Para muitos, o Caso N´Dinga é o mais bombástico e polémico da história do futebol português. O caso que envolve Académica e Vitória SC remonta à época 1987/88, com os conimbricenses a protestar uma alegada inscrição irregular do internacional zairense.
Nessa temporada, a Académica acabaria mesmo por descer de divisão, com os mesmos 33 pontos do Vitória (que se manteria no primeiro escalão), e aí nascia uma rivalidade histórica que ainda hoje é lembrada pelos adeptos de ambos os lados. O caso fez correr muita tinta: de carimbos falsos a tribunais, de conversas off-the-record a trapalhadas... eis o Caso N´Dinga.
N´Dinga Mbote Amily, nascido no antigo Zaire (atualmente RD Congo) a 11 de setembro de 1966, é uma figura incontornável da história do Vitória SC, sendo ainda hoje o jogador com mais partidas disputadas na Liga pelo clube de Guimarães.
Chegou à Cidade-Berço em 1986/87 - desviado do Nice pelo empresário Valter Ferreira -, juntamente com os compatriotas Basaúla e N´Kama, e por lá ficou até 1995/96, tornando-se rapidamente numa figura chave da manobra dos vitorianos.
Foram 10 épocas e mais de 300 jogos com o símbolo do Conquistador ao peito, ficando para sempre recordado pelos adeptos vimaranenses pela sua capacidade física, resistência, regularidade, polivalência e liderança no meio-campo.
Ao longo desta década com a camisola do Vitória, N´Dinga realizou sempre mais de 25 jogos por ano, estando ligado intrinsecamente às importantes conquistas do clube que capitaneou: várias participações na Taça UEFA, uma Supertaça e diversas campanhas internas dignas de registo. Mas ficará para sempre ligado ao caso com o seu nome...
O futebol português ainda não estava esquecido do Caso Mapuata e estava prestes a conhecer outro que teve o seu Dia D a 15 de maio de 1988. Jornada 34 da I Divisão (com 20 equipas, 38 rondas) e um jogo decisivo para as contas da permanência de Vitória e Académica. 90 minutos jogados e 3x0 para os minhotos na receção aos academistas, resultado que permitia um desempate pontual e uma vantagem de dois pontos a favorecer o emblema de Guimarães.
Acima da linha de água ficaria o Vitória, com os mesmos 33 pontos da Académica. E aí começa toda a polémica. O emblema de Coimbra apresentou queixa por alegada inscrição irregular de N´Dinga - já protestada então pelo Varzim, alegando que o certificado entrou depois da data limite -, jogador que atuou os 90 minutos da partida da jornada 34.
Se a equipa de Guimarães perdesse a partida na secretaria ficaria com 31 pontos (à época, a vitória valia dois pontos), e descia de divisão ao invés da Académica. O caso arrastou-se durante o verão e viria mesmo a ser a Académica a disputar a II Divisão na época seguinte, apesar de também se ter queixado de um resultado combinado entre Vitória e Braga na jornada 37, uma conjugação de resultados que beneficiava os dois conjuntos minhotos.
É o carimbo mais falado e procurado da história do futebol português. Pelo menos, um dos dois, alegadamente falsos, que estava, segundo o próprio, na posse de António Oliveira. Um dos dois carimbos que, alegadamente, ajudaram à inscrição de N´Dinga na FPF.
Como entra António Oliveira nesta história? Passamos a explicar. O antigo jogador torna-se treinador do Vitória a 13 de outubro de 1987, ficando no clube até 7 de março do ano seguinte. A 20 do mesmo mês assina... pela Académica, estando no meio da luta entre os dois clubes.
O técnico desceu com a Académica nessa época, ficou em silêncio e apenas em 1996 rebenta a bomba pela boca do próprio e através de uma conversa gravada off-the-record (sem autorização e conhecimento de Oliveira), publicada integralmente pelo jornal Record.
O diário achou haver interesse público na conversa informal entre o então treinador do FC Porto e os oito jornalistas presentes e, a 23 de outubro de 1996, lança uma edição que vendeu 200 mil exemplares. Na capa, as palavras de Oliveira: «Estive na maior fraude do futebol».
«Desce-se um clube de divisão, desgraça-se uma instituição, porque um gajo se lembrou de fazer uma artimanha com um carimbo?. (...) Então e eu ando aqui a dormir? Eu não estive dos dois lados? Eu estou metido num processo em dois lados, que é a maior fraude do futebol, com prejuízos gravíssimos, e chego ao outro lado e nem uma palavra. Calei-me que nem um rato», pode ler-se no interior do jornal, assim como outras alegadas acusações do antigo técnico de Vitória e Académica.
Por ser uma conversa off-the-record, Oliveira e o FC Porto foram até às últimas instâncias. Já a Académica queixou-se à Procuradoria-Geral da República (o caso chegou mesmo à Assembleia da República), enquanto o Vitória e Valter Ferreira ameaçam Oliveira com um processo caso não mostre o tão badalado carimbo.
Foram duas décadas de Caso N´Dinga. À época, o Conselho Disciplinar (CD) da FPF não deu provimento ao processo, a Académica recorreu e o caso foi arquivado pelo CD. Aí, a Académica seguiu para o Conselho de Justiça (CJ), que anulou a decisão do CD, com Costa Soares, presidente do CJ, a afirmar: «Isto é tudo uma enorme trapalhada».
Derrotada nos tribunais desportivos, a Académica seguiu para outras instâncias. Em 1993, tornou-se na primeira equipa a processar a FPF, através de um processo judicial que entrou nos tribunais civis. Foram pedidos 710 mil contos de indemnização por parte da Briosa que, depois de perder no Tribuna de 1ª Instância, venceu no Tribunal da Relação de Lisboa, já em 2001. Mas a FPF iria recorrer da decisão e acabaria por lhe ser dada razão no Supremo Tribunal de Justiça, em julho de 2003.
«É uma questão de honra. (...) Queremos que a Justiça nos dê a razão que o público já reconheceu. Isso é mais importante do que qualquer soma monetária», dizia Campos Coroa, presidente da Académica à época, pouco antes de se conhecer a decisão final de todo o processo.
Entretanto, a Académica já tinha regressado à I Divisão, mas a rivalidade entre os clubes continuou. Até 2007, o ano do regresso do Vitória ao escalão maior (depois da descida - tão festejada em Coimbra - em 2005/06).
Num amigável de pré-época, as direções lideradas por José Eduardo Simões e Emílio Macedo enterraram o machado de guerra com uma sardinhada. Porém, sempre que o Vitória vai a Coimbra, os adeptos dos Estudantes continuam a relembrar que «É em Coimbra que está o Rei», sinal de que a rivalidade não está totalmente esquecida. E, em Guimarães,, há sempre troco à altura...
3-0 | ||
Ademir Alcântara 24' (g.p.) Décio Antônio 43' 75' |