Apesar da qualificação milagrosa, conseguida com um pontapé certeiro de Carlos Manuel no
Neckarstadion de Estugarda, em que
Portugal venceu a Alemanha (0x1), depois do treinador José Torres ter pedido para deixarem-no sonhar... O sonho tornava-se de fato realidade, mas ao sonho de voltar a um mundial vinte anos depois, seguiu-se um pesadelo, um pesadelo que passou à história como «Saltillo», em honra da cidade onde teve lugar. Esta é a história desse momento negro do futebol português...
Esta segunda saga em fases finais do Campeonato do Mundo começou muito antes da bola começar a rolar nos campos de Monterrey e Guadalajara onde se realizaram os jogos do grupo de
Portugal. Esta aventura em terras mexicanas começou com a esperança de mais uma página histórica do nosso futebol, mas no final das contas, não deixaria motivos para grandes lembranças, bem ao contrário do que tinha acontecido em 1966.
À qualificação quase miraculosa, seguiu-se uma preparação com resultados negativos e uma inesperada celeuma na escolha dos eleitos. Ficando de fora Jordão - herói do Euro 84 - e Manuel Fernandes - melhor marcador do Campeonato Nacional, o
Sporting via as suas duas grandes referências ficarem de fora da seleção e o presidente leonino João Rocha dava voz à sua revolta. Torres contudo assobiava para o lado, e escudava-se nas escolhas que lhe davam garantias.
Viagem de doidos
Torres escolhia os 22, mas no dia da partida para o México, um resultado antidoping positivo deixava Veloso fora do mundial por troca com o academista Bandeirinha. Veloso não calava a indignação, os benfiquistas vociferavam, a polémica seguia juntamente com a comitiva portuguesa, rumo a terras mexicanas, com Veloso em terra e Bandeirinha a fazer as malas à pressa.
A equipa das «quinas» momentos antes do jogo com Marrocos (1x3).
Os «Infantes», como ficaram conhecidos os jogadores portugueses de 1986, partiam para o México numa viagem rocambolesca com um itinerário surreal: Lisboa - Frankfurt - Dallas-Cidade do México -Monterrey - Saltillo....
Um dia depois, escoltados pela polícia mexicana, e já tão perto da fronteira com o Texas, exaustos, fartos de viagens e a precisar de um longo e merecido descanso, os jogadores portugueses chegaram a uma pequena cidade a fazer lembrar os filmes do velho oeste... Num motel de estrada, já fora da localidade, onde os arbustos do deserto atravessam a estrada como nos
westerns,
Portugal encontrava o local onde iria preparar a presença no grupo F do mundial mexicano.
Tudo o que podia correr mal, correu ainda pior
Paulo Futre era então a jovem esperança da equipa de todos nós.
Como reza o adágio popular: «
tudo o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita», e a verdade, é que uma vez chegada ao México, a delegação portuguesa foi de incidente em incidente até a desgraça final, como se a presença portuguesa no mundial de 1986, fosse retirada de um manual de ilustração da «Lei de Murphy».
Em Lisboa falava-se das deploráveis instalações e condições de treino. Não se encontrava um adversário com quem treinar, a direção da FPF fica na capital mexicana - a mais de mil quilómetros de distância da equipa - Não acompanhando os jogadores num longo e extenuante estágio, provocando mal estar na equipa.
O moral desce e a comicidade atinge tons absurdos quando finalmente encontram um adversário para enfrentar
Portugal: os empregados de bares e hotéis de Saltillo entram em campo para defrontar a Seleção Nacional num jogo hilariante onde não faltou o facto de o campo ser inclinado e a bola descair sempre na marcação de faltas, cantos ou livres…
A greve
Uma semana antes da estreia rebenta a bomba. Os jogadores exigem um aumento da diária e dos prémios de jogo, além de uma percentagem da publicidade ou então ameaçam com a greve. A FPF não cede, Silva Resende e a direção continuam na Cidade do México, deixando o problema nas mãos dos funcionários da delegação.
Portugal assiste em suspenso às conferências de imprensa conjunta dos jogadores. Os dados estavam lançados...
Fernando Gomes na histórica vitória sobre a Inglaterra no jogo de estreia no mundial.
De Saltillo chegam apelos para Silva Resende, mas o Presidente da FPF recusa-se a dialogar com os jogadores, e na longínqua Cidade do México limita-se a assistir a tudo, incumbindo outros de acabarem com a revolta de Saltillo. Os dirigentes consideram-se incapazes de resolver a crise, o treinador não sabe o que fazer e entretanto, as mulheres de Saltillo descobrem os encantos dos jogadores portugueses, que começam a desaparecer na noite de Saltillo, correndo sérios riscos em algumas situações.
Polémica em Lisboa
Como consequência da posição da direção da FPF, os jogadores entram em greve e recusam-se a treinar. Divertem-se em festas e jantares e o escândalo chega à Assembleia da República que pede comedimento e bom comportamento aos jogadores. Alguns partidos de direita exigem o regresso a casa dos jogadores, como castigo por envergonharem a pátria, chegando a haver quem gritasse bem alto no plenário de São Bento, que só a conquista do Campeonato do Mundo podia fazer esquecer a triste figura que as cores nacionais deixavam no México.
O Governo reage através de comunicado e até o Presidente da República de então, o Dr. Mário Soares, apela ao bom senso dos jogadores, sem contudo discordar das pretensões laborais dos jogadores nacionais. Cavaco Silva, o então Primeiro-ministro, mantém o mais profundo silêncio sobre o tema.
As «chicas» de Saltillo
O Mundo assiste atónito e
Bobby Robson treinador da Seleção inglesa, que se encontrava a estagiar também em Saltillo, confessa que nunca pensou assistir a tal cena na fase final de um mundial. Do outro lado da estrada, guardados por um aparato policial que fazia lembrar um forte, os ingleses olhavam incrédulos para a algazarra e festa que continuava no hotel dos portugueses.
«Portugal! Las chicas de Saltillo te apoyan! O cartaz que era o rosto do sucesso que a equipa portuguesa teve entre a comunidade feminina da cidade mexicana.
Os jogadores organizavam festas e convidaram as mulheres e meninas de Saltillo, a juntarem-se à seleção no baile das estrelas na discoteca do hotel.
As mulheres da cidade e arredores, acorrem em peso ao evento, e diz quem presenciou o momento, que nunca mais pode esquecer tal festa, os casais surgidos durante a noite, e a pista deserta, com a equipa técnica sentada a um canto, incapaz de impedir o que acontecia.
Dias depois,
Portugal finalmente entrava em competição, e contra todos os prognósticos,
Portugal venceria a Inglaterra na estreia (1x0), mas a lesão de Bento - substituído por Damas - deixou a seleção órfão do líder e sem voz de comando.
Portugal perderia com a Polónia (0x1) e com Marrocos (1x3), e tirando as «chicas» de Saltillo que apoiavam a equipa das quinas, os «Infantes» voltaram para casa, sem coroa e sem glória, acusados por tudo e por todos.