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    História da Edição

    EUA 1994: o Tetra para Senna em terras estranhas

    Texto por João Pedro Silveira
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    Em 1994, a FIFA arriscou forte ao atribuir a organização do Campeonato do mundo a um país sem expressão na modalidade, onde o futebol, de certa forma, sempre foi tido como um desporto menor, disputado essencialmente por mulheres e crianças.

    O futebol que nos EUA é conhecido por «Soccer» e não tem, nem de perto nem de longe, o número de adeptos ou as atenções reservadas pelos media como têm outros desportos adorados na terra do Tio Sam, como são o basquetebol, «basebol», hóquei em gelo ou o 'primo afastado do futebol', o futebol americano.

    Apesar da desconfiança inicial, a verdade é que Mundial de 94 foi um campeonato espetacular, graças à alteração da pontuação de 2 para 3 pontos por vitória.

    Com estádios cheios e as maiores audiências televisivas da história, o mundial americano foi uma história de sucesso, não obstante as ausências de seleções como Inglaterra, França, Dinamarca (Campeã Europeia em título), Escócia ou o Uruguai. Portugal veio a falhar por pouco a qualificação, caindo aos pés da Itália e da surpreendente Suíça.

    Entre os destaques da prova, não se pode esquecer as excelentes prestações de seleções como a Roménia, Suécia e Bulgária, ou as agradáveis surpresas que foram a Arábia Saudita e os Estados Unidos, que mostraram ao mundo que o bom futebol também pode chegar de proveniências com menos tradição no desporto.

    Assistiram-se a jogos vibrantes, como o Brasil x Holanda dos quartos de final, ou o Roménia vs Argentina dos oitavos.

    Também houve tragédias, como a morte do defesa colombiano Escobar, assassinado no regresso a casa pelas máfias que controlavam o mercado de apostas ilegais na sua terra natal e que não lhe perdoaram o autogolo que marcou na derrota por 1-2 contra os anfitriões, ainda na primeira fase do mundial.

    Essa mesma primeira fase correu sem grandes surpresas: o grupo A confirmou a evolução americana, a excelente geração romena comandada pelo Maradona dos Cárpatos: George Hagi e o talento helvético. Pelo caminho ficou a Colômbia, que, comandada por Francisco Maturana, tinha chegado aos States rotulada de candidata ao título, após ter esmagado a Argentina em Buenos Aires por 5-0 na fase de qualificação, mas que ficou pelo caminho sem honra, nem glória.

    O Grupo B não teve grande história. O Brasil venceu russos e camaroneses, empatando 1-1 com a Suécia, garantindo assim a liderança; já os suecos qualificavam-se em 2º lugar, enquanto os jogadores russos, jogando sobre a bandeira da Federação Russa – depois do fim da U.R.S.S. (1991) -, não conseguiram limpar a má imagem de 1990, voltando outra vez a ficar pelo caminho, tal como os Camarões, que desta vez não conseguiram repetir a façanha do Mundial anterior.

    Curiosamente, o jogo entre as duas seleções foi o bilhete de entrada na história dos mundiais para os números 9 de cada equipa: Roger Milla, que, aos 42 anos, foi o mais velho marcador de um golo numa fase final, e Oleg Salenko que, ao apontar 5 golos nessa partida, se tornou o primeiro, e único, jogador a atingir tal marca numa partida disputada num mundial.

    No Grupo dos Campeões Mundiais, a Alemanha (pela primeira vez unificada desde a II Guerra Mundial) e a Espanha passaram sem dificuldades, deixando pelo caminho a fraca oposição de Coreia do Sul e Bolívia.

    O grupo da morte era o «D». Argentina, Nigéria, Bulgária e Grécia prometiam espetáculo e cumpriram. Os argentinos entraram a todo gás e a jogar um futebol espectacular, goleando a Grécia por 4-0. Já a Nigéria, tal como a Grécia, uma estreante em mundiais, dizimou os búlgaros por 3-0 e na 2ª Jornada vendeu cara a derrota contra a albiceleste (1-2). A Bulgária recuperou do desaire da 1ª Jornada e humilhou a Grécia com 4-0, conseguindo assim a sua primeira vitória de sempre numa fase final de um mundial, para depois, tomando-lhe o gosto, vencer ainda a Argentina por 2-0, aproveitando a desmoralização da equipa das Pampas, que se ressentiu imenso do facto de Dieguito ter acusado consumo de cocaína no jogo inaugural do mundial, tendo por isso sido afastado da competição.

    A Itália – apoiada pela enorme comunidade ítalo-americana - fez uma primeira fase sofrida, perdendo com a Irlanda na estreia (0-1), vencendo a Noruega (1-0) e empatando com o México (1-1).

    Num grupo equilibradíssimo, onde todos acabaram empatados com 4 pontos, foi o goalaverage que desempatou a classificação, o que valeu aos noruegueses o último lugar e o feito de serem o melhor eliminado da primeira fase da história do Mundial.

    Por último, o Grupo F, onde o equilíbrio foi a nota dominante entre Holanda, Bélgica e a surpreendente Arábia Saudita. Foi um grupo onde três equipas acabaram todas empatadas com 6 pontos, bem longe de Marrocos, que regressou a casa sem um único ponto.

    Apesar das estrelas da laranja mecânica, ou das defesas de Michel Preud’homme, a estrela do grupo acabou por ser o saudita de Saed al Owairan, autor do único golo da partida contra os belgas, que foi considerado por todos como o melhor do Mundial americano.

    Oitavos

    Nos oitavos, a Roménia deixou pelo caminho a Argentina (3-2), enquanto a Alemanha vencia pelo mesmo resultado a aguerrida Bélgica.

    A Espanha (3-0 a Suíça) e a Holanda (2-0 a Irlanda) seguiram sem problemas, enquanto a Bulgária só eliminou o México nos penalties. A Itália só no tempo-extra deixava a fantástica Nigéria pelo caminho

    Já o Brasil e a Suécia acabaram com os sonhos bonitos de E.U.A. e Arábia Saudita.

    Quartos

    Itália e Espanha jogaram um dérbi latino de grande intensidade e virilidade, que valeu aos italianos a passagem às meias-finais. Já as surpreendentes equipas da Suécia e da Roménia deram espetáculo, num jogo que terminou empatado após os 120’ a duas bolas, e que foi ganho pelos nórdicos nos penálties.

    O Brasil venceu a Holanda no melhor jogo do mundial. Aos dois golos iniciais do escrete, respondeu a laranja mecânica com outros dois. Seria Branco, defesa brasileiro que já tinha brilhado no FC Porto a desempatar a contenda com um livre direto.

    Os quartos de final fecharam com uma grande surpresa, quando a Bulgária eliminou a Alemanha - os campeões mundiais - vencendo no Giants Arena de New Jersey por 2-1.

    Meias e final

    Nas meias-finais, Itália e Brasil acabaram com as fantásticas carreiras da Bulgária de Kostadinov, Balakov, Iordanov, Letchkov e Stoichkov; e a Suécia de Dahlin, Anderson, Brolin, Thern e Schwarz.

    No dia 17 de Julho no Rose Bowl de Pasadena em Los Angeles o mundo iria consagrar o primeiro Tetracampeão da história.

    Ironia suprema, num dos mundiais mais fantásticos de sempre, com o regresso dos golos e do futebol espectáculo, a final foi provavelmente a pior final da história dos mundiais

    Noventa mil pessoas no estádio e biliões em todo o mundo a seguir pela televisão assistiram a um jogo fraco e aborrecido, onde uma Itália de contenção conseguiu empatar um Brasil receoso de se arriscar no ataque, temendo o contra-ataque transalpino e o génio de Roberto Baggio.

    As defesas superiorizaram-se completamente aos ataques, e foi preciso recorrer ao desempate por pontapés da marca de grande penalidade para atribuir o campeão do mundo pela primeira vez na história.

    A ironia foi que foi o herói italiano do mundial, autor de 5 golos, que literalmente carregara a squadra azzurra às costas, a falhar o penálti decisivo que valeu o Tetra ao Brasil. Roberto Baggio.

    No meio do relvado, emocionados, os jogadores brasileiros festejavam o fim do jejum de 24 anos, com uma tarja famosa: “Senna... Aceleramos juntos. O Tetra é nosso!”.

    A cena: No dia 17 de Junho, os olhos do mundo estavam em Chicago: O Presidente Bill Clinton recebeu o Chanceler Alemão Helmut Kohl e o Presidente Boliviano Gonzalo Sánchez de Lozada, na tribuna do Estádio Soldier Field para o jogo de abertura do mundial. No relvado Oprah Winfrey caía do palco durante a apresentação. Além disso, a cantora Diana Ross falhava a transformação de um penálti com uma bola gigante e uma baliza em que os postes se abriam para ajudar à conversão. A Arábia Saudita protestava contra a inclusão da sua bandeira nas latas de coca-cola, os europeus faziam contas às horas que iam dormir menos para acompanhar as transmissões nocturnas, e o cidadão médio americano não entendia porque é que o mundo inteiro seguia um jogo que podia acabar empatado zero a zero.

    A figura: Romário (Brasil) – Se, num mundial que contou com a arte de Hagi, Balakov, Brolin, Bebeto, Roberto Baggio, Klinsmann e inclusivé Maradona, afirmar que o carioca Romário de Souza Faria foi sem dúvida a estrela maior da competição, então pode-se facilmente perceber a importância que o baixinho teve na conquista do tetra campeonato brasileiro. Juntamente com Bebeto, produziu uma das mais letais duplas da selecção canarinha, tendo marcado golos em cinco dos sete jogos que o Brasil disputou em solo americano.

    E foi da sua cabeça que saiu o golo que desatou o nó górdio que os gigantes da defesa sueca tinham atado à volta de um 0x0 que ameaçava tornar-se inultrapassável. Foi esse golo tardio, a única bola que passou por um Thomas Ravelli super inspirado, que permitiu ao Brasil voltar a uma final de um Campeonato do Mundo vinte e quatro anos depois.

    O Onze: Michel Preud’homme (Bélgica), Jorginho (Brasil), Franco Baresi (Itália), Márcio (Brasil), Paolo Maldini (Itália); Dunga (Brasil), George Hagi (Roménia), Krassimir Balakov (Bulgária); Roberto Baggio (Itália), Romário (Brasil) e Hristo Stoichkov (Bulgária).

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