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    História da edição

    Champions 13/14: La décima

    Texto por Jorge Ferreira Fernandes
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    Crónico vencedor das primeiras edições da prova, o Real Madrid foi, durante alguns anos, quase uma extensão da própria Taça dos Campeões. Onde estava a decisão, estava o clube merengue, capaz de levantar as primeiras cinco Orelhudas e de participar em oito das primeiras onze finais. A transição para a nova designação de Liga trouxe o tal reencontro com um passado glorioso e, nesta retoma merengue, o ponto alto aconteceu à 10ª Champions. Pelo número redondo, é certo, mas, acima de tudo, pela forma como tudo aconteceu, contra quem tudo aconteceu. 

    O final de tarde/noite de 24 de maio de 2014 será sempre recordado por qualquer adepto deste gigante espanhol. No Estádio da Luz, perante o rival da cidade Atlético, o Real Madrid esteve a um pequeno passo de ver fugir uma Taça muito desejada e para a qual a equipa trabalhou como nunca. Fazer um percurso absolutamente brilhante e poder sair derrotado do jogo mais importante de todos, ainda por cima com um erro não forçado pelo meio, teria sido um fardo muito difícil de carregar para o maior campeão europeu da história. Mas um futuro capitão subiu ao terceiro andar para um golo que foi muito mais do que isso. Sergio Ramos saltou, marcou e uma nova era começou, ali mesmo, naquele instante de explosão e euforia. 

    É praticamente impossível não encher todos estes parágrafos de memórias com elogios ao Real Madrid, mas procuremos, por umas linhas, diversificar o nosso olhar e a nossa memória. Sim, porque, para além de todo o domínio da equipa de Ancelotti, passaram-se momentos mais ou menos marcantes  na Champions de 2013/2014. O acesso do Manchester City aos oitavos, depois de duas desilusões consecutivas, foi um deles. Já com Pellegrini, os novos-ricos do futebol britânico deixaram de lado os fantasmas passados e alcançaram o segundo lugar e os mesmos 15 pontos do líder Bayern. Finalmente, o projeto parecia poder evoluir para um patamar europeu. 

    E esse equilíbrio bem patente entre bávaros e citizens até pareceu secundário, se tivermos em conta que, num outro grupo, três equipas acabaram empatadas com 12 pontos. O Marselha foi um autêntico bombo da festa, distribuindo presentes por todos, em casa ou fora, e Nápoles, Arsenal e Dortmund entraram numa luta feroz, naquele que foi o acesso aos oitavos mais concorrido de sempre. Aos italianos saiu a fava, tiveram mesmo que se contentar com a Liga Europa, o Arsenal passou em segundo e o Dortmund, finalista vencido da última edição, apesar do susto, lá conseguiu o principal objetivo. Mas esta já não era aquela equipa de Klopp que tinha encantado o Velho Continente durante meses a fio...

    Neste regresso à primeira fase, importa destacar ainda as equipas portuguesas. Comecemos pela que se comportou pior, o FC Porto. Em três anos, os dragões somaram a segunda eliminação na primeira fase, depois de uma década anterior recheada de grandes participações e de uma quase obrigação por chegar aos 16 melhores. O grupo até nem tinha, à partida, qualquer colosso, era equilibrado entre três equipas, mas o rendimento face a Atlético, Zenit e até mesmo ao Áustria de Viena foi demasiado curto. Contra os colchoneros, em casa, a equipa de Paulo Fonseca perdeu a vantagem e sofreu uma reviravolta, contra o Zenit o duplo amarelo de Herrera nos primeiros seis minutos não permitiu grandes chances, perante os austríacos uma eventual vitória teria deixado bem em aberto a passagem, mas o Dragão só viu mais uma perda de pontos, antes da desilusão final e inevitável no Vicente Calderón. 

    Deixando apenas uma nota de rodapé para o Paços de Ferreira, que se apurou para a Liga dos Campeões pela primeira vez, depois de uma época histórica com Paulo Fonseca, para perder o play-off com o Zenit de Danny, importa ainda dissecar aquilo que foi o percurso do Benfica. Pelo segundo ano consecutivo, os encarnados falharam por pouco o segundo lugar, terminando com os mesmos 10 pontos do Olympiacos. Se a derrota pesada contra o PSG deu uma má imagem, o desaire em Atenas foi a partida verdadeiramente decisiva para a eliminação, com Roberto a vingar-se da antiga equipa, numa exibição para mais tarde recordar, feita de várias defesas milagrosas que impediram os pontos que as águias tanto fizeram por merecer. E o sonho, tornado público pelo próprio presidente Luís Filipe Vieira, de jogar uma final da Champions em casa esfumou-se, sendo a consequência maior da eliminação e do all-in a venda de Matic ao Chelsea na reabertura do mercado. 

    Uma das possíveis conclusões a retirar seria a de uma certa desilusão portuguesa, mas a maior de todas da primeira fase apareceu no grupo do futuro campeão europeu Real Madrid. Se a equipa de Ancelotti, que terminou com 16 pontos, dominou a seu belo prazer, a Juve, bicampeã italiana em título, não foi além de um terceiro lugar que não fez jus à revolução tática e técnica levada a cabo por Conte em Turim. No bom sentido, uma menção muito honrosa para o segundo apuramento consecutivo de um Galatasaray que era muito mais do que um simples conjunto de jogadores consagrados e de qualidade. Havia trabalho feito na Turquia e a vecchia signora foi recambiada para casa, naquela que foi apenas a segunda pior consequência europeia da época para Pirlo, Vidal, Pogba e tantos outros - uns meses depois, o Benfica acabaria com o sonho da Juventus em jogar a final europeia em casa.  

    Ultrapassada a fase de grupos, já num novo ano civil chegavam os oitavos e as primeiras eliminatórias. E, logo aí, percebeu-se que o Real estava mais do que preparado para atacar com uma outra força e competência a conquista da décima. É certo que o adversário não era da primeira linha do futebol europeu, mas ganhar 1x6 num estádio exigente como Gelsenkirchen foi uma mensagem muito forte para a concorrência. Ancelotti já sabia como vencer a maior prova do futebol do velho Continente, não faltavam opções de qualidade, a equipa era equilibrada em todos os setores e, na frente, constituía-se um trio de avançados diabólicos. Era o início de um mito poderoso denominado de BBC - Bale, Benzema e Cristiano. 

    A cidade de Madrid, diga-se, respirava como nunca na Liga dos Campeões europeus. Se o Real era uma autêntica máquina de golos, o Atlético, depois da conquista da Liga Europa, em 2012, dava sinais de que podia, mesmo sem Falcao, aumentar o seu nível de jogo e sonhar com uma surpresa. O Milan foi a primeira vítima, com um 4x1 na segunda-mão que tratou de apresentar aos mais descrentes um conjunto colchonero muito consistente, sólido, mas também capaz de causar dano no ataque, especialmente se um tal de Diego Costa estivesse em dia sim. O Barcelona caiu logo a seguir, nos quartos, já numa versão catalã que de tiki-taka tinha pouco, pelo menos do lado bom da filosofia que chegou a encantar e a ganhar duas Champions em quatro anos. 

    O Chelsea, com maior ou menor qualidade, foi uma das equipas que chegou mais longe passando, de uma certa forma, pelos pingos da chuva. No regresso de Mourinho, esta era já uma equipa diferente, a tentar reconstruir-se e a encontrar as melhores soluções para os lugares dos consagrados Terry, Lampard, Drogba, Ballack. Era o tempo de Oscar, Willian, Hazard, numa participação que teve como ponto alto os quartos de final, diante do Nápoles. A precisar de um 2x0 na segunda-mão, os blues foram ao limite e chegaram ao golo da vitória a apenas três minutos dos 90, por intermédio de Demba Ba, reforço de inverno que não teria muitas oportunidades mas que acabou por dar uma presença à sua equipa nas meias da Champions e, num outro contexto, praticamente impedir o Liverpool de ser campeão inglês, na sequência daquela mítica e inesquecível escorregadela de Gerrard em Anfield.  

    A euforia em Stamford Bridge, resultante do golo que abriu portas a mais uma presença entre as melhores quatro equipas europeias, durou pouco, pois o desequilíbrio da eliminatória seguinte com o Atlético de Madrid foi evidente e mostrou que ainda faltava mais qualquer coisa para este novo Chelsea regressar à primeira linha europeia. Mais do que os defeitos dos londrinos, importa realçar tudo o que de bom Simeone e companhia construíam no Calderón. Um 4x4x2 fiável, que foi crescendo ao longo da época até se tornar numa base vencedora, estivesse quem estivesse do outro lado. Aquela equipa mais habituada a fechar no top-quatro em Espanha, que pouca história de Champions tinha, ia jogar a final de Lisboa.

    Uma equipa de Madrid já estava apurada, faltava a outra para a materialização de um dérbi bem especial. Mais uma vez, no caminho merengue aparecia o Bayern, o adversário da meia-final emocionante de 2012, que terminou com derrota do Real nas grandes penalidades. Apesar da base ser a mesma, por ter como treinador Guardiola, este era um conjunto bávaro diferente, mais cerebral, menos vertiginoso. O Real lidou melhor e não se limitou a apenas ser superior e conseguir o principal objetivo da final, atirou ao tapete um colosso com um KO impressionante, em Munique, na noite mágica de Cristiano Ronaldo, que bateu o recorde de golos numa edição, na noite em que os espanhóis chegaram à Allianz Arena e marcaram quatro sem resposta. Gostando-se mais ou menos de um estilo, poucos eram aqueles que podiam reclamar da justiça dos dois protagonistas da final. 

    E que final de tarde/noite absolutamente mágico a capital portuguesa viveu. Não faltou quase nada a esta final inédita da Champions, apenas Xabi Alonso, que, por acumulação de amarelos foi obrigado a assistir à decisão nas bancadas da Luz, e Diego Costa, que ainda jogou os primeiros nove minutos antes de sair por lesão. Depois de muitos testes físicos e dúvidas acerca da real condição do avançado, Simeone sentiu o peso do momento e apostou na presença da sua principal referência atacante no onze, apenas para entrar com menos um e queimar de forma inacreditável uma substituição. O que estava em jogo era mesmo demasiado importante para que algum ator principal pudesse faltar e esse sentimento também invadia o coração dos adeptos que, depois do título conquistado na casa do Barcelona, tinham a possibilidade de chegar à maior vitória todas às custas do rival de uma vida. Um conto épico, de sonho, para contar a filhos e netos. 

    Remetido para a condição de suplente no campeonato, Iker Casillas continuou a merecer a confiança do seu treinador para defender as redes na Liga dos Campeões, mesmo na final. E a lenda das balizas não foi nada feliz em Lisboa, depois de falhar redondamente uma saída e permitir o golo da vantagem ao Atlético. Um momento que fez acentuar ainda mais o domínio do Real, mais equipa perante um adversário já demasiado cansado e demasiado dependente da inspiração defensiva. O que é certo é que mesmo com muita presença, muitos ataques, posse de bola, mesmo com um Di María diabólico e um Bale incisivo, os merengues não conseguiam o mais importante e o rival da capital espanhol ia sonhando. 

    O tempo passava, o desespero invadia as hostes blancas, a clarividência no momento de definir era quase nula. Simeone, assistindo à falência física da sua equipa, ia puxando pelos adeptos, mas, exatamente junto ao outro topo, que começava a perder toda e qualquer paciência, Ramos saltou para a eternidade, do clube e da própria Liga dos Campeões. Um cabeceamento incrível, três minutos depois dos 90, que levou o jogo para prolongamento e que entrou para a categoria dos momentos mais emocionantes da história recente do desporto-rei. O Atlético viu-se atordoado e não mais recuperou, num prolongamento de sentido único em que Di María encantou, Bale marcou e Ronaldo finalizou para a marca inacreditável dos 17 golos, que seriam decisivos para a sua eleição como melhor do planeta uns meses depois. La Décima era realidade.

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    Real Madrid - Vencedor da Champions League 2013/14
    Real Madrid - Vencedor da Champions League 2013/14

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    jogos históricos
    U Sábado, 24 Maio 2014 - 19:45
    Estádio do Sport Lisboa e Benfica
    Björn Kuipers
    4-1
    a.p.
    Sergio Ramos 90'
    Gareth Bale 110'
    Marcelo 118'
    Cristiano Ronaldo 120' (g.p.)
    Diego Godín 36'
    Estádio
    Estádio do Sport Lisboa e Benfica
    Lotação64642
    Medidas105x68m
    Inauguração2003