Leônidas da Silva foi - depois de Arthur Friedenreich - a primeira grande estrela do futebol brasileiro. Adorado pela «torcida» do seu clube, reverenciado pelos rivais, marcou uma era no futebol «canarinho», tornando-se a primeira estrela global Made in Brasil, encantando a América do Sul primeiro, e a Europa depois, durante o mundial de 1938, onde deu a conhecer ao «velho continente», o famoso «pontapé de bicicleta».
Franzino, alto, esguio, «O Homem-Borracha» era um jogador inesquecível. Por norma os seus golos eram tão belos que até o guarda-redes que acabara de bater se levantava para o cumprimentar pelo feito.
Um dia, lembrando a compleição física do «Diamante Negro», o jornalistas uruguaio Eduardo Galeano escreveu que Leônidas «Tinha o tamanho, a velocidade e a malícia de um mosquito».
Ainda escrevendo sobre o craque carioca, Galeano lembra que «No Mundial de 38, um jornalista francês da revista «Match» contou-lhe seis pernas, e foi da opinião que ter tantas pernas era coisa de magia negra». Magia negra por certo não seria, mas que Leônidas não era um jogador deste mundo, parece não haver grandes duvidas...
A bicicleta
A origem do «pontapé de bicicleta» é um dos mais discutidos momentos da história do futebol. Leônidas reclamou para si a invenção do movimento técnico, mas parece ser consensual que em terras brasileiras, seria Petronilho de Brito o autor da jogada, cabendo a Leônidas a arte de aperfeiçoa-la e divulga-la pelo Brasil primeiro, depois pelo resto da América e pela Europa.
Em 1938, chegou a apontar um «golo de bicicleta» no mundial, mas o árbitro, confuso com uma jogada que nunca vira, anulou o golo, considerando que era falta. O mundo e a velha Europa ainda não estavam preparados para a inovação criativa do «mago brasileiro».
No São Paulo, onde jogou na última fase da carreira, apontou diversos golos com o mítico pontapé, conquistando tal fama que ganhou um lugar na história do clube e uma famosa estátua, uma réplica do famoso «pontapé de bicicleta» que imortalizou, que pode ser encontrada no museu do clube.
Desde de tenra idade se apaixonou pelo jogo que jogava com os amigos na Praia Formosa, perto da Ponte dos Marinheiros, para desespero da Dona Maria, que acreditava que seriam os estudos e não o «pontapé na bola» que dariam um futuro ao rapaz. Sem forma de poder dar aos filhos tudo o que desejaria, acabou por entregar Leônidas e a sua irmã mais velha, Aristotelina, àqueles que seriam os seus «pais de criação».
Estudando na Escola Epitácio de Sousa, não se destacava nas letras nem nas matemáticas, mas brilhava na edução física. Aos 13 anos começou a joar no São Cristóvão, e sem surpresa pegou de estaca na equipa e começou a dar nas vistas.
Depois de começar no São Cristovão, passou pelo Sírio Libanês - que teve de abandonar quando o clube deixou a prática do futebol - e o Bonsucesso - onde além de futebol também jogava basquetebol - , os três primeiros degraus na carreira, antes de despertar o interesse do Peñarol e rumar a Montevideu, onde jogou uma época (1933) ao serviço do clube da capital uruguaia.
Um ano depois, jogou o seu primeiro mundial com a seleção brasileira, chegando a Itália, onde uma derrota por 1x3 logo no primeiro jogo com a Espanha, deitou por terra o sonho de um país. Para Leônidas o fraco consolo de marcar o único golo brasileiro na competição. Quatro anos depois voltaria à Europa, para jogar o mundial de 1938 em França e poder deixar o seu nome na história do mais importante torneio do Mundo.
A questão da pele e o futebol
O futebol fizera um longo caminho desde o dia em que Charles Miller desembarcara no porto de ##Santos carregando na bagagem, duas bolas usadas de futebol, uma bomba para encher as bolas, um par de chuteiras, alguns equipamentos usados e um livro com as regras do jogo que aprendera a jogar em Inglaterra.
Nove anos depois das exibições de Leônidas no mundial francês, Gilberto Freyre prefaciava «O Negro no Futebol Brasileiro», da autoria do jornalista Mário Rodrigues Filho, onde pela primeira vez se situava a história do futebol no Brasil dentro da história da própria sociedade brasileira, já marcadamente urbana e com uma capacidade ímpar de atrair e tornar suas, as importações que chegavam dos mais variados pontos do mundo.
Não era à toa, segundo Freyre, que o futebol brasileiro sublimava tantos elementos da cultura nacional, desde o samba à capoeiragem, assim como «a molecagem baiana» e a «malandragem carioca» e até em certo ponto o cangaceirismo que ainda grassava no Sertão e no Nordeste.
Para Freyre, «com esses resíduos é que o futebol brasileiro afastou-se do bem ordenado original britânico para tornar-se a dança cheia de surpresas irracionais e de variações dionisíacas que é. A dança dançada baianamente por um Leônidas; e por um Domingos, com uma impassibilidade que talvez acuse sugestões ou influências ameríndias sobre sua personalidade ou sua formação. Mas, de qualquer modo, dança».
Numa sociedade racista, ainda segregacionista, herdeira do esclavagismo, o sangue africano de Leônidas era alvo de preconceito. A cor da sua pele nunca foi esquecida. Jogou no Vasco, o primeiro clube brasileiro a aceitar negros desde a «Resposta Histórica», abrindo as portas de outros clubes como o Flamengo e o Botafogo, onde seria campeão carioca, como já fora no Vasco da Gama.
Seria um dos primeiros jogadores de cor a vestir a camisola do Flamengo, que até então, fazendo jus à sua fama de elitista, só aceitava jogadores brancos, ajudando com os seus golos a quebrar o preconceito e a abrir o caminho para as futuras estrelas não brancas do futuro, como Garrincha, Carlos Alberto ou Pelé.
Receção apoteótica em São Paulo
Jogou na Gávea, no Leblon até ao fim de 1941, com um registo histórico de 153 golos em 149 partidas. Seis épocas em que conquistou quatro títulos até que aceitou o convite para se mudar para o São Paulo. A sua mudança para Sampa tornou-se num verdadeiro fenómeno de popularidade. Enquanto o Mundo se destruía na escuridão da Segunda Guerra Mundial, o Brasil florescia, apaixonado pelo jogo que os ingleses tinham legados.
Os números da carreira de Leônidas são tão expressivos, que falam por si. Além da seleção, jogou em oito clubes, nos maiores do Rio de Janeiro, mas também em São Paulo e no Uruguai, e apenas no São Paulo e no Vasco da Gama - 27 golos em 29 jogos - não ficou com um média superior a um golo por jogo.
A consagração em França