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    História da edição

    Champions 99/00: Um Real dono e senhor da Europa, outra vez

    Texto por Jorge Ferreira Fernandes
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    Quando começou, lá na longínqua década de 50, a Taça dos Clubes Campeões Europeus parecia uma competição destinada para apenas uma equipa só, o Real Madrid. Nas suas melhores colheiras, o conjunto merengue foi capaz de ganhar as cinco primeiras edições da maior prova de todas e ainda de ser finalista vencido na sétima e na nona, guardando para 1966 a última conquista. Era o tempo e a era de Di Stéfano, Puskàs, Paco Gento e muitos outros que tornaram o Real no verdadeiro gigante do século XX. 

    E não foi por falta de qualidade que o clube mais representativo de Espanha passou mais de três décadas sem conseguir conquistar, de certa forma, a sua própria competição. Ninguém pode duvidar, por exemplo, do talento e da capacidade da Quinta Del Buitre (Emilio Butragueño, Miguel Pardeza, Manolo Sanchís, Míchel González e Martín Vázquez), uma de muitas que não conquistou o Velho Continente. O que é certo é que só na década de 90 se voltou a festejar em grande pelas ruas de Madrid. E no último ano do novo milénio, na primeira final 100% espanhola, o Real foi melhor, muito melhor do que o Valência, confirmando o segundo período de épicas vitórias da sua história. E os novos protagonistas Raúl, Casillas, Redondo ou Roberto Carlos juntavam-se às tais lendas dos anos 50 e 60. 

    Ainda antes das duas fases de grupos e da Liga dos Campeões propriamente dita, o futuro finalista Valência foi obrigado a jogar uma pré-eliminatória de acesso. Passou-a sem dificuldades, mas para o futebol português essas datas foram marcantes. O Boavista, pela primeira vez na sua história, jogava o acesso à maior competição de clubes no planeta. Um ano antes de conquistar Portugal, aquela equipa já tinha quase todos os ingredientes. Jaime Pacheco já marcava a diferença pelo estilo e pela liderança e algumas das principais figuras já estavam no Bessa, como Ricardo, Litos, Pedro Emanuel, Rui Bento ou Erwin Sánchez. Alguns dos protagonistas que tinham a oportunidade de entrar para o museu, diante do Brondby. Foi uma eliminatória equilibrada e só decidida no prolongamento, depois dos dinamarqueses, em cima da hora, terem feito o mesmo 1x2 que os axadrezados haviam alcançado. No prolongamento, contudo, a Pantera foi muito melhor, na materialização do Boavistão.

    O futebol português virava para o Norte e para a Invicta, se quisermos ir ao pormenor. Também o pentacampeão FC Porto iria participar na primeira de duas fase de grupos, com uma grande curiosidade pelo meio. Os adversários eram praticamente os mesmos de 1997: Real Madrid, Olympiacos e um dos grandes da Noruega, sendo que desta vez era o Molde que aparecia no caminho, em detrimento do Rosenborg. Se nessa época os azuis e brancos acabaram em último, desta vez foi tudo diferente. Duas derrotas, é certo, mas em terrenos complicados como o Bernabéu e Atenas, mas quatro triunfos, incluindo um ao futuro campeão europeu Real Madrid, nas Antas. Ficou um sabor amargo pelo segundo lugar final, uma vez que a equipa de Fernando Santos partia para a última jornada com legítimas aspirações de ser líder. Ter o Bota de Ouro Jardel ajudava e muito...

    Ainda mais complicada, em teoria, era a tarefa da outra equipa portuense presente na Champions 99/00. Mas não se pode dizer que o Boavista se tenha portado mal, bem pelo contrário. É certo que os axadrezados acabaram em último, mas voltaram a dar uma imagem de personalidade e de carácter forte mesmo quando do outro lado estava uma equipa mais bem apetrechada. Para além dos dois empates com o campeão holandês Feyenoord, o conjunto de Jaime Pacheco foi absolutamente decisivo na discussão da passagem, ao bater o Dortmund, no Bessa, na última jornada, resultado que atirou os alemães para fora da Liga Milionária. Um final feliz, mas não o mais épico de todos naqueles anos dourados. 

    Jardel acabou como um dos melhores marcadores da Champions @Getty / Getty Images

    Na primeira de duas fases de grupos, os principais candidatos, com maior ou menor brilhantismo, cumpriram com a sua obrigação de seguir em frente. O Arsenal, segundo classificado da Premier League, desiludiu um pouco, ao acabar no terceiro posto, mas a grande surpresa aconteceu no grupo H, uma vez que o campeão italiano e antigo campeão europeu AC Milan terminou num impensável quarto lugar, atrás de Galatasaray, Hertha de Berlim e Chelsea, que, na sua primeira participação, criou um impacto forte e instantâneo. Mal sabiam os outros colossos que estava para nascer um crónico candidato...

    No caminho do FC Porto, apresentavam-se agora Barcelona, Sparta de Praga, líder na primeira fase de grupos, e o Hertha de Berlim. Os catalães, orientados por Van Gaal, que contavam nas suas fileiras com os português Simão Sabrosa e Luís Figo, confirmaram o favoritismo, cedendo apenas um empate em meia dúzia de partidas - 17 golos marcados são números que não deixam margem para dúvidas quanto à justiça do líder. Ficava a faltar uma vaga, numa mini-batalha ganha de forma natural e confortável pelo FC Porto, com Jardel, outra vez, em plano de destaque. O sonho do Penta já tinha sido alcançado, seria agora o tempo de conquistar o Velho Continente? 

    Nos restantes grupos, a ordem e a lógica voltaram a imperar. Os dois finalistas da competição acabaram em segundo. O Real Madrid fez menos três pontos do que o Bayern de Munique, enquanto que o Valência ficou também a uma vitória do líder Manchester United. Curiosamente, che e merengues fizeram uma dezena de pontos cada um, mas a equipa de Del Bosque sofreu até ao fim. É que o Dynamo chegou à última jornada com os mesmos pontos e, tendo em conta a vitória dos ucranianos, ao Real só interessava o triunfo. Raúl González lá apareceu para dar três pontos preciosos, numa Champions de muitos candidatos e poucos favoritos. 

    Para os quartos de final também seguiu a Lazio. Campeã italiana à altura, a turma da cidade eterna apresentava-se como teórica favorita no duelo contra o Valência. O erto é que bastaram 90 minutos para se perceber que não só a equipa de Simeone, Nedved ou  Mihajlović não era assim um bicho tão papão, como os che eram bem capazes de continuar com o seu sonho. No Mestalla, uma noite mágica, com direito a hat-trick de Gerard López, abriu o caminho das meias, definitivamente escancarado depois de, no Olímpico, a Lazio se ter ficado apenas pelo 1x0. Demasiado curto para quem tinha marcado dois e sofrido cinco uma semana antes. 

    Depois de uma segunda fase de grupos mais tremida, o Real tinha um teste de fogo no duplo encontro com o Manchester United. Não havia grande margem de erro e o confronto entre os dois colossos do futebol mundial não desiludiu. Confronto, no singular, porque a primeira-mão, no Santiago Bernabéu, acabou com um nulo que agradou mais ou menos às duas partes. No Teatro dos Sonhos, um dos jogos mais míticos daquela Champions teve lugar. Raúl foi novamente decisivo, mas o 2x3 ficou eternamente marcado mais por uma assistência do que propriamente por um golo. Porque a jogada de Fernando Redondo , que carimbou, na altura, o 0x3, foi especial e representativa de toda a qualidade que aquele médio defensivo argentino desfilava pelos relvados. 

    Campeão alemão em título, o Bayern de Hitzfeld chegava aos quartos de final da Champions de 99/00 como adversário do FC Porto. Os alemães eram favoritos, mas o pentacampeão português deu uma resposta fantástica, quer na Invicta, quer na segunda-mão, em solo germânico. Jardel inaugurou o marcador nas Antas, mas, apesar de ter sido a melhor equipa, os azuis e brancos acabaram por sofrer um golo, a 10 minutos do final. Uma semana depois, em Munique, mais uma demonstração de qualidade e superioridade da equipa portuguesa, com muita falta de sorte e muita falta de competência do árbitro pelo meio. Jardel ainda abriu as portas do prolongamento, ao minuto 90, mas um golo de Linke, logo a seguir, acabou com as aspirações portistas. E a melhor equipa em campo não passou...

    Depois de bater o Chelsea num duelo apaixonante, que só foi resolvido no prolongamento da segunda-mão, o Barcelona tinha pela frente o Valência nas meias-finais da Liga dos Campeões. Os che já tinham deixado uma marca muito forte, mas, desta vez, o desafio parecia ainda mais complicado, tal o poderio daquele conjunto catalão. Mais uma vez, em casa, a turma de Cúper foi arrasadora, vencendo por 4x1 e abrindo as portas da final de Paris. Pellegrino, Angulo, Mendieta e Cláudio López, algumas das principais figuras da equipa, marcaram os golos que se provaram suficientes para um coletivo que conseguiu gerir da melhor forma a vantagem em Camp Nou. Na sua segunda participação, o Valência atingia pela primeira vez uma final da maior prova de clubes. Uma história para guardar num canto especial do museu. 

    Estava nas mãos e nos pés do Real Madrid a possibilidade de se assistir, pela primeira vez na história da competição, a uma final 100% espanhola. O adversário era gigante, como o dos quartos, o campeão alemão Bayern. Raúl não apareceu na lista de marcadores, mas outro avançado fez as vezes do número sete e praticamente encaminhou os merengues até à final da Champions. Nicolas Anelka, no Santiago Bernabéu, marcou um dos dois golos da vitória por 2x0 e, em Munique, já depois do Bayern ter inaugurado o marcador e relançado a eliminatória, praticamente fechou as contas, carimbando o passaporte do maior campeão europeu da história para o Stade de France. 

    Não faltaram pequenas grandes histórias no percurso da Champions de 99/00, mas a verdade é que a final teve pouca ou nenhuma história. Talvez sentindo o peso da ocasião, o Valência não conseguiu ser a mesma equipa, diante de um Real que até tinha sido menos espetacular nas eliminatórias anteriores mas que se valeu do estatuto de grande campeão europeu, em Paris. Um triunfo significativo, por 3x0, com Morientes e McManaman a marcarem, é certo, mas com Raúl a assumir parte do protagonismo, num terceiro golo absolutamente brilhante. Ele era mesmo o Di Stéfano do Real contemporâneo...

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    jogos históricos
    U Quarta, 24 Maio 2000 - 19:45
    Stade de France
    Stefano Braschi
    3-0
    Fernando Morientes 39'
    Steve McManaman 67'
    Raúl González 75'
    Estádio
    Stade de France
    Stade de France
    França
    Saint-Denis - Paris
    Lotação81338
    Medidas105x70
    Inauguração1998