Blagoevgrad teve o prazer de assistir ao nascimento - a 30 de janeiro de 1981 - do leão que rugiu mais alto desde o perpétuo conjunto que tinha em Hristo Stoichkov a sua maior estrela. Não existiu uma geração de ouro para liderar, é verdade, mas foi essencialmente por Inglaterra, com uma junção de simplicidade e qualidade técnica incomum, que (D)imitar esse brilhante búlgaro, Berbatov não se acanhou.
A 15 de maio de 2002, em Hampden Park, dava-se o primeiro vislumbre no maior palco de todos. Um jovem búlgaro, a dizer «presente» pela turma de Leverkusen, entrava aos 39 minutos da final da Liga dos Campeões, perdida para o Real Madrid, em Glasgow. Oito anos depois da geração de ouro búlgara ter ficado a um passo da final do Mundial 1994, o viveiro de talentos de Leste parecia dar à Europa do futebol mais um produto de grande qualidade. Era cedo, sem dúvida, mas os dados estavam lançados.
Era o primeiro episódio de uma série, digamos, inusual. Estávamos perante um avançado diferenciado, principalmente pelas características que imprimia no seu jogo. Dotado de uma técnica invejável, vendo até o seu first touch ser comparado ao de Zidane, carrasco dessa final improvável, o avançado destilou classe por onde passou. A priorização da sua capacidade mental, levando-o a tornar o seu jogo manifestamente eficiente, simples e elegante, fê-lo atingir grandes patamares. Começou na Alemanha, brilhou por Londres, confirmou em Manchester e ainda foi espalhar o ar de sua graça para o principado. Mas, antes de tudo, Bulgária, uma infância a tratar a bola por tu e um período demasiado instável para um talento que nem assim parava de crescer.
Dimitar Ivanov Berbatov cresceu numa cidade a uma centena de quilômetros de Sófia, capital de um país dominado pela pobreza. A sua infância não fugiu à regra e nem o pormenor de ser filho de dois desportistas atenuou esse facto. O seu pai, Ivan, atuou no CSKA Sofia e no Pirin. Já Margarita era atleta profissional de andebol.
«O que mais me chamou à atenção foi ir buscar pão às seis da manhã e, se passasse à frente na fila, não comia. Este tipo de coisas unia-nos como família, mas quando és criança, pensas naquilo como um jogo».
«Comecei a apoiar o Blackburn, depois o Newcastle. Os meus pais deram-me uma camisola do Newcastle porque sabiam que eu amava o Alan Shearer. Eu dormia com ela».
No goleador foi buscar inspiração. Em si, tudo o resto, tudo o que o destacou dos demais. E não, não foi só dentro das quatro linhas. Berbatov também fez a diferença fora dos relvados. Encontrou no futebol o objetivo e, ao mesmo tempo, a distração perfeita para se manter longe dos problemas, das muitas lacunas criminosas daquela sociedade que era fértil em atrair jovens para maus caminhos.
O inevitável aconteceu. Aos 17 anos, assinou pelo CSKA. O sonho de se tornar futebolista estava cada vez mais presente, contudo, as dificuldades teimavam em fazer parte da sua caminhada. Berbatov mudou-se para Sófia mas não se adaptava ao clima complicado e solitário em que vivia. Os primeiros tempos foram muito conturbados. Apesar de muitas conjunturas que ameaçavam o crescimento da pérola, o avançado estreou-se na equipa principal, em 1998.
Aparentemente, o miúdo de Blagoevgrad estava a viver o seu sonho. Chegava ao patamar do seu pai, deliciava pela qualidade que apresentava e consolidava-se na equipa, mas a verdade é que não foi bem assim. A ambição em representar o CSKA azedou ao mesmo tempo que as críticas dos próprios adeptos subiram de tom. Berbagoal apontou 22 golos em 49 jogos nas duas primeiras épocas, mas nem isso o livrou de muitos comentários negativos, essencialmente culpando-o pelas fracas prestações coletivas da equipa. Apesar dessa relação agitada, desengane-se quem pense que esta pressão foi a pior com que Berbatov teve de lidar.
Aos 18 anos, quando já se integrava no CSKA, o prodígio búlgaro até no horizonte de um líder de um gangue búlgaro esteve. Georgi Iliev, também detentor do FC Levski Kjustendile, levou Berbatov com o intuito de o pressionar a assinar pelo seu próprio clube. Felizmente, o jovem conseguiu sair ileso do sucedido, no entanto, as marcas psicológicas permaneceram no período consequente. Os obstáculos pareciam surgir com um piscar de olhos, e logo numa fase crucial da sua carreira. A mudança de paradigma, necessária por variados motivos, deu-se com a ida do búlgaro para a Alemanha.
Berbatov ostentava cabelos compridos, aqueles que foi perdendo ao mesmo ritmo que a sua carreira, pelo contrário, se engrandecia. Os problemas passados estavam esquecidos e o habitat perfeito para evoluir foi encontrado. O búlgaro teve mão, neste caso, pés e cabeça na grande temporada que culminou na inédita presença na final da Liga dos Campeões. Foi no meio de grandes nomes - Michael Ballack, Ulf Kirsten, Zé Roberto, Lúcio - que encontrou espaço para crescer e marcou golos atrás de golos, época após época. A cobiça, naturalmente, começou a surgir.
Seguiram-se temporadas de desenvolvimento constante. As duas últimas de Berbatov pelo clube germânico revelaram-se proveitosas, sobretudo na relação com o golo, o que fez despertar, definitivamente, o interesse de emblemas de outras paragens. Após 91 golos em 201 aparições, o atacante despediu-se da Bayer Arena. Inglaterra entrava no horizonte. Devoto, não se esqueceu de levar a sua bíblia debaixo do braço. Até o Padrinho - Robert de Niro - do qual confessou admirar, o «ajudou» na etapa que aí vinha, dada a quota parte de importância que teve na missão de melhorar o seu inglês. Sentiam-se as primeiras pitadas do seu auge e White Hart Lane era agora a sua nova casa.
«Eu pensava: 'OK Keane, tu corres por toda parte, eu corro na minha cabeça e vai correr tudo bem!' Tínhamos uma química muito boa. Eu sabia onde ele estava antes de ter a bola, e era a mesma coisa ao contrário».
Se ainda não percebeu de quem se trata o outro interveniente, estamos a falar de Robbie Keane. Foi com Berbatov a seu lado que o impactante avançado irlandês conseguiu os seus melhores números na Premier League. Ninguém saiu ofuscado. A telepatia entre ambos deu frutos nas duas temporadas em que atuaram em simultâneo.
Foi nesta altura que uma das qualidades mais evidentes em Berbatov começou a revelar-se: a capacidade soberba para converter grandes penalidades. O próprio admitiu o quanto isso lhe pesou quando foi chamado à responsabilidade de empatar a final da Taça da Liga diante do rival blue. No entanto, a marca de 11 metros nunca representou uma pressão considerável, pelo menos é isso que os números de Berbatov dizem. A maneira sublime como o fazia, atrasando ligeiramente o seu movimento e atirando a bola para o lado contrário - como essa conversão frente a Petr Cech - pautavam um avançado com nervos de gelo.
Depois de duas temporadas em grande plano, a passagem de Berbatov pelo Tottenham chegou ao fim. O Manchester United de Sir Alex Ferguson era demasiado tentador para recusar, não tivesse o atacante búlgaro - anos mais tarde - admitido que jogar pelo Manchester United era um sonho. No entanto, como foi muito noticiado no verão de 2008, a tentativa de contratar o avançado que se havia notabilizado em Londres poderia ter sido conseguida pelo... Manchester City. Indubitável, Berbatov lidou com toda a situação apenas de uma maneira, e nem quis ouvir falar de dinheiro quando o seu agente lhe contou que os citizens pagariam melhor: «´F*****, vamos para o Man United. Eu quero ir para o Man United`», recordava Berbatov numa entrevista à FourFourTwo.
«Para mim, foi a decisão acertada ir para o United. Chegar ao topo da montanha era o meu sonho, especialmente quando vens da Europa Oriental, de uma cidade pequena, sem ninguém ter conseguido chegar aqui. Eu trabalhei muito duro ao longo da minha carreira, tive meus altos e baixos, e foi essa a minha recompensa, ir para um dos maiores clubes do mundo. Foi uma grande sensação».
Ao serviço do Manchester United, Berbatov entrou a todo o gás e, na primeira época, ao lado de Ronaldo, Rooney e Tevez, conquistou três troféus, inclusive a sua primeira Premier League. De todos os golos ou momentos marcantes, o que ficou na retina, e que ainda perdura nos dias de hoje, foi aquela assistência fenomenal para Cristiano Ronaldo. A chamada assistência pirueta honrou o rótulo de génio. O búlgaro surpreendeu toda a gente pela forma como encontrou espaço, executou brilhantemente e terminou com um passe milimétrico. Ronaldo só teve de encostar. Os holofotes iluminavam Berbatov naquela noite. Para além dos golos e da adaptação rápida no colosso de Manchester, a temporada de estreia ainda marcou o atacante de outra forma.
Contudo, as peripécias conturbadas pelas quais teve de passar a nível pessoal não davam tréguas. Em dezembro de 2009, depois de assistir ao nascimento de Dea, a sua primeira filha com Elena Berbatova (Elia nasceria em 2012), o jogador foi ameaçado por um gangue búlgaro. Alegadamente, teria de pagar uma avultada quantia de dinheiro para que nada acontecesse à sua família, chantagem que se alastrou até aos seus pais e que motivou a rápida retirada dos seus parentes da terra natal. O sucedido acabou por se resolver e, segundo os meios de comunicação britânicos, através de um acordo entre o jogador e os criminosos. Os dramas do passado pareciam assombrá-lo novamente. Seja como for, o melhor ainda estava para vir.
De volta aos relvados, Berbatov apresentava-se em grande forma em finais de 2010. No eterno duelo entre Manchester United e Liverpool, a turma de Sir Alex Ferguson saiu vencedora graças à prestação do búlgaro, depois de ter apontado um hat-trick. A nota artística desses três golos deixou os fervorosos adeptos red devils em delírio. O jejum de 64 anos sem um jogador apontar três golos nesse clássico foi saciado.
Os cabeceamentos fulminantes e o remate delicioso de costas para a baliza impressionaram nesse dia. A parada, contudo, manteve-se no topo, não fosse, dois meses depois, ter marcado cinco golos num só jogo, frente ao Blackburn Rovers. A temporada terminou com a versão de Berbatov mais produtiva em Old Trafford e a sagrar-se campeão inglês pela segunda vez. Entretanto, a ausência da final da Liga dos Campeões, por opção técnica do lendário treinador escocês, causou muita turbulência por Inglaterra, já que o avançado tinha acabado de se tornar o melhor marcador daquela edição da Premier League. O que é certo é que Berbagoal livrou-se de mais uma derrota, novamente frente ao Barcelona de Lionel Messi e companhia.
Depois de uma grande época, seguiu-se o declínio do avançado. A última temporada ao serviço dos de Manchester revelou-se complicada. Em termos coletivos, ficou aquém das expectativas e o búlgaro somou menos minutos de jogo. Além disso, era criticado, acusado de falta de mobilidade e de esforço dentro das quatro linhas. A decadência do seu estatuto era incontornável. O ciclo em Manchester terminava em 2012. Londres era novamente o próximo passo a dar.
Craven Cottage recebia Dimitar Berbatov e, por Londres, o avançado ainda manteve um nível decente, embora sem a expressão de outrora. Depois de ter admitido que se juntou ao emblema da capital devido à sua relação com Martin Jol, que o havia treinado no Tottenham, seguiu-se o Monaco na sua carreira.
As comparações com Stoichkov nasceram e consolidaram-se à medida que o miúdo de Blagoevgrad foi construindo o seu legado. Somou 78 internacionalizações e apontou 48 golos, os suficientes para se destacar como o melhor marcador de sempre. Estreou-se em 1999, esteve presente no Euro 2004, mas não passou da fase de grupos. Capitaneou a equipa entre 2006 e 2010, altura em que colocou um ponto final na carreira pela sua seleção, sem grandes feitos, conquistas ou momentos memoráveis.
Fora as comparações com um ídolo de outros tempos, Berbatov deixou a sua própria marca. Fez história pelo seu país, colocando o nome da Bulgária em conquistas pessoais. Foi o primeiro a fazê-lo, nomeadamente em Inglaterra, onde não se cansou de ser o primeiro búlgaro da história a fazer «isto» ou «aquilo». O amor ao seu país sempre foi algo perceptível. O búlgaro criou a sua própria fundação para ajudar os mais carenciados. Ao longo da sua estadia por Inglaterra, a par e passo, sucediam-se as ações bondosas, mas pelo seu povo.
Dentro dos estádios, nove títulos conquistados, dos quais um Campeonato do Mundo de Clubes ou duas Ligas Inglesas. Para além dos argumentos factuais, ainda a classe do seu futebol. Berbatov foi sem dúvida o búlgaro mais importante no Mundo do futebol durante o presente século, isto enquanto jogador.
Eternizado, eis Dimitar Berbatov, um futebolista com um significado imenso para aquele povo de Leste, um avançado com uma nota artística inconfundível para os apaixonados pela bola. A mente guiou-o, os pés fizeram o resto. A história de superação, genialidade e ambição de Berbagoal não será nada fácil de repetir.