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Franco Baresi: Il Piscinin

Texto por Ricardo Miguel Gonçalves
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Berlusconi permitiu, Sacchi idealizou e Baresi executou. O que o AC Milan alcançou no final dos anos oitenta não foi nada menos que extraordinário, mas para o sucesso de uma equipa atacante de classe mundial eram necessários bons alicerces na defesa, tendo sido precisamente essa a função do italiano, que permitiu a equipa brilhar e associou permanentemente o seu nome aos rossoneri e à função defensiva conhecida como líbero.

É difícil falar do AC Milan sem referir o nome de Franco Baresi, exatamente da mesma maneira que é impossível falar de Baresi sem tocar no clube a que se dedicou durante toda a carreira. Viveu uma carreira de sonho na qual venceu tudo, redefiniu o papel de um defesa moderno e fez tudo isso enquanto se tornava num símbolo e ídolo no clube que amava.

Sangue vermelho e negro

«Aos 18 anos já tinha o conhecimento de um veterano»

A frase é de Nils Liedholm, o técnico sueco que deu a estreia ao jovem italiano que tinha impressionado nos quatro anos em que esteve nas camadas jovens do AC Milan. Baresi chegou à equipa principal, em 1978, com vontade de ser goleador. Tinha jogado a avançado durante muitos anos e certamente não lhe faltava capacidade técnica para ser um grande atacante, mas com o tempo habituou-se à defesa, uma posição que fez sua em Milão e não largaria durante vinte anos.

A longevidade de Baresi é particularmente impressionante pois quando chegou ao clube ninguém esperaria que chegasse à equipa principal, muito menos atingisse estatuto lendário na mesma. Foi rejeitado pelos rivais, o Inter, que recusaram Franco por ser muito pequeno (daí a alcunha Il Piscinin, O Pequenino), mas aceitaram o seu irmão Giuseppe. Os dois irmãos passariam a ser rivais em campo durante toda a carreira e o Inter arrependeu-se de uma decisão que lhes custou um dos maiores defesas da história.

Com o irmão Giuseppe, em lados opostos @Getty / PHOTO ALESSANDRO SABATTINI AGENZIA A.S.SPO
Os testes no outro clube da cidade não foram fáceis. As duas primeiras tentativas terminaram com um «não» firme, mas à terceira lá aceitaram o defesa, embora os seus 164 centímetros de altura fizessem torcer o nariz. Se ele iria crescer? Sim, afinal tinha apenas 14 anos, mas nunca iria ter a altura de um atleta profissional. Acabou por assinar um contrato que tinha uma cláusula muito interessante: um milhão de liras por cada centímetro que crescesse acima do metro e setenta. Atingiu um metro e 76 centímetros, mas quem saiu a ganhar foi o clube.

Com 22 anos, já era capitão do clube, devido à liderança inata e ao exemplo que dava diariamente à equipa, fosse em ambiente de jogo ou de treino. Também nessa altura chegava à seleção italiana, embora não fosse títular indiscutível e se tenha ficado pelo banco de suplentes na maior conquista da squadra azzurra nesse período, o Campeonato do Mundo de 1982. 12 anos mais tarde, a Itália voltaria a disputar uma final de um Mundial, dessa vez já com Baresi a capitão, embora não tenha sido feliz.

Mas o foco era mesmo no AC Milan, clube ao qual foi fiel desde o momento em que o aceitaram como um rapaz franzino de 14 anos e até ao final da sua carreira. A partir desse momento, só quis alcançar glória de vermelho e negro, algo que conseguiu pela primeira vez logo na sua primeira temporada completa na equipa principal, na qual fez 40 jogos e conquistou aquele que seria o seu primeiro Scudetto.

O início foi entusiasmante, mas a queda seria rápida e estrondosa. No início dos anos 80, Liedholm saiu e foi aí que o Milan caiu, literalmente, para a Serie B, devido à revelação de um escândalo de apostas (leia a história do Totonero aqui). No ano seguinte, conquistaram o título e a subida imediata, mas o primeiro ano de volta na Serie A não foi doce, com o clube a terminar na 14ª posição e dessa forma a acabar novamente despromovido ao segundo escalão do futebol italiano.

Contra Roberto Baggio, da Juve @Getty / Getty Images
Foi aí que Baresi começou a ganhar muitos pontos com os adeptos rossoneri. Nesse verão, foi campeão do mundo, e vários clubes se chegam à frente com salários milionários, mas não foi por isso que se demarcou da responsabilidade de trazer o seu clube de volta à primeira divisão. «O Milan é a minha vida», declarou, antes de conquistar novamente o título da segunda divisão, «Um facto estranho é que a despromoção foi, para mim um completo renascimento».

Seguir-se-iam 14 temporadas de futebol ao mais alto nível, nas quais Baresi cimentaria o seu valor enquanto futebolista não só em Milão, mas em todo o mundo. Pelo caminho, fez 720 jogos pelo clube, o então máximo da história do clube e que viria a ser ultrapassado pelo seu aprendiz, Maldini. Conquistou ainda três edições da Liga dos Campeões e seis Scudettos, o mesmo número que usava nas costas e que o clube retirou em sua honra.

O líbero

Em 1984, Nils Liedholm voltou a Milão e trouxe com ele um truque que elevaria não só a carreira de Baresi como todo o clube. O italiano já tinha todas as capacidades técnicas e táticas para desempenhar a função de líbero, mas com o técnico sueco a transição foi facilitada.

Nessa função, aliou todas as suas capacidades defensivas, como a agressividade e excecional capacidade de desarme, a tudo o resto que era capaz de executar dentro das quatro linhas. Leitura e visão de jugo, distribuição através de passes de grande qualidade, técnica e drible eram algumas das suas armas e permitiam-lhe abandonar a defesa e subir pelo terreno quando a equipa tinha a bola.

Em 1990, contra o Benfica, ganhou uma das suas três TCE @Getty / Neal Simpson - EMPICS
No fundo, Baresi, quando em posse, era um médio de grande qualidade, construindo o jogo da equipa e permitindo o funcionamento do futebol atacante da equipa, mas sem bola tornava-se um monstro, duro e rápido, sempre pronto a estragar o dia aos avançados adversários, embora mantivesse a calma e inteligência necessária na ocupação dos espaços.

Mas se foi Liedholm quem trilhou o caminho de Baresi, então foi Arrigo Sacchi quem calcetou o pavimento. Em 1986, chegou ao clube Silvio Berlusconi, o empresário que assumiu a presidência e trouxe a nova ambição de glória europeia. Reuniu alguns dos melhores jogadores do mundo, como Van Basten, Gullit ou Rijkaard, e contratou Sacchi para elevar a equipa a novas conquistas.

Apesar das novas caras no balneário e do desenvolvimento da qualidade da equipa, Franco Baresi nunca perdeu preponderância na mesma. Manteve-se um líder e figura incontornável, tornando-se cada vez melhor em campo na sua função característica, mas embora o reconhecimento surgisse, a Bola de Ouro estava longe.

Final do Mundial 94 foi a grande amargura: capitão falhou um penálti @Getty / picture alliance
No final da temporada de 1988/89, o Milan de Sacchi celebrou a conquistou da sua primeira Taça dos Campeões Europeus, a terceira da história do clube, depois de um expressivo 4x0 sobre os romenos do Steaua. Em Barcelona, onde a final se disputou, os adeptos cantaram sem se cansar «Baresi, só existe Franco Baresi», mas, por mais que mostrasse o seu valor em campo, dificilmente ganharia o prémio de melhor do mundo enquanto defesa. «Sim, eu pensei sobre isso e nós, defesas, somos penalizados», disse Baresi, «Mas temos uma equipa de ouro, somos o Milan», atirou, referindo-se ao facto do pódio do Ballon D'or de 1989 ter sido exclusivamente jogadores da equipa rossoneri, com Marco van Basten a levar o prémio.

O reinado de Sacchi em Milão foi lendário, mas não foi perfeito. Apesar do sucesso europeu, em quatro anos o AC Milan venceu apenas uma vez o Scudetto, um retorno que ficava um pouco aquém das expectativas dos adeptos e de Berlusconi. No final da temporada de 1990/91, as controvérsias com Sacchi já tinham evoluído completamente para ódio da parte dos jogadores, incluindo Baresi, que já não suportava o técnico e os seus treinos pesados. A opinião generalizada era que a equipa estava no fim de um ciclo, existindo a necessidade de renovar e até que talvez jogadores como Baresi (então com 31 anos) estivessem já em declínio.

Com Maldini, num jogo de estrelas @Getty /
Quem chegou foi Fabio Capello, que imediatamente deixou claro que ninguém no plantel rossoneri estava velho ou terminado. Para Baresi, estas palavras foram música, bem como para o resto de uma equipa que voltou a atuar conforme o seu potencial. Foram campeões três vezes consecutivas, quatro Scudettos em cinco anos, com uma das melhores equipas da história do clube rossoneri. Foi também no final desse período dominante que Maldini começou a fazer a sua transição para o centro da defesa onde, apesar da diferença de idade, fez uma dupla incrível com o capitão Baresi. No total dos 196 jogos que ainda jogaram enquanto dupla defensiva, o AC Milan sofreu apenas 23 golos.

A temporada de 1995/96 marcou o último campeonato conquistado pelo Milan sob a liderança do icónico capitão Franco Baresi, que penduraria as botas no final da época seguinte. Terminou a carreira num momento que considerou o correto por ainda estar no topo das suas capacidades, aos 37 anos, embora os tifosi do clube milanês não duvidassem que a classe de Baresi perduraria durante vários anos ainda, caso quisesse ter continuado a jogar.

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Comentários (10)
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Baresi
2023-12-09 02h55m por jorgemartins575
Não querendo ser polémico acho que o Baresi foi melhor que o Beckenbauer por um detalhe que para mim é muito importante que foi o facto de a equipa do Milan do Sachi e dos holandeses ter sido considerado a melhor equipa da história pela UEFA
Eu também sei que o Beckenbauer ganhou 3 vezes seguidas a Champions e também marcou uma geração mas aquele Milan dominava e encantava os jogos pelo que diziam, infelizmente o Benfica foi uma das vitimas do Milan foi uma das vitimas nesses anos na fin...ler comentário completo »
Baresi & Maldini
2020-05-09 14h53m por CrookSoul
Dupla mostruosa. Classe e eficacia. A fazer lembrar a gloriosa dupla Luisao & David Luiz
YA
Craque
2020-05-08 21h11m por Yazapeyroteu
Claramente dos melhores centrais que vi jogar. . . Aquela defesa do Milan era de betão. . . Tassoti, Baresi, Costurta e Maldini. Todos italianos, todos excelentes, mas Baresi e Maldini destacavam-se um pouco. Pessoalmente, desde a década de setenta que vejo futebol "com olhos de ver" e aquele Milan do que vi foi a melhor equipa da história. Não tinha pontos fracos e uma série de jogadores talentosos explanava o seu futebol alicerçados naquela defesa extraordinária. Foram campeões uma...ler comentário completo »
EN
para todos os rossoneri
2013-05-18 19h13m por entraineur
Tal como publiquei relativamente a Buffon, duas palavras:
Obrigado Franco Baresi
de longe um dos melhores, senão o melhor central que via actuar, pelas piores razões pois ajudou a derrotar o FCP varias vezes.
RU
Goulart_Never_q uits
2012-05-08 21h09m por ruithekill
não tiro crédito ao Baresi mas não o podes considerar melhor que o Passarela, Kohler ou mesmo Ruggeri.
Estão todos ao mesmo nível, o dos melhores de sempre
FANTASTICO
2012-05-08 16h51m por 88nunes
Que saudades de o ver em campo, faz-me lembrar a minha juventude em Itália, era incrível ver o Milan a jogar essa sim foi a MELHOR EQUIPA DO MUNDO. . .

Baresi controricorso eterno!!
SONO MILAN!!!
Baresi dell'Eterno controricorso!! !
2012-05-08 16h45m por 88nunes
Que saudades de o ver jogar. . .

Belos tempos aqueles em que eu sabia que eram 90 minutos e que no final o Milan vencia com um futebol MARAVILHOSO. . .

Sono Milan!!!

Baresi dell'Eterno controricorso!!!
"Só" o Melhor !!!
2012-05-08 11h39m por Goulart_Never_quits
Como grande percentagem da faixa etária que aqui comenta deve ter entre 15 a 25 anos, possivelmente nunca viram e até nem ouviram falar neste Senhor, mas garanto-vos que ele foi "Só" o melhor central da História do futebol !!!
FC
Milan de 94. . .
2012-05-08 10h03m por FCP_CSM
Franco Baresi
Desailly
Costacur ta
P Maldini
Panucci
Tassotti
Albertini
Zvonimir Boban
Donadoni
Dejan Savićević
Marco Simone
Ruud Gullit
Paolo Di Canio
Gianluigi Lentini
Marco van Basten. . .

. . . mas que equipa fenomenal!
EV
Baresi
2012-05-08 01h15m por evolva
O melhor central que eu já tive o prazer de ver jogar.

Este e o Maldini provavelmente fizeram a melhor dupla de centrais de sempre.

Parabéns ao Baresi pelos anos e pelo jogador que foi.
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