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    2022/07/16
    E3
    «Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

    * Chefe de Redação 

    O sacrilégio é recitado instintivamente, verão após verão. O reforço chega de longe, normalmente da América do Sul, e repete a ladainha.

    «Estou muito feliz por assinar pelo [insira o nome], vai servir de trampolim para um clube ainda maior.»

    Em 2022, no âmago da era digital, há futebolistas a persistirem nesta ofensa. Sim, isto é uma ofensa aos adeptos do clube que recebe o suposto craque.

    Não sei se é irresponsabilidade, ingenuidade, ignorância ou soberba. Mas acontece, ainda e sempre.

    Dou o exemplo de Enzo Fernández, apenas por ser o mais recente – certamente, não o último.

    O rapaz parte de Buenos Aires, excelente jogador, e o que lhe passa pela cabeça é isto: dizer que, sim senhor, está muito feliz por ir para o Benfica e que o Benfica é um ponto de passagem para algo maior.

    Ora, imaginemos isto na vida real, aquela que se vive fora das quatro linhas.

    «A minha mulher? Adoro-a, acredito que pode ajudar-me a chegar a uma ainda melhor.»

    Sem sentido e profundamente ofensivo, certo? Estamos todos de acordo, a nossa mulher é sempre a melhor. 

    Vivemos dias perigosos. Doentios. O futebol aparenta ser, aliás, algo de somenos relevância. Uma pandemia, uma guerra, sociedades polarizadas e apoiadas na estupidez de extremos políticos, tanta coisa a assustar-nos.

    Talvez por isso, o jogo que amamos nos faça tão bem. Queremos acariciá-lo, sussurrar-lhe ao ouvido, dizer-lhe que ainda é o que idealizámos nos anos 80 e 90 – a minha geração.

    Sentimos essa falta de pertença. Os jogadores entram e saem rapidamente das equipas, os miúdos destacam-se no primeiro ano nos seniores e já saltam para os monstros europeus, é honestamente raro identificar fidelidade e lealdade a um emblema. Cada vez mais.

    São estes os nossos tempos. Já não há o João Pinto, o André e o Jaime Magalhães, o Pietra, o Diamantino e o Nené, o Venâncio, o Manuel Fernandes e o Vítor Damas, gente capaz de levar para a relva as sensações da malta que não pode passar do cimento das bancadas.

    Por tudo isto, a responsabilidade do discurso público é maior. Assinar por um clube e estar a falar já do próximo é a versão desportiva do prazer precoce.

    Juízo, cabeça e aconselhamento, é o que se exige a quem chega. Se os futebolistas não têm sensibilidade para perceber isto, a comunicação dos clubes tem o dever de lhes ensinar o beabá da decência.



    Comentários

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    motivo:
    Enzo e a falta de respeito
    2022-07-16 22h36m por FutebolMaravilha1
    É isso mesmo, ainda por cima tratando-se de uma instituição como é o Benfica. É só ridículo chegar e estar logo a falar da saída, uma falta de respeito e noção enormes
    Futebol não é (só) lirismo
    2022-07-16 22h04m por Besteirense
    Pior do que alguém dizer abertamente que "adora a sua mulher, pode ajudar-lo a chegar a uma ainda melhor", é não dizê-lo e continuar a pensá-lo.

    Só os líricos do ponta-pé na bola esperam que os jogadores se queiram contentar com a periferia europeia quando têm qualidade para outros voos. Acho muito bem que o Enzo diga para o que vem. E, aliás, se ele e qualquer outro quiserem dar o salto de um clube que vende caro para um clube melhor, nada melhor do que dar tudo em campo....ler comentário completo »

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