Andei um largo período sem aqui escrever e, de repente, faço-o no espaço de apenas dois dias. Tinha de ser. Porque Casillas a isso obriga. Não foi propriamente uma novidade, mas foi como o desligar de uma ficha. Como aquela longa relação amorosa que sabemos que vai acabar, que gostávamos de prolongar no tempo para nos alimentarmos de esperança, mas que tem um fim. Para Iker, terá sido ainda mais doloroso do que para quem vê de fora e aprecia. As estrelas são assim. Os apaixonados são assim. E Casillas é uma estrela apaixonada por futebol.
Lembro com nostalgia a sua chegada. Tínhamos ido tranquilamente almoçar ao centro comercial, a redação ficou despida, e eis quando nos começam a chegar as notícias vindas de Espanha. Estávamos, como agora, numa altura de mercado em ebulição e, por vezes, aparecem devaneios. Para aquele não estávamos preparados, por isso tratámo-lo com desdém. Olha... Casillas... tantas Champions e campeonatos, dois Europeus e um Mundial, claro que vem aí. Jogar a Moreira de Cónegos, fazer as curvas até Arouca (dois sítios fantásticos, por sinal). Era a argumentação. Ou a galhofa, que nos demorou a entrar na cabeça a concretização daquele tão improvável e impressionante cenário.
Lembro, ainda mais nostálgico, quando tão perto estive dele a primeira vez no Dragão, numa noitaça de Champions contra o Chelsea de Mourinho. Felizmente, a profissão e a fantástica casa que represento já me proporcionaram grandes momentos, poder estar perto de Ronaldo, Messi, Xavi, Iniesta, Buffon (falta-me Zlatan), mas aqui foi diferente. Não fui a outro lado, não viajei ou não vi com distanciamento para um batalhão de jornalistas estrangeiros. Casillas estava mesmo aqui, era um dos de cá, estava familiarizado com o clube e com o país, sabia o que isto era, não conhecia somente dois ou três jogadores de uma equipa portuguesa. E, mais do que estar ali, naquela grande noite europeia, acedeu a falar connosco na zona mista, por entre dezenas de espanhóis que na altura o seguiam para todo o lado. Engoli em seco e tenho a certeza que não fui o único. Casillas esperou que nos preparássemos, falou, falou e falou. Nunca respondeu desagradado, nunca torceu o nariz, nunca seguiu viagem e deixou uma pergunta a meio. Naquela e em tantas outras vezes.
No fim, já nenhum de nós tremia, e esse é um enorme elogio que é feito a Casillas. Porque ele, que realmente não é alto (para guarda-redes, sobretudo), era gigante na humildade. Música para encantar jornalistas e poder ter boa imprensa? Oh sim... Só se não o víssemos com os colegas, com o público, na Baixa, nos Clérigos ou na Ribeira, da forma mais natural, no comportamento mais normal, na atitude mais descontraída.
Casillas gostava disto. De Portugal, do Porto. E todos gostavam de Casillas. Se calhar, podemos falar de injustiça por não abrir telejornais a despedida de tamanho ícone que por cá tem estado nos últimos anos. Se calhar, podemos falar de amargura por não se vislumbrar uma despedida à altura dos seus maiores voos (ainda vais a tempo, FC Porto). De certeza, podemos falar de uma figura ímpar, que de forma ímpar escolheu Portugal para os últimos anos no relvado.
Não querendo entrar em comparações, porque vários têm sido os craques por cá, acredito que nem Schmeichel ou Preud’Homme, nem Madjer, Balakov ou Valdo, nem Aimar, Jonas, Hulk ou Falcao. Todos eles nos brindaram com a mais fina classe, todos eles nos acrescentaram muito futebol. Vários deles até mais do que Casillas, é verdade. Mas nenhum deles se equipara à dimensão mundial, como futebolista, do ícone espanhol. E também arrisco duvidar que algum lhe bateria na humildade e no sorriso. Idênticos, no máximo.
Por tudo isso, por tudo isto, por todos estes anos e por tão bem tratares o nosso futebol, OBRIGADO IKER!
* refiro-me a estrangeiros que jogaram no futebol português e à dimensão que tinham quando por cá passaram.