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    O Melhor dos Jogos
    Carlos Daniel
    2024/02/15
    E0
    Este espaço, do jornalista Carlos Daniel, pretende ser de abordagem e reflexão sobre o futebol no que o jogo tem de melhor. Quinzenalmente, uma equipa será objeto de análise, com notas concretas que acrescentam atualidade.

    O Benfica tem duas maneiras de jogar: a do costume e a do medo. Valha a verdade que a do costume é, por regra, corajosa, ofensiva. Quando não tem medo do adversário, Roger Schmidt aposta no básico, feijão com arroz, pega no 1.4.2.3.1 de sempre e vai à luta, sem grande preocupação - às vezes nem grande nem pequena - com o rival, ou seja, sem adaptação estratégica que se note. Passado este tempo não é difícil concluir que o alemão não é propriamente um xadrezista no banco, alguém que se motiva com a possibilidade de movimentar peças para virar o jogo. Fá-lo normalmente tarde e a custo. Verdadeiramente, o Benfica é uma equipa que melhora quando consegue repetir onzes e a sensação que fica é de que o crescimento exibicional se faz mais pelos velhos “automatismos” adquiridos em jogo do que por aturado trabalho tático no treino.

    É quando receia o rival seguinte – Porto na Supertaça, Inter em Milão, agora o Vitória em Guimarães – que Schmidt decide mudar taticamente de uma forma sensível. É a tal via do medo, concretizada num jogar sem ponta de lança, como se o bom aproveitamento do espaço ofensivo resultasse da simples aposta em jogadores mais rápidos na frente. Tem tido como consequência uma equipa desconfortável na farda que é obrigada a usar, em ambiente hostil e sem ensaio anterior. Quantas vezes treinou Schmidt a estrutura que apresentou em Guimarães, para mais numa semana com outro jogo difícil a meio? É também por esse improviso experimentalista que o caminho alternativo tem fracassado. E não se queixe o treinador encarnado da sorte, e menos ainda das várias opções de qualidade de que dispõe, que só isso, nesses jogos, lhe permitiu emendar a mão a tempo e evitar descalabros autênticos.

    Sérgio Conceição não dispõe, como é público e notório, das opções ao dispor de Schmidt, mas não lhe fica nada bem um assumir de responsabilidades que na verdade é mais um passa culpas aos jogadores que falharam. O FC Porto perdeu em Arouca por duas circunstâncias essenciais: uma estrutural desta época, resultante da defesa frágil que apresenta, sobretudo na zona central, agravada neste jogo pela saída prematura de Varela, e uma outra, episódica mas muito relevante, que foi a de encontrar um adversário com critério e coragem para atacar (são poucos assim na nossa liga!), e servido por jogadores capazes de fazer a diferença no último terço. Sem querer responsabilizar ninguém individualmente, a forma como Jason bailou diante de Fábio Cardoso para finalizar com classe no terceiro golo arouquense é a ilustração definitiva do que assinalo. Não se regateie mérito ao notável trio de ataque - Jason, Mújica e Cristo - montado por Daniel Sousa, para mais suportado por um meio campo que sabe jogar, com David Simão, Pedro Santos e Sylla, mas para os dragões repetiu-se o filme de uma desilusão a amarelo, já visto duas vezes com o Estoril. Quando o adversário tem qualidade para se estender e qualidade para definir, o FC Porto sofre muito mais este ano do que nos anteriores. E já não são apenas sintomas, é doença. Até porque não era costume.

    Sem atacar é difícil ganhar. Os bons resultados do Vitória de Guimarães, e a recente exibição frente ao Benfica, são mais uma prova de que a coragem tática pode iludir a distância orçamental. O futebol vitoriano nem sequer é dos mais ofensivamente perfumados. A ausência de jogadores de topo na retaguarda deixa a equipa mais protegida numa linha de cinco unidades e os laterais/alas são rotativos, mas não propriamente criativos. O critério cresce quando a bola entra em Handel (que está um senhor jogador!) e Tiago Silva, permitindo que o perigo esteja anunciado num Jota Silva que joga ligado à corrente e num André Silva que se exibe ligado ao golo. Ótima. A outra vaga é a do talento, seja ocupada pelo mais controlado e equilibrado Nuno Santos ou pelo mais excitante e inventivo João Mendes, que nunca me conformarei de ver no banco. No banco está também Álvaro Pacheco, o treinador da boina, que assume as limitações táticas, mas mantém sempre no horizonte a baliza rival, fazendo da emoção uma arma, sobretudo nos jogos em casa. Está aí boa parte do que explica que tenha conseguido ligar-se tão bem aos homens que tem no campo como aos que atrás dele cantam nas bancadas. Isso é meio caminho andado em qualquer clube. No Vitória é mais ainda.



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