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    2024/03/08
    E0
    Este espaço, do jornalista Carlos Daniel, pretende ser de abordagem e reflexão sobre o futebol no que o jogo tem de melhor. Quinzenalmente, uma equipa será objeto de análise, com notas concretas que acrescentam atualidade.

    Uma equipa constrói-se sobre três elementos fundamentais: espírito de grupo, qualidade de jogadores e identidade tática. O primeiro, que não desvalorizo de todo, é de ordem genérica e aplica-se a qualquer ramo de atividade onde pessoas têm de trabalhar em equipa. Numa equipa de futebol até pode ser a primeira preocupação de quem lidera, mas não durará muito sem uma boa soma dos dois restantes, os que respeitam a competências específicas deste jogo. Na identidade tática cruzam-se, como elementos fundamentais, um modelo de jogo – que define como se pretende atacar, defender e transitar – e a estratégia – o plano para cada partida em concreto. Uma equipa sem identidade definida, seja com ou sem bola, e incapaz de analisar o adversário de modo proficiente, para o surpreender ou não ser surpreendida, é, pelo menos a prazo, uma equipa à deriva. É quando a qualidade dos jogadores não basta e o espírito coletivo fica em causa. É o Benfica hoje.

    Além das conclusões óbvias e já aqui abordadas sobre o crescimento indiscutível da equipa do FC Porto e os méritos estratégicos de Sérgio Conceição, há outra a retirar dos últimos jogos felizes no Dragão: afinal há ovos para as omeletas. Desde que Sérgio passou a aproveitar Nico Gonzalez e o filho Francisco, libertou Pepê e pôde acrescentar Otávio, o rendimento subiu. Foi quando juntou à identidade tática (com qualidade estratégica) e ao espírito de grupo, os melhores jogadores de que dispunha. O treinador não pode ser ilibado quando as coisas correm mal para ser, ainda que muito justamente, elogiado quando correm bem. O FC Porto que goleou o Benfica e bateu o Arsenal está decerto no melhor momento da época e Sérgio Conceição tem imenso mérito nisso. Mas tem também a maior quota de responsabilidade no que até agora correu mal e colocou o título nacional como uma missão (quase) impossível.

    Rúben Amorim definiu-se diante da Atalanta: por muito que a liga Europa lhe pudesse reforçar o prestígio continental, que já é grande, é com o título nacional que pretende concluir a obra feita, e que pode ser perfeita, em Alvalade. Se for campeão este ano – é, ao dia de hoje, o grande favorito - Amorim ficará como o  melhor treinador que passou por Alvalade em muitas décadas, seguramente o melhor desde Malcom Allison, mas mais constante e longevo, gerindo com mestria todos os momentos e fatores adversos. Soube manter o espírito de grupo mesmo na derrota, acrescentar qualidade ao plantel sempre que possível (apesar das vendas) e melhorar a oferta tática que entrega a cada ano. Não há muitos assim, e não é só em Portugal.

    Sem abandonar a trilogia que é mote desta crónica, há um Liverpool-Manchester City que vale duas boas horas de sofá neste sábado, um jogo decisivo no melhor campeonato que existe e o grande clássico mundial nestes dias em que os maiores de Espanha estão abaixo da década anterior. É para aproveitar o perfume que ainda resta em homens como Salah e De Bruyne, mas sobretudo para nos curvarmos - até porque estes duelos vão ser interrompidos num futuro próximo -  perante os homens que mais bem souberam criar grupos com espírito conquistador em épocas sucessivas, mesmo se repletos de egos insuflados por talento raro. E fizeram-no com propostas de jogo distintas mas qualquer delas muito eficaz e com nítida impressão digital. Klopp e Guardiola deram-nos tanto: E ainda mais os exemplos repetidos de elegância e desportivismo, que em tantos outros, bem menores, são coisa rara.

    PS: Portugal está no topo da Europa futebolística, no topo mesmo e nas duas ligas profissionais, num único índice: o do número de cartões mostrados, sejam vermelhos ou amarelos. Nada mais justo. Os árbitros apitam por tudo e por nada, o VAR mete-se onde não devia e os dirigentes acreditam que agora é que vão explicar aos adeptos as decisões de campo que eles não querem (e por isso nunca vão) entender. Só falta mesmo aparecerem os inacreditáveis cartões azuis, para sermos líderes numa outra trilogia.



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