Nascia o futebol indústria do século XXI, onde mais importante do que vencer ou jogar bem, o objetivo último de um clube era o lucro, e o sucesso media-se em venda de camisolas, venda de lugares cativos no estádio ou nos cachets cobrados para disputar amigáveis e tours na Ásia.
No meio de um negócio multimilionário, estavam as estrelas. Raúl González, Roberto Carlos, Luís Figo, Ronaldo, Zinedine Zidane e David Beckham. Esta é a crónica desse grupo de craques que vestiu o mítico «manto blanco» que em tempos fora vestido por Di Stéfano, Puskas e companhia. Uma constelação futebolística que passou à história como «os Galácticos».
Os quatro de ##Liverpool sempre foram um paradigma de sucesso. A história conta que os quatro eram rapazes comuns, como tantos outros, que por mérito e génio, além de muito trabalho, conquistaram o mundo e a admiração global, eram recebidos por multidões em qualquer ponto do planeta em que chegassem, tornando-se em certa data - nas palavras de Lennon - mais conhecidos que o próprio Jesus Cristo.
Décadas mais tarde, Luís
Figo, convidado pela «
Four Four Two» a recordar o ano de 2003 e dez anos de «
Galácticos», afirmava que «éramos como os Beatles». Zinedine
Zidane, Roberto Carlos, Ronaldo e
Figo, seriam à sua maneira como John, Paul, George e Ringo.
Da esquerda para a direita: David Beckham, Luís Figo, Florentino Pérez, Zinedine Zidane e Ronaldo. «Os Galácticos» no seu auge, após a chegada do mediático jogador inglês em 2003.
Acima de tudo, os quatro rapazes que se juntaram no Bernabéu, inauguraram uma nova era no futebol mundial. Pela primeira vez um clube - pela mão de um presidente visionário e com dinheiro para sustentar essa visão - juntava os principais craques do mundo no mesmo plantel, como se de uma coleção se tratasse. Num ápice, o sonho de milhões de jogadores de jogos de simulação de treinadores em todo o mundo tornava-se realidade, e era possível reunir num plantel uma constelação de estrelas.
Roberto Carlos fora o primeiro a chegar, bem antes do Presidente Florentino Pérez e quando chegou ao Bernabéu, encontrou um Real bem diferente, grande - como o Real só sabe ser - mas longe dos sucessos da sua era dourada dos anos cinquenta, ou do período pujante da «Quinta del Buitre».
Logo após a chegada, ajudou os
merengues a reconquistar a Liga no fim da sua primeira época, depois ajudou o clube a matar o «borrego» e a conquistar a
Champions 32 anos volvidos da última vitória. Em 2000, o Real conquistou a sua oitava, mas mais uma
Champions parecia não bastar para a «
Casa Blanca».
Figo, ou o fim do romantismo
Todavia, no
Paseo de la Castellana queria-se mais, muito mais. Florentino Pérez avançou para a liderança e levou como trunfo Luís
Figo. Depois de ter saído do
Sporting, o extremo português tornara-se no simbolo e capitão do
Barcelona. Pérez contratava aquele que muitos consideravam o melhor do mundo, e cereja no topo do bolo, «roubava-o» ao velho rival.
Em ##Barcelona rebentava a bomba, os catalães não queriam crer que nos seus olhos viam, quando compraram o jornal nessa fatídica manhã. A 25 de Julho,
Figo era apresentado em apoteose em
Madrid e Florentino Pérez anunciava que dez mil milhões de pesetas tinham sido depositadas na conta do clube catalão, pagando a cláusula de rescisão, confirmando assim a mais cara transferência de sempre no futebol mundial, até à data..
Os
culés, magoados com a deserção do português, juraravam-lhe ódio eterno. «
Pesetero!» terá sido o mais simpático dos epítetos com que Luís
Figo teve de conviver durante esses dias. A sua mudança para o eterno rival, a troco de dinheiro, de muito dinheiro, quando já recebia muito dinheiro, não só escandalizou os barcelonistas, como chocou os adeptos mais puristas do desporto rei. Por todo o mundo, em
Portugal inclusive, a opção do ex-sportinguista dividiu opiniões, com o apontar de dedo ao capitão da seleção das quinas pela sua falta de amor à camisola.
Com a contratação do «sete» lusitano, o mundo acordava para uma nova realidade, que os editoriais pela Europa fora, cunharam como o pós-romantismo no futebol. Morria um futebol de paixão ao emblema e ao seu clube, nascia o futebol do novo milénio.
A capa da Marca que confirmava o sim de Figo a Pérez. O Real Madrid roubava a «jóia da coroa» do rival e abria uma nova era no futebol mundial, com a mais cara transferência de sempre até à data.
Figo, tal como Roberto Carlos antes dele, chegou, viu e venceu, tornando-se campeão espanhol logo na época do
début com a mítica camisola branca, ganhando também o prémio de melhor jogador do Mundo atribuído pela FIFA, prémio que sempre lhe fugira no
Barcelona, onde contudo vencera o prestigiado
Balon D´Or da
France Football.
Ainda os adeptos
merengues festejavam a vitória, e já Florentino Pérez lhes dava mais um motivo para festejar, contratando o melhor jogador do Mundo, e da sua geração: o francês Zinedine
Zidane, estrela da
Juventus, campeão do Mundo e da Europa com a França. A troco de 75 milhões de euros, o
Real Madrid contratava o campeão dos campeões e batia novo recorde de transferência mundial.
Florentino Pérez defendia a sua política, cunhando o seu plano como «Zidanes y Pavones», os ##Zidanes eram as estrelas de classe mundial que atraía para o seu projeto, os Pavones, eram os miúdos da cantera, de onde se destacava Francisco Pavón, um símbolo formado no madridismo, que seria fundamental para entregar combatividade e madridismo juntamente com outras referências formadas no clube como Raúl González Blanco ou Iker Casillas.
Pérez apostava forte nesse caminho duplo para o sucesso, projetando a construção da
Ciudad ##Real Madrid, em Valdebebas, arredores da capital espanhola, onde iria nascer «
La Fábrica», que iria produzir os «Pavones» e ser centro de treino para os «Zidanes».
Team Zizou
O marselhês não quis ficar atrás dos seus colegas, replicando a máxima de Júlio César mais uma vez, liderando o Real à conquista da "nona", em Glasgow contra o Bayer Leverkursen. Os «blancos» venciam, mas não só.
Figo, ainda na mesma entrevista a «
Four Four Two» lembra que jogar naquela equipa, era mais que vencer, era um prazer. Apesar de ser uma constelação de estrelas, os egos dos jogadores cediam o seu protagonismo ao Real, o grande
Real Madrid, por quem lutavam e conquistavam as vitórias.
Zidane,
Figo e Roberto Carlos festejaram juntos e depois partiram para as respetivas seleções, para disputarem o mundial da Coreia e do Japão. O francês e o português desiludiram, ficando pela primeira fase. Ambos lesionados - o francês falhou inclusivamente os dois primeiros jogos - e em má forma, passaram ao lado da competição, onde Roberto Carlos festejou a conquista do penta, ao lado de Ronaldo, o «fenómeno», melhor marcador da prova com oito golos, dois deles apontados na final de Yokohama.
Ronaldo brilhara em
Barcelona - ao lado de
Figo - antes de se mudar para Itália, onde fora perseguido pelas lesões. O seu regresso em grande, no palco do mundial, fez com que Florentino Pérez sonhasse com mais uma estrela para a constelação. E se Florentino sonha, a contratação acontece. Ronaldo assinava pelo Real e juntava-se a Roberto Carlos,
Figo e Zizou, para formar uma versão moderna, à moda do futebol, dos quatro mosqueteiros de Alexandre Dumas, ou dos Beatles, como
Figo gosta de lembrar.
O último título
O céu brilhava em
Madrid como em mais nenhuma latitude futebolística. Os «
Galácticos» vendiam camisolas, enchiam estádios, apareciam em programas de televisão, vendiam capas de jornais, até vendiam discos e filmes. Hong Kong, Tóquio, Macau, Seoul, Xangai, Kuala Lumpur, Los Angeles, Nova Iorque, Sydney, os
merengues viajavam por todo o mundo, jogando futebol, mas também vendendo a sua imagem e alimentando o circo mediático que os rodeava.
No meio do «furacão», Roberto Carlos lembra que os craques eram «como crianças divertindo-se em campo», jogando por amor ao jogo e cultivando uma amizade que ainda hoje perdura. A «
Four Four Two» fez uma capa com uma foto dos quatro campeões de 2003: Ronaldo,
Figo,
Zidane e Roberto Carlos. Felizes, «olhe para aqueles sorrisos» recorda figo, dez anos passados.
Duas capas da «Four Four Two»: 2003 e 2013. O fenómeno dos «Galácticos», dez anos volvidos.
«Era um prazer jogar com aqueles jogadores», acrescenta por sua vez
Zizou. O Real deslumbrava no campo, encantava a
afición do Bernabéu, ganhando adeptos por todo o mundo. Mas a verdade é que aquele núcleo de quatro jogadores, além de jogar muito e bem, cimentava uma grande amizade que ainda hoje perdura, mesmo depois de já todos terem «pendurado as botas».
Florentino Pérez queria mais, pois ganhar não bastava. Vicente Del Bosque, o vencedor de duas Ligas e duas
Champions, não tinha o perfil mediático que Pérez procurava e precisava dar lugar a um novo treinador. Um dia depois do 29º título conquistado pelo
Real Madrid, o treinador salamanquino recebeu a informação de que o clube não iria renovar o contrato e que iria escolher um novo treinador para orientar os «
Galácticos».
O escolhido seria Carlos Queiroz, adjunto de
Ferguson no
Manchester United, que fracassou em toda a linha no clube
merengue. Apesar de ter ganho a supertaça no começo da época, foi acumulando maus resultados, sendo eliminado nos quartos da Liga dos Campeões pelo Monaco, batido na final da Taça do Rei pelo Zaragoza e terminou o campeonato em quarto, depois de perder os últimos cinco jogos da época, o que constitui um recorde negativo na história do Real.
Beckham: o superstar
Insatisfeito com os resultados e querendo despertar a
afición, uma semana depois de ter contratado Queiroz, Florentino abriu uma vez mais os cordões à bolsa e foi buscar a mais galácticas de todas as estrelas, que até então não jogava em
Madrid: David
Beckham. O inglês, extremo direito do
Manchester United, chegava para a mesma posição que Luís
Figo, o que abriu um problema ao técnico português.
Queiroz tinha que puxar
Figo para esquerda se queria usar
Beckham. Se porventura gostava de usar
Figo na sua posição natural, tinha de recuar
Beckham para médio interior. A verdade é que os craques do
Real Madrid tinham lugar cativo no «onze». Na imprensa espanhola, várias eram as vozes que acusavam Florentino de obrigar Queiroz a usar sempre as estrelas, mesmo estando em má forma e longe de merecerem a titularidade.
O
Real Madrid não convencia e a segunda linha por trás dos «
Galácticos» começava a contestar a liderança do português. Fernando Hierro, Fernando Morientes, Steve McManaman e Claude Makélélé foram alguns dos contestatários, que afrontaram Pérez durante o processo de rescisão e se mantiveram fiéis a Del Bosque. Mais tarde, o inglês falaria da «Disneyficação do
Real Madrid» que conduziu a um período falhado dos «blancos».
Enquanto
Beckham, a estrela e modelo, vendia milhões de camisolas, ao mesmo tempo, o
Barcelona contratava Ronaldinho Gaúcho, que era considerado «muito feio» para jogar em
Madrid. Enquanto o Real se preparava para tornar o seu negócio ainda mais global e mediático, o rival preparava-se para conquistar a
Espanha e a Europa dentro das quatro linhas...
A superioridade blaugrana foi de tal monta, que os adeptos merengues aplaudiram Ronaldinho e companhia depois do terceiro golo, prestando uma tremenda ovação em pé aos vencedores no final da partida. Se dúvidas houvesse, os madridistas tinham referendado negativamente a política dos «Zidanes y Pavones».