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Nuno Valente: O Canhoto que Não Desistiu

Texto por Gaspar Castro
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Oito troféus, sete deles já depois dos 28 anos. A afirmação de Nuno Valente no futebol nacional não chegou cedo, mas chegou bem a tempo. Os anos de ouro do FC Porto de Mourinho foram, também, os anos de ouro de um lateral-esquerdo destemido que nasceu para o futebol em Alvalade e que se afirmou nas Antas, onde tocou o céu na forma de uma taça da Liga dos Campeões.

Dono do lugar na seleção entre 2004 e 2006, com direito a caminhadas até uma final de Europeu e uma meia-final de Mundial, o canhoto lisboeta acabou ainda a carreira a jogar (quando as lesões davam tréguas) naquela que é para tantos a melhor Liga do mundo, a Premier League. Não foi uma carreira fácil, não foi linear, mas Nuno Valente chegou ao fim desses 16 anos com um lugar entre os laterais memoráveis do futebol português.

Desilusões em Alvalade

Lisboa, 1974. Uns meses após a revolução, no meio de uma família com dez irmãos, nascia um miúdo que ganhou na rua o gosto ao futebol. Como tantos outros, como um irmão mais novo que também viraria profissional. Foi parar ao Sporting ainda em miúdo e só deixou de ser leão já com 24 anos. Não quer isso dizer que o tempo em Alvalade tenha sido um mar de rosas, porque não foi... foi uma longa história, mas uma história com ilusões e desilusões, do início da formação até à saída pela porta dos fundos.

@Reporter 24

Chamar-lhe-iam Cambodja, pela forma destemida como se fazia à bola em qualquer contexto, e cedo se dedicou ao corredor esquerdo do terreno. Era baixinho no início, mas quando foi passar um ano de empréstimo ao Vitória da Picheleira, ainda como iniciado, Nuno Valente deu um valente pulo... e os responsáveis leoninos gostaram da mudança. Passava a ser lateral-esquerdo, um lateral agora com uma rara estatura que o ajudaria no resto da carreira.

Encostado à esquerda foi galgando escalões até chegar a campeão nacional de juniores, com Fernando Mendes como treinador e com colegas como Poejo ou Vítor Firmino. A equipa principal passava a estar à vista, mas o Sporting quis ainda vê-lo durante um ano no Portimonense, então de Liga de Honra. Missão aceite, missão cumprida: uma primeira época convincente como profissional valeu-lhe bilhete de volta até à equipa de Carlos Queiroz, conhecido pela aposta nos jovens. E assim partilhou balneário com Figo, Sá Pinto, Dani...

20 anos no B.I. bastaram-lhe para se estrear no clube de sempre, mas foi só lá para o meio da temporada e Nuno Valente acabou por não jogar muito nessa época (como nas restantes). Tapado pelo jugoslavo Vujacic (adaptado à posição), ia sendo aposta ocasional. Quanto chegou Octávio Machado, na época seguinte, ficou com ainda menos espaço e foi outra vez emprestado. Desta vez foi para o Marítimo, também na Madeira cumpriu a missão... voltou a regressar, voltou a não se conseguir afirmar.

Na primeira época pós-Marítimo, aos 23 anos, era apenas uma das muitas soluções para um lugar de lateral-esquerdo sem um verdadeiro dono. Na seguinte foi para a sombra de Rui Jorge, que tinha chegado das Antas. Não houve grande crença em Nuno Valente, nunca visto por lá como mais do que uma alternativa, e o adeus a Alvalade deu-se de forma repentina, quando chegou ao estágio de pré-época em 1999 e recebeu nota de dispensa. Magoado, começou a viagem na direção norte, mas com uma essencial paragem de três anos em Leiria.

@ Shaun Botterill / Getty Images

Os anos dourados

A União de Leiria era de Primeira Liga e abriu-lhe a porta da frente. Nuno Valente entrou e, como tinha feito nos empréstimos, agarrou o lugar. Manuel José a treinar, Bilro na direita da defesa, Nuno Valente na esquerda e a União a viver os seus melhores anos, incluindo um 5º lugar na segunda época que Valente lá passou. À terceira, chegou a Leiria um senhor de nome José Mourinho... e veio o empurrão até ao topo. Não coincidiram muito tempo nas margens do Lis, mas foi suficiente para o treinador o levar até à Invicta a troco de 550 mil euros para os cofres da União.

@Getty / Shaun Botterill

A nova missão era concorrer pelo lugar com Mário Silva, o titular da temporada anterior, mas Nuno Valente depressa saltou para o topo da hierarquia, com o também recém-chegado Paulo Ferreira a fazer o mesmo do lado oposto. O Cambodja já não era nenhum miúdo, já entrava nos tais 28 anos, mas ainda foi bem a tempo de viver na Invicta os dois melhores anos da carreira... e um final amargo.

@Stuart Franklin / Getty Images
Sobre essas tais épocas entre 2002 e 2004 que mais há a dizer? Na primeira, campeonato, Taça de Portugal e Taça UEFA, com Nuno Valente a ser primeira opção na Liga e na Europa (31 jogos no total) e a dar conta do recado, juntando ao espírito combativo a defender a propensão ofensiva. Expulso nos momentos finais da final de Sevilha, mas pouco se terá importado. A época seguinte foi de consagração definitiva da equipa e dele próprio, com 42 jogos de dragão ao peito e com alguns momentos de brilhantismo a partir do flanco esquerdo, rumo à Liga dos Campeões e campeonato.

O pós-Gelsenkirchen teve ligeira debandada no clube: Mourinho foi para Londres com Ricardo Carvalho e Paulo Ferreira, Deco foi para Barcelona... Nuno Valente ficou, e o Dragão que o lateral tinha vivido até então deixou de ser o mesmo lugar, pelos infortúnios que se seguiram.

Um ultimato e a Premier League

Scolari deu-lhe a titularidade no Euro2004, a primeira das duas provas de seleções em que Nuno Valente chegou, e aí começou um trajeto internacional que se revelaria um pau de dois gumes: por um lado, viveu o orgulho de representar a seleção, de ser um lateral-esquerdo tão convincente como foi e é raro ver na seleção nacional, de ir até à final de um Europeu jogado em casa; por outro, contraiu uma lesão grave no joelho num jogo na Letónia de apuramento para o Mundial, e isso acabou por ser a origem de um eventual adeus ao FC Porto.

@Getty / Martin Rose

Não foi de um dia para o outro, Nuno Valente ainda teve mais um ano no FC Porto, mas foi um ano tão ou mais difícil do que os mais difíceis anos da carreira que viveu: numa época em que os dragões tiveram três treinadores, as lesões do experiente lateral tornaram-se frequentes, e nem pôde ele estar na Intercontinental que os dragões conquistaram frente ao Once Caldas. Fez apenas 12 jogos e tudo culminou num verão quente com direito a ultimato de Pinto da Costa.

Ou continuava a ir à seleção ou continuava a jogar no FC Porto. Foi esta a (difícil) escolha que lhe foi colocada em cima da mesa, devido à probabilidade de agravar a lesão se viesse a representar as duas equipas, no entender dos dragões. Nuno Valente não quis escolher, foi afastado por Pinto da Costa e colocado no mercado e a treinar com a equipa B. A saída, por isso, voltou a ser por uma porta dos fundos, embora agora com um destino mais glamoroso: a Premier League.

@Getty / Neal Simpson - EMPICS

O Everton tinha perdido o italiano Alessandro Pistone para lesão, precisava de uma solução de recurso e por meros 2,2 milhões de euros e um contrato de três anos levou Nuno Valente para a cidade dos Beatles, onde nunca foi indiscutível mas teve alguns bons momentos quando não estava a recuperar das lesões que iam e vinham. O início foi difícil, por tardar em adaptar-se à Premier League e porque nem falava grande coisa de inglês, mas ainda na primeira época conseguiu convencer os adeptos da equipa inglesa, resistindo à concorrência de Gary Naysmith, e ser também dono do lugar de lateral-esquerdo no Mundial2006, na Alemanha. O problema por essa altura foram mesmo as lesões, que o fizeram afastar-se cada vez mais das opções e ficar atrás de Leighton Baines, até que em 2008/09 não fez mais do que dois jogos. Era altura do inevitável ponto final.

Com as chuteiras penduradas, manteve-se no clube inglês, onde teve direito a um lugar no departamento de prospeção, e viria a desempenhar essa função também no Sporting, depois de uma curta passagem pela equipa técnica de Paulo Sérgio. Aproveitou ainda esses anos recentes em Alvalade para ficar em paz com o clube em que cresceu e que tinha deixado de forma inglória.

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Nuno Valente (POR)
Nuno Valente (POR)

Comentários

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motivo:
Taça UEFA de 2003
2020-03-29 00h36m por BlankSpace
lembro-me do jogão espetacular que ele fez na final. . . foi o melhor a par do Derlei nesse jogo. .
NU
Correção à notícoa sobre Nuno Valente.
2020-03-28 20h41m por nunoreisjunho
Boa tarde. O treinador da U. D. Leiria que foi contratar Nuno Valente ao Portimonense (escalão secundário) foi Mário Reis, e não Manuel José.
Ou seja, quem lançou Nuno Valente na 1ª divisão, foi Mário Reis, que não é sequer mencionado na notícia.
Cumprimentos,