Se pelo Mundo fora se celebram os goleadores e artistas como os craques maiores do desporto rei, em Itália sempre houve igualdade, pelo menos, na apreciação das várias vertentes que constroem um futebolista. Afinal, foi de lá que saíram alguns dos melhores defesas da história da modalidade.
Sempre duros, mas também, de certa forma, justos. Bravura selvagem, equilibrada pela classe e engenho do histórico catenaccio. Os defesas estão intrinsecamente ligados ao fio condutor do futebol deste país, como artífices da arte de proteger as redes, com reverência esse selo de qualidade transalpino.
Georgio Chiellini não foi, de forma alguma, o primeiro desta longa linhagem. Também não será o último.
Bem antes de se assumir como um dos grandes defesas centrais do planeta, tão respeitado por colegas e temido por adversários devido à notável força e agressividade que lhe valeu até a alcunha de King Kong, Chiellini era um promissor lateral de um clube que estava longe de figurar entre os melhores do país.
A história começa no Livorno, clube da cidade onde Giorgio cresceu, depois de ter nascido em Pisa por ser a cidade onde o seu pai, médico, trabalhava. Aos 12 anos conseguiu um lugar na academia do maior da cidade e lá permaneceu durante vários anos, até ter a sua primeira oportunidade como sénior.
Tinha apenas 16 anos quando foi chamado à equipa principal do Livorno, então treinado por Osvaldo Jaconi, e se estreou como sénior na Serie C1 - o terceiro escalão do futebol italiano. Fez quatro jogos nessa época inaugural, 2000/01, e 12 na seguinte, que valeu o apuramento à Serie B.
Já com Roberto Donadoni ao leme, o jovem defesa perdeu alguma preponderância na equipa, na hora do salto para o segundo escalão. Fez apenas sete jogos em 2002/03, mas foi imediatamente nesse verão que ganhou preponderância nacional, ao sagrar-se campeão da europa pela primeira vez!
Regressou a Livorno com uma aura renovada e assumiu a titularidade indiscutível do seu clube, onde ainda fez história. Com quatro golos em 42 jogos, Chiellini foi figura maior de uma equipa que terminou em terceiro na Serie B e conseguiu a promoção à elite do futebol em Itália!
Não chegou a vestir a camisola gli amaranto na Serie A, mas esteve, ainda assim, nessa competição, uma vez que foi vendido à Fiorentina por 6,5 milhões de euros. Passou uma só época em Florença, terminando em 16º. Foi, no entanto, um dos pontos positivos da época viola, ainda entre lateral e médio, tanto que conseguiu a grande transferência da sua carreira...
7,7 milhões de euros foram suficiente para levar Chiellini, então com apenas 20 anos de idade, para a Juventus. Foi em Turim que se tornou defesa central e, acima de tudo, um ícone do futebol italiano.
Nunca seria fácil ganhar o lugar numa equipa como essa, treinada por Fabio Capello e recheada de estrelas, mas a tarefa ficou ainda mais difícil na pré-temporada, quando, num particular em Lisboa, Chiellini partiu o nariz pela primeira vez (aconteceria mais duas vezes na carreira). Por causa disso, só se estreou em outubro e acabou a temporada com apenas 23 partidas.
Seguiu-se um verão de muitos acontecimentos... Enquanto a Itália se sagrava campeã do Mundo (sem o miúdo de Livorno), rebentava o calciocaos, que não só riscou o scudetto conquistado como empurrou a Juventus para o segundo escalão!
Chiellini hoje faz parte das listas de craques que mostraram lealdade e acompanharam a vecchia signora à Serie B, mas na altura não representava o mesmo que nomes como Buffon, Del Piero, Nedved, Trezeguet ou Camoranesi. Era ainda um jovem em busca de uma oportunidade que, em parte por causa desse escândalo de resultados combinados, chegou.
No regresso à Serie A regressou também a lateral esquerdo, mas por causa da lesão do português Jorge Andrade foi outra vez movido para o centro. Aí, de forma permanente. Votou a encerrar a época com um improvável bis (5-2 à Lazio), numa partida em que a Juve garantiu um lugar de acesso à Liga dos Campeões.
Manteve a titularidade numa equipa que continuava a crescer, tendo conseguido, depois do terceiro lugar de 2008, dar mais um passo e terminar em segundo na Serie A, atrás do Inter de Mourinho. Já era uma certeza, internacional italiano, mas o melhor estava por vir...
Na temporada seguinte, 2011/12, a glória chega por fim. Sob o comando de Antonio Conte, a Juventus caminha para uma campanha invicta na Serie A e sagra-se campeã de Itália!
Esse foi o primeiro scudetto (válido) da carreira de Chiellini, mas essa honra acabaria por tornar-se uma certa banalidade para o King Kong e para os colegas com quem partilhou o balneário durante os anos seguintes. Depois de começarem a vencer, nunca mais pararam...
2013? Bicampeões. 2014? Tricampeões. 2015? Tetracampeões. 2016? Pentacampeões. 2017? Hexacampeões. 2018? Heptacampeões. 2019? Octacampeões. 2020? Eneacampeões de Itália! Não chegou ao décimo título consecutivo, mas a Juventus era dona e signora em Itália e a sua defesa era considerado de forma quase unânime a melhor do Mundo.
Faltou apenas a glória europeia, claro. Perdidas finais da Liga dos Campeões em 2015 e 2017, além de constantes caminhadas pelas rondas a eliminar, mas nunca esse tão ambicionado título continental.
Em 2022, a caminhada chegou ao fim. Chiellini, já com 37 anos, despediu-se do clube que representava desde os 20. Com 561 partidas oficiais de bianconero, saiu como o terceiro jogador mais utilizado na história da Juventus.
A carreira de Chiellini teve alguns dos seus melhores momentos na esfera internacional, ao serviço de Itália. Estreou-se pela seleção principal em 2004, ainda antes de chegar à Juventus, mas por lá se manteve durante largos anos, terminando essa história com o erguer de um troféu, ao fim de mais de uma centena de jogos.
Lamentou os falhanços italianos na qualificação para dois Mundiais consecutivos, em 2018 e 2022, mas foi parte integral da equipa antes e depois desses momentos baixos. Titular no Euro 2008, que terminou nos quartos frente ao eventual vencedor (Espanha). Manteve o lugar no Mundial de 2010 e no Euro 2012, que voltou a terminar frente à seleção espanhola, mas dessa vez na grande final. Foi também nesse ano que usou a braçadeira de capitão pela primeira vez.
O azar nos grandes torneios continuou no Euro 2016, conquistado por Portugal. A squadra azzurra tombou nos quartos de final frente à campeã do mundo, Alemanha, e uma vez que falhou dois Mundiais em sucessão, só houve mais uma grande prova na carreira internacional de Chiellini. Seria essa a última chance de glória... e foi agarrada!
Chiellini até já tinha encerrado a sua carreira internacional em 2018, mas regressou a tempo de ser incluído na convocatória do Euro 2020, disputado em 2021 devido ao impacto da pandemia vivida nessa altura. No jogo inaugural, uma vitória por 3-0 sobre a Turquia, tornou-se no jogador mais velho a representar Itália num Europeu e mais tarde, no último jogo, teve a honra de levantar o grande troféu como capitão.
A grande final foi frente a Inglaterra, que jogava em casa e abriu o marcador nos primeiros minutos do jogo, mas isso não impediu a seleção italiana de empatar e ainda ir vencer o jogo nos penáltis. Chiellini protagonizou um dos momentos mais memoráveis do jogo, ao agarrar um adversário - Saka - quando este se preparava para embalar num lance que poderia ter dado o 2-1 aos ingleses nos instantes finais...
Levantou o troféu e esteve perto de levantar um segundo, naquele que viria a ser o seu último jogo pela seleção. A Finalíssima, contra a Argentina. Depois disso, deixou o futebol internacional e despediu-se do futebol de clubes com um último rodeo, sainda pela primeira vez de Itália para jogar nos Estados Unidos, ao serviço do Los Angeles FC. Aí, onde esteve durante um ano e meio, despediu-se com derrota na final da MLS, no ano posterior a ter vencido a prova.
Para história fica a carreira de Giorgio Chiellini, que protagonizou várias equipas e momentos importantes, sendo reconhecido por colegas e adeptos como uma pessoa de notável inteligência e acima de tudo como um dos melhores defesas da história do futebol.