Mundial de 1982, Espanha, Estádio José Zorrilla (Valladolid), 21 de junho. De um simples jogo de futebol para um dos maiores insólitos da história do desporto-rei. O dia em que Sheikh do Kuwait, Fahad Al-Ahmand Al-Sabah, invadiu o campo do França x Kuwait para protestar um fora-de-jogo. A maior supresa? O golo que acabou mesmo por ser anulado...
Contexto político
O Kuwait atravessava um período de tensão a nível político devido, sobretudo, ao país vizinho, Irão, cuja revolução de 1979 ainda deixava profundas marcas. Para além disso, a posição estratégica dos Estados Unidos da América no Iraque despoletou um conflito armado com o Irão, e o Kuwait, inserido geograficamente entre as duas nações, optou por apoiar a causa iraquiana.
Assim, com a militarização do governo do Kuwait pelo próprio Iraque, algo que durou cerca de uma década, praticamente todos os setores ficaram destinados a generais. No desporto, quem assumiu o cargo foi Al-Sabah, profundo apaixonado que fundou o Comité Olímpico do Kuwait, do qual se tornou presidente.
O apuramento para o Mundial de 1982 (primeiro e único até aos dias de hoje) foi alcançado em grande parte devido ao investimento de Al-Sabah, com a tarefa árdua de ocupar uma das duas vagas reservadas a Ásia e Oceania (a Nova Zelândia reservou a outra).
O jogo
Decorria a segunda jornada da fase de grupos e o duelo do dia colocava a poderosa França de Michel Hidalgo frente ao estreante Kuwait orientado por Carlos Alberto Parreira. Os franceses, liderados pela figura de Michel Platini, procuravam os primeiros três pontos após a derrota por 3x1 frente à Inglaterra, ao passo que os kuwaitianos estavam moralizados com o empate (1x1) diante da Checoslováquia de Panenka e companhia.
Os gauleses não demoraram a transportar o favoritismo para dentro de campo e aos 31 minutos de jogo abriram o marcador através de um livre direto da autoria Genghini. Um pouco mais tarde, Plantini ampliou a vantagem na sequência de uma excelente desmarcação, levando o 2x0 para o intervalo.
Na segunda parte, a seleção francesa não tirou o pé do acelerador e foram preciso apenas três minutos para Didier Six aumentar a vantagem, reduzida aos 75' por Al-Buloushi. E depois...
A invasão
... Um passe fenomenal de Platini desmarcou Giresse, que fuzilou a baliza defendida por Ahmad Al Tarabilsi para o 4x1. O lance deu que falar e os jogadores do Kuwait rapidamente se fizeram ouvir, queixando-se ao árbitro do encontro, Myroslav Stupar, que o golo fora marcado em posição irregular.
Quando tudo parecia uma situação de discórdia típica, o insólito aconteceu. Sheik Al-Sabah, inconformado com a decisão do juiz soviético, e já depois de ter ordenado a retirada aos jogadores, desceu até ao relvado, acompanhado por dezenas de militares kuwaitianos, alegando que os seus jogadores ouviram um apito e que, por isso, pararam de pressionar, pelo que o golo deveria ser anulado.
Após todo o espalhafato e toda a confusão gerada por um golo que foi completamente legal, Myroslav Stupar decidiu anulá-lo, mesmo sabendo da decisão inicial, por temer pela sua vida. Depois de comunicada a decisão, Al-Sabah voltou para a tribuna e a partida recomeçou, com os franceses incrédulos e sem reação perante o sucedido. Golo anulado, golo reposto e a turma gaulesa a acabou mesmo por fazer (e confirmar) o quarto aos 89 minutos, por intermédio de Maxime Bossis.
No dia seguinte, Myroslav Stupar foi suspenso pela FIFA e Fahad Al-Sabah não se livrou de uma multa pesada por todo o espalhafato causado, acusando mesmo o organismo de estar «dominado pela máfia». Esta é a história de um dos momentos mais surreais da história do futebol...
4-1 | ||
Bernard Genghini 31' Michel Platini 43' Didier Six 48' Maxime Bossis 89' | Abdullah Al-Buloushi 75' |