... Não se importarão que seja ali, onde nasceu Portugal, que nasça uma tolerância zero que até hoje não existiu no futebol português. Não se importarão porque sabem que o que aconteceu este domingo é inaceitável, num estádio ou noutro sítio qualquer, em pleno século XXI. Porque sabem que muitas crianças que ali estão presentes semanalmente precisam de outras referências que não estas. Porque sabem que, por ter sido em Guimarães que Marega teve uma época de reabilitação, onde foi acarinhado e aplaudido quando vinha de um cenário deplorável na primeira passagem no Dragão, não têm assim o direito de, de todas as formas, o tentarem provocar. Porque sabem que a sua devoção ao clube é maravilhosa quando o sentido é apoiar os seus e que é por isso, só por isso, que são uma referência nacional no ambiente que criam.
Porque se sabe que este é, no seu íntimo, um país ainda racista, envergonhadamente contido, mas bem visível em momentos em que afloram as emoções. Porque se sabe que o argumento «eu até tenho amigos pretos» é, ele mesmo, racista. Porque se sabe que o argumento «até temos jogadores de outras raças», misturado com insultos racistas a adversários, não cria qualquer atenuante. Porque se sabe que ter «amigos» de outra cor ou jogadores na equipa de outra raça não transforma uma ação reprovável. Porque se sabe que o futebol tem reiterados momentos destes, apenas distintos na reação Marega, heróico ao não se vergar à estupidez humana.
Também se sabe em Guimarães, ou calcula-se (bem), que não é ali que mais se pratica o racismo. Não sei apontar um estádio. Mas sei apontar inúmeras situações que fui vendo nos últimos anos. Sem «alegados», porque foram sempre insultos racistas. Na Luz, com o próprio Marega e sobretudo com Hulk, quer ao serviço do FC Porto, quer ainda pelo Zenit. Também em Guimarães, com Nélson Semedo. Na vergonhosa campanha, estádios fora, em 2016 com Renato Sanches. Em Braga, no jogo contra o Ludogorets. No Dragão... com o próprio Marega. Ouvi, sem que alguém tivesse de me contar. Como também vou ouvindo sons de very-lights, alusões ao «avião da Chapecoense», insultos rasos através do megafone. E como ouvi, num dos mais baixos de todos, os insultos a Rochinha (não, não foi só na época passada, foi também há 15 dias no Bessa. Alto e bom som, cantado por bem mais do que 2 ou 3 pessoas) - bem sei que vêm aí outros exemplos, não consegui estar em todos.
É lógico que, em Guimarães, se sabe que nenhum desses casos vai ter consequências. Não há retroativos neste capítulo. Mas pode e tem de haver uma nova era. Que se punam os muitos autores do que aconteceu este domingo, que se castigue o clube se necessário, mas que não se aponte somente este como um exemplo de como se atua quando o caso é extremo. Porque tudo está errado quando tem de ser um jogador a sair de campo para que surja, enfim, uma medida.
Não! Tem de se punir toda e qualquer manifestação racista. A emoção permite muita coisa no futebol, mas nunca pode permitir que sejam violados os direitos humanos de cada um. Nunca isso pode ser desculpa e nunca isso pode ser desculpável.
Que seja um começo, que principie em Guimarães (já que assim não foi quando, em 2016, se puniu o Leixões com dois jogos à porta fechada por cascas de banana arremessadas para o relvado) e que, como há muitos séculos, conquiste o resto do país. Porque o futebol é de todos e para todos, se todos nele souberem estar.