Portugal já estava qualificado para os quartos de final. Naquele grupo da morte do Euro 2000, a então Geração de Ouro do futebol português, numa seleção com muito poucos hábitos de fases finais, tinha ganho a Inglaterra e Roménia nas duas primeiras jornadas, o que, pela conjugação de resultados, garantira o primeiro lugar, o que permitia a Humberto Coelho fazer descansar quase toda a equipa diante da Alemanha, então campeã europeia em título. Sérgio Conceição, que entrara nos dois jogos anteriores, foi um dos titulares e escreveu a sua página mais bonita: um hattrick à Alemanha e a Oliver Kahn (3x0) que o levaram, com as madeixas loiras que apresentou naquele verão, para um nível superior da história do futebol português. Posteriormente, a carreira de treinador dar-lhe-ia outra visibilidade e notoriedade, mas, em campo, foi aquele jogo na Banheira de Roterdão que mais o marcou.
Ainda assim, houve muito mais. Não apenas nesse Euro, onde ganhou a titularidade ao jogar a defesa direito contra a Turquia e depois a médio direito contra a França, jogo onde, com insistência, assistiu para o golo de Nuno Gomes, como também numa carreira que tem muito de FC Porto e Itália, mas também destinos exóticos e menos prováveis. Em todos eles, qual eterno insatisfeito, Sérgio Conceição deixou marca. Um jogador em que o sangue fervia em campo e que não alinhava no politicamente correto.
Ribeira de Frades e uma família de oito irmãos. Foi este o cenário de Sérgio Conceição nos primeiros anos de vida. Não havia dinheiro e foram algumas as dificuldades, no seio de uma família humilde e onde a dedicação era o prato principal. O pai e a mãe foram os seus eternos ídolos, disse-o sempre nas entrevistas, só que não puderam ver o futebolista em que Sérgio se tornou.
Sérgio desesperou, pensou desistir de tudo, mas não o fez. Agarrado à paixão pelo futebol e a Liliana, a paixão de adolescência que conheceu com 14 anos e com quem casou aos 20 (tiveram cinco filhos, todos rapazes e com tendência para o futebol), o extremo terminou a formação nos portistas e passou depois por três empréstimos: no Penafiel, ajudou à manutenção na Divisão de Honra; no Leça, foi importante na subida à Primeira Divisão; em Felgueiras, trabalhou com Jorge Jesus e familiarizou-se com o escalão maior do futebol português, enquanto ia sendo presença nas várias seleções. Aliás, em 1996, jogou o Europeu de sub-21 ao lado de Dani e Nuno Gomes e depois estaria no primeiro lote para os Jogos Olímpicos de Atlanta - seria preterido no fim por Nelo Vingada, o que o próprio considerou uma desilusão, embora assim tenha ganho direito à pré-época portista.
A sua formação estava concluída e o futebol ao mais alto nível pedia Sérgio. Tal como pediu António Oliveira, que deixara a seleção para assumir o lugar de Bobby Robson num FC Porto bicampeão. O objetivo era mais e a equipa assim o sugeria. Artur veio do Boavista, Fernando Mendes do Belenenses, Zahovic do Vitória SC, Sérgio do Felgueiras. A estes juntava-se Mário Jardel, prometedor goleador vindo do Brasil. Não foi preciso muito tempo para se perceber a força desta equipa: épica vitória por 2x3 em San Siro, contra o Milan, no meio da Supertaça ganha ao Benfica a duas mãos com impressionante 0x5 na Luz.
Sérgio pegou de estaca. Tanto a extremo como a lateral, quando Oliveira chamava três centrais e lhe dava o corredor direito, Conceição encontrou rapidamente o seu espaço e não tardou a mostrar-se como um dos principais jogadores da equipa, mesmo quando ainda havia a concorrência do mítico João Pinto - seria essa a sua última época da carreira. Rapidamente Artur Jorge lhe abriu as portas da seleção, numa ascensão meteórica, culminada nessa estreia, em novembro contra a Ucrânia (1x0), precisamente nas suas Antas, o «mítico» palco que considerou, no fim da carreira, o mais marcante onde jogou. Passou a fazer parte do lote habitual e esteve na fase de qualificação para o Mundial de França, onde Portugal não conseguiu chegar muito por causa da polémica expulsão de Rui Costa em Berlim, quando viu o segundo amarelo por, teoricamente, ter retardado uma substituição. À sua espera, na linha lateral, estava Sérgio, que depois entraria para o lugar de João Vieira Pinto, num jogo que terminaria empatado (1x1).
Com mais jogos e muitos mais golos, Sérgio era cada vez menos uma novidade e cada vez mais uma afirmação - e até podia ter saído a meio, mas recusou a proposta do Deportivo. Novamente campeão, aí já lhe juntou a Taça e mostrou disponibilidade para o passo seguinte: Itália, pois claro, na altura provavelmente o melhor campeonato do mundo.
Para começar, vitória na Supertaça em Turim, numa altura em que a prova se disputava num jogo apenas e em casa do campeão nacional. Ora, no terreno da Juventus, Nedved deu vantagem, Del Piero empatou aos 87 e eis que... Sérgio Conceição negou o prolongamento, ao marcar aos 90'+4. Haveria melhor forma de começar? 1x2 no «jogo mais importante da carreira» (classificou o próprio mais tarde) e um impacto imediato que faria do português um dos preferidos dos tiffosi. Habitual titular naquela época, foi peça importante, com golos ao Inter nos dois jogos do campeonato e várias assistências. Sempre pela direita, quando a equipa precisava que o jogo acelerasse, colocava a responsabilidade em Conceição, que a assumia sem problemas. A duas jornadas do fim, os laziale lideravam a Serie A, só que um empate em Florença permitiu ao Milan a ultrapassagem na reta final da prova. Escapou o campeonato por um mísero ponto, mas apareceria a conquista da Taça das Taças, na sua última edição. Contra o Mallorca, em Birmingham, causou estranheza o facto de Sérgio ter sido suplente, mas foi já com ele em campo - foi o primeiro a entrar - que a vitória apareceu (2x1).
Em 2000, Sérgio Conceição era dos mais cotados jogadores portugueses, mas a abundância de talentos da Geração de Ouro fez com que entrasse no Europeu como suplente. Só que a sua versão abnegada e lutadora, aliada à qualidade técnica, fez com que passasse a titular nos jogos a decidir.
No Parma, com Buffon, Cannavaro, Thuram, Milosevic e Amoroso, os argumentos, ainda assim, não eram tantos para uma possível luta pelo título. Uma época onde conseguiu o tal objetivo de ser indiscutível, mesmo com quatro treinadores, mas onde não conseguiu ganhar: ficou perto, só que perdeu a final da Taça para a Fiorentina (0x1).
A desilusão poderia ser apagada no Mundial da Coreia e do Japão, só que também aí Sérgio foi infeliz. Com António Oliveira, que o conhecia dos tempos do FC Porto, foi sempre titular, mas não conseguiu impedir o desastre da eliminação na fase de grupos. Ainda assim, nesse verão não trocou, pois Héctor Cúper queria contar com ele novamente no Giuseppe Meazza.
Outra vez no Inter, agora com Batistuta, Crespo e Almeyda (sempre os argentinos) e Cannavaro, mais vezes titular e a entender-se bem com Javier Zanetti, Sérgio voltou a ficar em segundo no campeonato e falhou a hipótese de ser campeão também aí. Mais longe foi na Liga dos Campeões, só que os nerazzurri seriam eliminados pelo grande rival Milan nas meias-finais... com dois empates.
Rescindiu nesse verão de 2003 e esteve perto de reforçar o Sporting, mas Itália continuaria a ser a sua casa por mais seis meses. Ao convite da Lazio, não conseguiu resistir - a empatia que sempre teve com os adeptos pesou na decisão. Roberto Mancini, com quem nunca teve uma relação muito calorosa, tinha passado do campo para o banco e foi o seu treinador. Colocou-o muitas vezes na Liga dos Campeões, poucas no campeonato, e Sérgio não esperou muito: em janeiro, novo convite de regresso, então para o FC Porto, e retorno a Portugal para jogar na equipa de Mourinho.
Nessa altura, já há algum tempo não era chamado à seleção. Scolari chamou-o sempre no seu primeiro ano, só que, em setembro de 2003, o particular contra a Espanha foi o último de Sérgio (0x3), que nunca mais foi opção para o brasileiro. A situação nunca teve uma cabal explicação por parte do selecionador, que na altura também tinha abdicado de Vítor Baía e João Vieira Pinto, mas deixou claro desagrado no extremo.
«Só me revolta considerarem-me indisciplinado por querer jogar sempre e por querer ganhar sempre. Isso parece-me ser uma virtude. Se calhar, é mais fácil gerir jogadores que não são assim. Fiz parte das primeiras dez convocatórias de Scolari, cheguei a ser capitão de equipa e tenho este carácter desde que me conheço», disse ao Diário de Notícias, em 2007.
Em 2004, altura em que em Taveiro já havia um estádio com o seu nome (quem, no ativo, se podia orgulhar disso?), a meio de uma campanha que seria de sonho para o FC Porto, o seu regresso acabou por ser um complemento a uma equipa já formada e na qual só podia jogar internamente - na altura, por já ter jogado na Champios pela Lazio, não pôde ser instrito pelos portistas. Por isso, assistiu de fora à conquista de Gelsenkirchen e também de fora esteve a ver a final da Taça, perdida para o Benfica. Foi jogando no campeonato e voltou a ser campeão, só que, tal como em Roma, também não se sentiu tão útil como achava que podia ser.
«Mourinho disse-me, no final da última época em que estive no FC Porto, que eu era um jogador da casa e que, por isso, iria propor a minha continuidade no clube. Mas no relatório que elaborou, defendeu a minha dispensa. Fiz toda a minha vida sem padrinhos, com esforço pessoal, nunca fui amigo de treinadores nem de presidentes, os meus grandes amigos não estão no futebol. (...) Nunca pedi favores nem nunca prejudicaria o FC Porto. Devo ao clube muito em termos profissionais e pessoais. Nunca aceitaria ser um peso mas esperava que me fosse dada a oportunidade de provar se estava realmente bem. Esperava que me deixassem jogar a pré-época e que só depois, sem favores, tomassem, então, uma decisão».
Triste, e após ver o Euro 2004 pela televisão (não será difícil imaginar que era nos 23 que imaginava estar) voltou a emigrar e escolheu a Bélgica para provar que não estava acabado. E não estava mesmo! Logo a abrir, foi eleito o melhor jogador do campeonato, na primeira de três épocas ao serviço do Standard Liège. Na segunda, continuou indiscutível, já com Jorge Costa ao seu lado. Na terceira, já com vários problemas físicos, manteve-se titular sempre que em boas condições, numa equipa treinada por Preud'Homme e com contingente português reforçado: Areias, Rogério Matias, Sá Pinto e Nuno André Coelho.
«Esqueceu-se de que estava a falar de um jogador que vestiu a camisola da selecção nacional desde miúdo e de um atleta que nunca deixou de se arrepiar com o hino português. Ficava bem a Gilberto Madaíl mostrar um pouco mais de respeito pelos jogadores de Portugal. Devia ter ficado calado porque se todos nós começássemos a falar... Eu poderia dizer muitas coisas que, muito provavelmente, o envergonhariam. A começar pelo salário dele. Ganha muito e é um presidente da Federação que não faz quase nada. Ele devia preocupar-se com o e stado do futebol português. E a nível da selecção A podia dizer muitas coisas, até ao nível da disciplina», apontou, na tal entrevista ao DN.
Sérgio sempre foi assim, sem rodeios, direto e despreocupado com etiquetas. Com isso, pode ter colecionado vários inimigos, mas nada que lhe tirasse pretendentes na carreira. Depois de adorado no Porto, em Roma e em Liège, e após meio ano no Koweit, seguiu para Salónica, onde herdou a 7 do mítico Zagorakis, que passara de jogador a presidente e que tinha ido buscar Fernando Santos.
Foi aí que, ao terceiro ano, após fazer 35, e já com vários problemas físicos, decidiu terminar a carreira e aceitar o desafio para ser diretor desportivo do clube grego.