* por Pedro Pimparel Serafim
«Algum dia, tu irás cair e chorar. E vais entender tudo. Todas as coisas». Uma citação do filme A Árvore da Vida, realizado por Terrence Malick, traduz na perfeição, o estado de espírito dos adeptos do Leça FC, que procuram nas entrelinhas respostas para o mau momento que atravessa o clube do coração
Em Leça da Palmeira, habita um emblema marcado por uma história rica e por um conjunto de fãs apaixonados que, independentemente do contexto, deslocam-se ao estádio para apoiar vigorosamente o seu conjunto.
Os leceiros recordam com carinho os tempos grandiosos em que assistiam, semana após semana, a confrontos históricos nos principais palcos da liga portuguesa. Os anos 90 enchem de orgulho o peito de cada adepto, porém, a realidade atual é bem diferente.
Seguimos então para a primeira paragem desta montanha-russa emocional.
Na temporada 1995/96, ao aterrar pela segunda vez (a primeira foi em 1941/42) nas asas do expoente futebolístico em Portugal, o Leça FC não foi capaz de segurar-se. Os leceiros viram o seu conjunto somar 16 derrotas, em 22 jogos disputados, terminando a campanha no último lugar. Os 82 golos sofridos e 29 marcados espelham bem as dificuldades vivenciadas.
Caros leitores, não se aflijam. Não seria a última ocasião em que veríamos os leceiros a fazer a festa nos mais célebres relvados do país. Depois de vários anos a vaguear entre patamares inferiores, o Leça FC disse novamente «olá» ao segundo escalão, na época 1992/93, conquistando pela primeira vez na sua história, o título da II Divisão B.
Após um honroso oitavo lugar na temporada 1993/94, o Leça FC venceu o segundo troféu em três anos, na época que se sucedeu. Os 46 pontos obtidos foram suficientes para conquistar a II Divisão de Honra, correspondente ao segundo escalão do futebol português.
O ex-atleta Cristovão fez parte desse grupo histórico. À conversa com o zerozero, o antigo médio lembrou as dificuldades inerentes à subida: «Foi o concretizar de um objetivo muito difícil. Naquela altura não era fácil subir à primeira divisão, ainda para mais com o orçamento que nós tivemos. Ser campeão ainda torna a tarefa mais complicada».
Para a euforia dos leceiros, a segunda presença no principal escalão seria bastante mais positiva que a primeira, com o emblema de Leça da Palmeira a sair por cima na luta pela permanência, com o empate na última jornada, frente ao Sporting (1-1), a ser decisivo. O Leça F.C. acabaria por terminar no 15º posto, um ponto acima da linha de água.
Uma das principais figuras da história do emblema matosinhense é Constantino, o jogador com mais encontros ao serviço do clube (222 jogos). Em duas passagens distintas pelo Leça FC, o avançado apontou 84 golos em todas as competições.
O avançado relembrou carinhosamente o seu percurso: «É uma história fantástica. Subimos para a primeira divisão com uma grande equipa. Depois, com maior ou menor dificuldade, conseguimos sempre a manutenção. Jogar na Primeira Liga é o patamar máximo», confessou.
A temporada 1996/97 foi o culminar da consolidação do projeto, com o clube a conseguir, pela segunda vez consecutiva, a manutenção. Todavia, o início da queda do Leça FC estava destinado para a época seguinte, através do célebre «Caso Guímaro».
Manuel Rodrigues, também conhecido como 'Manecas', foi acusado de atribuir um cheque de 500 contos (aproximadamente 2.500 euros) ao arbitro José Guímaro, de forma a favorecer o conjunto matosinhense no jogo contra o Ac. Viseu, na época 1992/93, a contar para o apuramento do campeão nacional da II Divisão B (3-0). Esta «gracinha» levou à despromoção automática do Leça FC para a Segunda Liga.
No meio de tantas desilusões em escalões inferiores, entre as quais, a não subida para a Liga 3 por uma falha no licenciamento, os leceiros caminharam unidos para um dos anos mais memoráveis de toda a sua história. A época 21/22 seria uma temporada diferente, onde os feitos marcantes estariam destinados à prova onde poucos imaginavam: a Taça de Portugal.
A estreia na competição seria mesmo em casa, num jogo contra o Lusitânia de Lourosa, clube que atuava na Liga 3. O emblema de Leça da Palmeira levaria a melhor (1-0), por culpa de um golo solitário do avançado Miguel Lopes. Curiosamente, o mesmo Miguel Lopes representa, atualmente, os lusitanistas, clube ao qual causou estragos.
Na Segunda Eliminatória, o Leça FC partia como favorito frente ao Sp. Clube de Pombal, emblema que disputava as Distritais de Leiria. O clube matosinhense impôs a sua superioridade frente aos Leões do Arunca (4-0), que não tiveram argumentos para responder aos tentos de Diogo Ramalho, Nuno Barbosa (2x) e Jorge Monteiro.
Se até ao momento os adversários sorteados eram equiparados ao valor da turma de Leça da Palmeira, a disputa seguinte não teria os mesmos contornos. No Estádio Leça Futebol Clube, o Leça FC teria a árdua tarefa de superar o FC Arouca, naquele que seria um bonito regresso aos embates contra equipas da Primeira Liga.
Nem o leceiro mais confiante estava à espera deste desfecho, mas a verdade é que o clube matosinhense abriu o placar na primeira parte, com Nuno Barbosa a manter a excelente forma que atravessava na prova-raínha. Todavia, a equipa arouquesa chegaria à igualdade mesmo ao cair do pano, por Eboué.
Numa partida escaldante que deixava cada adepto com o coração acelerado, o jogo seguiu para as grandes penalidades, onde Gustavo Galil vestiu a capa de super-herói e defendeu quatro remates da marca dos 11 metros. O Leça também não demonstrou grande eficácia, mas as duas cobranças convertidas foram suficientes para deixar a bancada numa euforia gigante.
Os comandados do técnico Luís Pinto estavam destinados a ser os «tomba-gigantes» desta edição, por isso, não foi surpresa nenhuma o Gil Vicente ser o próximo adversário na agenda. O Leça FC entrou na Quarta Eliminatória sem receio, mostrando muita personalidade ao longo do encontro. Aos 62 minutos, Diogo Rosado decidiu resolver o encontro à lei da « bomba», com um remate potente, fora-da-área, indefensável para Bryan Araújo.
Os leceiros contemplavam novamente o seu clube do coração a disputar os resultados «olhos-nos-olhos», frente aos principais clubes do país. O Leça FC chegava assim aos oitavos-de-final, onde tinham pela frente um adversário (na teoria) mais fácil: o USC Paredes.
Numa partida em que nenhuma das equipas desatou o nó do marcador, a decisão seguiu, mais uma vez, para a marcação de grandes penalidades. Já dizia o ditado: de penálti em penálti, Galil enche o papo. O que é certo é que o guardião brasileiro mostrou-se novamente inspirado, defendendo duas cobranças e ainda batendo de forma certeira a grande penalidade decisiva. Sem dúvida, um dos jogadores em maior destaque nesta campanha.
O Leça FC era então a única equipa do Campeonato de Portugal a chegar às oito melhores equipas da prova-raínha. O conjunto de Leça da Palmeira acabaria por ser eliminado nos quartos-de-final pelo Sporting CP (0-4), num jogo realizado no Estádio Capital do Móvel, fruto de exigências de segurança feitas pela APCVD.
Apesar da derrota frente a um dos grandes do futebol português, Constantino mostrou-se orgulhoso com a campanha da equipa na competição: «Fui ver o jogo contra o Paredes e contra o Gil Vicente. O Leça jogou muito bem. Foi pena o jogo contra o Sporting, em Paços de Ferreira. Foi uma época fantástica. Ver alegria do público foi extraordinário».
Num mundo de suposições, quem sabe se o sonho manteria-se vivo se a partida fosse disputada na sua fortaleza? Com os leceiros a puxarem a equipa para a frente e a promoverem a dose extra de adrenalina que os seus atletas tanto precisavam. A verdade é que esta excelente campanha, juntamente com o terceiro lugar no Campeonato de Portugal, parecia ser o catalisador necessário para o clube fazer as pazes com os tempos áureos.
O Leça FC partia para a época 2022/23 com claros objetivos de dar continuidade ao bom momento vivido na época transata. Contudo, os problemas conjunturais eram demasiado salientes para não serem alarmantes.
Todo o plantel da temporada 2021/22 seguia para novas paragens, devido a atrasos no pagamento dos salários. Desta forma, a equipa do Leça FC para o ataque à promoção passava essencialmente pelos jovens jogadores da formação, que só agora davam os primeiros passos no profissional.
O formato para esta edição do Campeonato de Portugal era bem diferente, com seis (!) equipas por série a descerem automaticamente para os Distritais, um número bastante elevado.
O Leça FC começou a temporada com o «pé esquerdo», sendo eliminado da Taça de Portugal diante do GD Resende (1-2). Apesar da saída precoce da prova-raínha, os leceiros tinham como principal foco a subida de divisão.
No final do ano, em dezembro, o Leça FC situava-se no quinto posto, somando até ao momento seis vitórias e seis derrotas. Uma posição que deixava tudo em aberto para a segunda metade do campeonato.
A falta de rendimento acabaria por voltar a atormentar os leceiros, que viram a sua equipa numa senda de sete jogos sem ganhar, onde somaram apenas três pontos em 21 possíveis. Simplesmente, um período horroroso que iria custar caro às ambições do clube.
O emblema de Leça da Palmeira entrava nas últimas cinco jornadas a precisar urgentemente de voltar aos triunfos, mas não para consumar o objetivo inicial de subida, mas sim para garantir a permanência.
P | J | V | E | D | ||
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1 | SC Salgueiros | 52 | 26 | 15 | 7 | 4 |
2 | Lusitânia de Lourosa | 52 | 26 | 15 | 7 | 4 |
3 | Rebordosa AC | 51 | 26 | 14 | 9 | 3 |
4 | Beira-Mar | 48 | 26 | 13 | 9 | 4 |
5 | Marítimo B | 43 | 26 | 12 | 7 | 7 |
6 | Valadares Gaia | 40 | 26 | 10 | 10 | 6 |
7 | Gondomar SC | 38 | 26 | 10 | 8 | 8 |
8 | Camacha | 34 | 26 | 9 | 7 | 10 |
9 | Leça FC | 33 | 26 | 10 | 3 | 13 |
10 | Machico | 29 | 26 | 7 | 8 | 11 |
11 | Alpendorada | 29 | 26 | 8 | 5 | 13 |
12 | AD Castro Daire | 20 | 26 | 4 | 8 | 14 |
13 | GD Resende | 17 | 26 | 4 | 5 | 17 |
14 | Guarda Desportiva | 8 | 26 | 2 | 5 | 19 |
Uma vitória frente ao Guarda Desportiva - último classificado - era fundamental para voltar a dar confiança aos jogadores e, principalmente, tirar o clube da zona de descida. Dito e feito: o Leça FC arranca um dos melhores resultados da época, vencendo por 1-5.
Na reta final do campeonato, os pupilos do treinador Paulo Silva precisavam de dar continuidade à boa exibição realizada na última partida. O destino assim não o quis, com o Leça FC a somar duas derrotas consecutivas, diante de Marítimo B (0-3) e Beira-Mar (1-0), que atiravam o clube para o nono posto - última posição que dá acesso à descida.
O Leça FC era então obrigado a ganhar na derradeira jornada para sonhar com a manutenção. Ao minuto 74, David Yoo, avançado neozelandês, apontaria o golo que deu a vitória em casa (1-0), porém, o Camacha condenou a equipa de Matosinhos ao abismo. O triunfo do conjunto madeirense frente ao Marítimo B (3-2), levava o Leça FC a permanecer no nono posto e, para desespero de todos os leceiros, ao consequente regresso aos campeonatos distritais, em mais um capítulo negro da sua história.
Durante a última temporada, os problemas financeiros voltaram a vir ao de cima, com os jogadores a fazerem greve de um mês fruto a ordenados em atraso, situação que já tinha acontecido na época 2021/22.
João Laranjeira, presidente adjunto do Leça FC, afirmou, em fevereiro, ao jornal ‘O Jogo’, que o clube é «vítima de uma má gestão» por parte da Brownperspective Lda. Recorde-se que a empresa possui, desde novembro de 2021, uma grande percentagem da SAD - 80 por cento das ações do clube.
«É o fenómeno geral do futebol português. Agora com as novas SAD que aparecem é tudo uma questão de sorte. É difícil aparecer a acionista certa para ajudar os clubes a subir. O Leça teve azar com a junção e agora está numa situação complicada. É preciso aparecer alguém que consiga dar a volta à situação», salientou Cristovão.
O antigo jogador garantiu que «sem investimento é difícil» dar a volta por cima, mas mostrou confiança na nova direção: «Pelo que percebi no jantar de homenagem, a direção é jovem e competente. Agora, também tem que ter sorte nas ajudas que aparecem. Espero que corra tudo bem».
Cristovão, apesar de viver em Lisboa, procura sempre «saber os resultados» do seu clube. Contudo, assumiu que o panorama atual não é de todo o mais favorável: «É sempre triste ver o Leça onde está. Depois de tantos anos em cima, ver o Leça cair de divisão é sempre um motivo de tristeza, para mim e para os leceiros».
Já Constantino mostrou-se otimista: «Tenho esperança que o Leça vai-se levantar. O Leça é uma equipa lutadora e merece estar noutro patamar». O antigo avançado deixou também um apelo à direção: «O próximo objetivo passa por subir, o quanto antes, de divisão, uma vez que é um escalão muito complicado. O Leça tem que fazer uma equipa para isso.»
O futuro é incerto. O clube do povo procura agora voltar a subir gradualmente até ao cume da montanha futebolística. A batalha vai ser dura, mas os leceiros procuram ser o 12º elemento na dura batalha contra a crise.