Vi e li muitos elogios ao que o Vizela fez diante do Benfica e nada mais justo. Bruno Prata, no Record, foi particularmente certeiro na valorização do que produzem os homens de Álvaro Pacheco, o homem da boina. Escrevo produzem e não produziram, porque não foi só diante das águias que se percebeu a qualidade de jogo dos vizelenses, resultante de uma adição, feliz mas rara, de competência de treino com coragem no jogo. Vi-os antes também com Boavista, Gil Vicente ou Santa Clara e percebi a mesma ideia fundada em convicção, o mesmo rumo suportado em audácia.
Este Vizela desmente duas ideias gastas e muitas vezes falsas: a de que o futebol de iniciativa só é autorizado às melhores equipas e que apenas com jogadores de classe superior se pode pretender dominar ou sequer repartir um jogo. O Vizela não é obviamente um “grande” e quase todos os seus futebolistas são desconhecidos, alguns completaram mesmo um singular percurso no clube desde as divisões não profissionais. O desmentido está feito. Só que tem, além disso, algo que não vi sublinhado e que distingue essa equipa de muitas outras e este treinador de quase todos. No futebol português, além de uma lógica dominante que assenta em organização defensiva e contra-ataque, vive-se uma obsessão do aproveitamento do espaço, rapidamente e em força. À primeira nesga, identificada em análise prévia (em vídeo) ou percebida na hora, a ordem é para acelerar. Muitas vezes trata-se de investidas inglórias, de um homem só, condenadas ao fracasso e a perdas de bola sucessivas, que originam outros tantos ataques do adversário (sobretudo se mais fortes e apetrechados). É um ciclo vicioso: sofro para recuperar a bola mas entrego-a depressa e volto a sofrer para recuperar. Sendo elementar que nem sempre o caminho mais rápido é o melhor, confunde-se atacar depressa com atacar à pressa e demasiado depressa se passa de novo a defender. O Vizela faz diferente, ou tenta fazer, que é o mais relevante.
Claro que foi muitas vezes percetível diante do Benfica a vontade de chegar rapidamente ao meio campo contrário, ligando os primeiros passes com qualidade, mas tal não foi sinónimo (e espero não ver isto desmentido no futuro) de acelerar sempre até à área contrária. Porque não foi raro ver Schettine ou Nuno Moreira (excelente descoberta na equipa secundária do Sporting) travarem o passo para que mais gente se lhes juntasse e a bola circulasse, inverterem a marcha para encontrar um outro espaço além do óbvio, protegerem a posse em vez de avançar numa correria inviável. Foi também por isso que o Vizela repartiu o domínio e igualou (se não superou) em lances de finalização um adversário tão poderoso como o Benfica. Não faltou quem dissesse que se se tivesse fechado mais na parte final talvez pontuasse. Como se não tivesse estado pertíssimo de pontuar e com toda a justiça. Mas é outra fatalidade em Portugal, já que ninguém diz o mesmo quando as equipas se fecham mais e mais com o passar dos minutos diante de um grande e (regra geral) acabam por perder na mesma. Um treinador não escolhe ganhar mas escolhe jogar. E escolher jogar, jogar bem, é ter a certeza de que nunca perde mal, mesmo que amargue um resultado pontualmente. A boina já é icónica e vai sempre identificá-lo, mas o melhor que a cabeça de Álvaro Pacheco carrega são mesmo as ideias.