogar o meu futebol antes da tal final da Taça UEFA. Disse-me as palavras certas para entrar calmo em campo, consciente do meu valor. Assim foi, fiz o meu trabalho em dose dupla: assisti de calcanhar o Scholl para um golo e marquei um outro, de cabeça.

    De cabeça, espectáculo.

    As pessoas não me conhecem muito bem, mas marquei muitos golos de cabeça. Esse da final da Taça UEFA é só mais um, e talvez seja o mais grandioso por se tratar de um título europeu.

    Esse Bayern era qualquer coisa.

    Siiiim, siiiim. Kahn, Strunz, Helmer, Scholl, Klinsmann, Papin. Coitado do Papin. *

    Então?

    Ainda estava nervoso com o 2:1 da Bulgária à França. Falámos muito sobre esse jogo e o Papin sempre a abanar a cabeça, a falar baixinho. Os franceses estavam convencidos que iam ao Mundial-94 e até marcaram primeiro nessa noite, passe de cabeça do Papin e remate do Cantona. Só por estes dois se percebe a qualidade da França. Sem esquecer Sauzée, Desailly, Blanc, Deschamps. Era só craques. Mas eles tremeram com o nosso 1:1. #

    Também do Kostadinov.

    E de cabeça, ahahah. Canto do Balakov na esquerda e eu ao primeiro poste.

    Jogada de laboratório.

    Como se diz, grandes mentes pensam igual? #

    Isso mesmo.

    Balakov era um dotado para o futebol, adorava ter a bola, assumir o risco e ensaiar jogadas de bola parada. Colocava a bola onde queria, só me bastou fazer o movimento de rodar a cabeça. #

    Voltaste ao Parque dos Príncipes?

    Que me lembre, não. Mas levantei a Taça UEFA em Bordéus. A França está-me no sangue e nunca joguei no campeonato deles. *

    Também jogaste na Turquia e no México.

    Fenerbahçe e Tigres. Boas experiências, culturas futebolísticas muito parecidas. Salários altos, adeptos cheios de fervor clubístico, estádios cheios, boas equipas. No México, cheguei a resolver o dérbi de Monterrey com um golo, foi engraçado. #

    E mais coisas engraçadas?

    Assim de repente? Nem sei.

    Do CSKA, por exemplo.

    Isso é muito lá atrás, já não tenho capacidade de puxar o filme. #

    É pena. Faço-te então uma última pergunta e piro-me: o pior defesa que apanhaste pela frente?

    Couto, Fernando Couto.

    Nos treinos do FC Porto?

    # Nos jogos entre Académica e CSKA Sofia. #

    Hein?

    Estágios a meio da época, o CSKA costumava vir cá em Janeiro e Fevereiro para manter a forma enquanto o nosso campeonato parava.

    Grande história.

    Se bem me lembro, viemos cá dois anos seguidos em 1989 e 1990 ou 1990 e 1991.

    E que tal?

    O Couto? Mauzinho, f***-se. E eu respondia-lhe à letra. Era só palavrões, trocámos tantos insultos e chocámos tantas vezes, a faísca era imensa. Depois encontrámo-nos no FC Porto e era só sorrisos. O futebol é assim mesmo: quem dá, leva; quem leva, dá. Apanhamos de qualquer jeito.

    ******.

    Lembro-me de mais jogos aqui. Um em Portimão, 4:2 para nós. Marquei três golos e o Guetov marcou por eles, do Portimonense. E houve outro jogo, na Luz. Perdemos 2:1, marquei ao Bento. E também joguei com o Sporting no José Alvalade. Marquei dois ou três e empatámos 4:4? Acho que foi isso, o Stoitchkov foi expulso por ir contra uma decisão do árbitro. #

    Esqueci-me dessa figura, que tal o Hristo?

    Impecável. Era como eu: zero problemas. *#*#*#*#*#*

    Bulgária
    Emil Kostadinov
    NomeEmil Lubtchov Kostadinov
    Nascimento/Idade1967-08-12(56 anos)
    Nacionalidade
    Bulgária
    Bulgária
    PosiçãoAvançado (Extremo Direito) / Avançado (2.º avançado)

    Fotografias(2)

    Comentários

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    motivo:
    Kostadinov
    2023-06-02 11h42m por moumu
    O "culpado" por mandar a frança para fora do mundia 1994 com um belo golo, os franceses ficaram admirados e se calhar nunca tinham ouvido falar dele, creio que muitos residentes em Portugal não já que ele era conhecido aqui por rematar bastante bem. Bons tempos no FCP.

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