Não será, certamente, surpreendente que se diga que, nestes tempos, nem passa pela cabeça da maioria das pessoas a bola. Esta é, no fundo, a demonstração mais cabal da veracidade da frase “o futebol é a coisa mais importante das menos importantes”.
Ao ver as capas recentes dos desportivos, não deixa de me causar estranheza a sensação de dissociação que tenho. Parece-me algo estrangeiro, extraterrestre. Não me importa, é vazio, quando estou preocupado com os meus, com os frágeis e fracos que me rodeiam, com a gestão dos empregos e da linha que todos temos de traçar no combate contra este inimigo invisível.
Que tipo de preocupação terei eu sobre um desfecho de um campeonato, quem fica em primeiro ou segundo, quando e como se processam as eleições do meu clube, as listas, as campanhas e afins?
Como falar das contratações, das vendas e de se vai ou fica este ou aquele, quando o meu pensamento diário, permanente, tatuado na minha mente e coração, ou está no trabalho que vou conseguindo fazer, trancado em casa, ou vai para as curvas exponenciais, os raciocínios pessimistas ou optimistas daquilo que poderá ser um terror injustificado ou um wishful thinking pateta?
Não consigo. Olho para as capas e nada. Às vezes esboço um sorriso trocista, como que achando que ali está uma espécie de qualquer comic relief que vem de um qualquer multiverso da DC ou simplesmente de gente que está, também ela, a querer manter o seu emprego.
A quem, à parte dos que vivem e trabalha no ramo, poderá, de facto, tirar o sono saber a ordem dos factores e das posições, a distribuição de calendários por cenários de meses, estações e mercados de verão? Não sei. Não critico, apenas não consigo, em sã consciência, dizer-me incomodado.
Não estou. Medito, contudo, naquilo que é a alegria de viver na acalmia, quando ditas problemáticas aquecem o sangue, fervem a alma, são as batalhas dos moinhos quixotescos que nos fazem perder horas em discussões pueris e, no fundo, são um prazer sublime.
Não me sinto com esse luxo. Ou então, estou apenas focado no essencial. Na verdade, apenas terei mudado de filtro, onde a tinta, a cor, o pixel em que são escritas estas novas do desporto se tornam, na verdade, translúcidas, desbotadas, quem sabe, até, transparentes.
Anseio pelo dia em que a minha alma volte a ferver com a importância da mais fundamental das menos fundamentais paixões. Será o dia em que encontrarei, de novo, o doce planalto da normalidade.
Jorge Vassalo