Se em Inglaterra o Wolverhampton é o clube mais português do país e do próprio Reino Unido há alguns anos, na Suíça, país onde o sangue lusitano é espesso devido ao histórico de emigração, surgiu um caso semelhante esta temporada. Na segunda divisão, ou Challenge League, está o gigante Grasshoppers, o mais titulado de todo o futebol helvético, pronto para reerguer-se e voltar aos tempos de glória.
São 28 títulos de campeão, 19 Taças, duas Taças da Liga e cinco velhinhas Taças Intertoto num museu que não recebe outro troféu desde 2012/13, mas foi em 2018/19 que a formação de Zurique bateu no fundo. Por muito que a despromoção pairasse no ar épocas antes, o clube, vítima de gestão danosa, acabou por cair ao fim de 68 anos consecutivos no principal escalão do futebol suíço, terminando no último lugar a 12 (!) pontos do penúltimo, Neuchâtel Xamax, e deteriorando a relação com a sua fervorosa massa adepta.De cara lavada, o Grasshoppers, com novos proprietários, está decidido a regressar aos grandes palcos e, depois de ter falhado a subida de divisão na época transata, recorreu aos serviços de um português: João Carlos Pereira é a cara de um projeto ambicioso que pretende, num curto espaço de tempo, «lutar por títulos e por lugares europeus» na I Liga e que, para isso, conta com uma pequena armada lusa no plantel: Miguel Nóbrega, Euclides Cabral, Tote Gomes, André Santos, Nuno Pina e Cristian Ponde, para além dos bem conhecidos do nosso futebol como Nadjack, Léo Bonatini e Dadashov.
Em conversa com o zerozero, o técnico, que deixou o comando da Académica no fim de 2019/20 para assumir o atual líder da Challenge League, abriu o livro e abordou vários temas, desde o projeto que lhe foi apresentado ao estado atual do futebol suíço, que já conhecia bem.
ZEROZERO: Explique-me: esteve seis anos no Catar, volta a Portugal para assumir a Académica, onde faz sensivelmente meia época de ótimo nível, e... torna a emigrar. Tomou-lhe o gosto de trabalhar no estrangeiro?
João Carlos Pereira: [risos] Não necessariamente… Não quero fazer juízos de valor porque não faria muito sentido. Para mim, futebol é futebol e, independentemente de ser fora ou dentro de Portugal, temos de perceber que é um fenómeno a uma escala global e as nossas carreiras são portáteis, isto é, temos de estar preparados para ir para onde quer que seja. Do ponto de vista pessoal e familiar tinha planeado a minha vida, depois dos vários anos no Catar, em Portugal. Queria voltar e continuar a minha carreira porque acho que tenho muita coisa para alcançar e muito trabalho para fazer, pelo que os projetos, as ideias e os desafios movem-me sempre. A verdade é que estava muito bem na Académica. Uma vez mais, adorei trabalhar lá. É um clube especial, um clube diferente. Só que, às vezes, os projetos aparecem-nos e, quando nos caem determinadas coisas nas mãos, temos de as equacionar e foi isso que eu fiz. Como já estou treinado [risos], e mesmo tendo refletido um pouco, que na verdade não precisei de o fazer profundamente, decidi aceitar a proposta.
ZZ: Ou seja, o convite do Grasshoppers foi irrecusável…
ZZ: Portanto, falamos de um projeto com objetivos imediatos, mas que requer continuidade.
JCP: Exato. É um projeto a longo prazo, mas que só faz sentido se a curto/médio prazo atingir aquilo que é pretendido: a subida de divisão. Naturalmente, um clube destes não pode estar na II Liga, tendo em conta as infraestruturas e recursos disponíveis. De modo a potenciar tudo isso, só faz sentido se estiver na I Liga. Esse é o maior desafio, mas o projeto não se esgota a curto prazo, porque precisa de continuidade. Por isso é que o meu contrato prevê a continuidade…
ZZ: Assinou por quantas temporadas?
5 | Intertoto Cup |
1979, 1988, 1989, 1991, 1994 | |
28 | Liga Suiça |
1897/98, 1899/00, 1900/01, 1904/05, 1920/21, 1926/27, 1927/28, 1930/31, 1936/37, 1938/39, 1941/42, 1942/43, 1944/45, 1951/52, 1955/56, 1970/71, 1977/78, 1981/82, 1982/83, 1983/84, 1989/90, 1990/91, 1994/95, 1995/96, 1997/98, 1998/99, 2000/01, 2002/03 | |
19 | Schweizer Cup |
1925/26, 1926/27, 1931/32, 1933/34, 1936/37, 1937/38, 1939/40, 1940/41, 1941/42, 1942/43, 1945/46, 1951/52, 1955/56, 1982/83, 1987/88, 1988/89, 1989/90, 1993/94, 2012/13 | |
2 | Schweizer League Cup |
1972/73, 1974/75 |
ZZ: São vários os portugueses no plantel, sem contar com equipa técnica, e, por isso, suponho que tenha sido obra sua...
JCP: Sim, sou parte integrante do projeto e provavelmente uma parte bastante importante. De qualquer das formas, eu quase que diria que nenhum destes jogadores foi proposto por mim. São jogadores surgiram em cima da mesa e eu dei o aval, naturalmente.
ZZ: O facto de falarem a mesma língua é importante?
JCP: É, mas não é determinante. Não sou fundamentalista ao ponto de dizer que ‘são portugueses e por isso são bons’. Longe disso. Acho que a certificação da qualidade não tem nacionalidade. Há bons jogadores, outros menos bons, uns de excelência e outros muito fracos [risos], mas queríamos constituir um plantel que conseguisse aliar alguma maturidade à juventude. O critério da qualidade é importante tal como o do equilíbrio do plantel de modo a juntarmos as peças para elas encaixarem.
ZZ: O Grasshoppers é líder da Challenge League (5 V, 1 E, 2 D). Ter vários jogadores que falam a mesma língua facilita o trabalho do treinador e ajuda na conquista de bons resultados?
JCP: Facilita, mas acho que, acima de tudo, nós treinadores, nesta indústria global onde estamos inseridos, temos de ter determinadas valências. Algumas delas relacionadas com a mentalidade, a capacidade de adaptação, a resiliência, encontrar soluções em momentos de adversidade… Depois existem outras valências técnicas como o conhecer o futebol globalizado, com diferentes matrizes. Eu já trabalhei em muitos países, em contextos diversos e tenho acompanhado o futebol em todo o mundo. Isso permitiu-me dominar alguns aspetos técnicos que me podem ajudar a tomar melhores decisões. Ora, uma dessas é a comunicação. Hoje tenho capacidade para comunicar com diferentes tipos de jogadores, de diferentes origens culturais, de várias idiossincracias… Claro que tendo jogadores que falam a minha língua materna também me ajuda a comunicar de uma forma mais eficiente, mas a bagagem que eu já consegui acumular permite-me comunicar com atletas de outros quadrantes socio-geográficos. Cheguei a trabalhar em contextos com 18 nacionalidades, por exemplo. Não é só a língua, é preciso perceber a cultura, a forma como encara a vida, a forma como reage a uma determinada situação… Tudo isso conta.
ZZ: Recuando e comparando com 2012/13, quando treinou o Servette, que diferenças encontrou no futebol suíço?
ZZ: A nossa segunda liga tem quase o dobro das equipas… A discrepância é muito por aí?
JCP: Aqui existe essa discrepância entre uns e outros em termos de estatuto e em termos financeiros, mas, no geral, são clubes bem organizados…. Ultimamente, não tenho ouvido falar em salários em atrasos nem nada parecido. Pode acontecer de forma pontual, mas a legislação regulamenta bem esses casos. As equipas estão, realmente, muito equilibradas e o facto de jogarmos a quatro voltas faz com que todas se conheçam muito bem. Há uma grande diferença de jogar duas vezes e jogar quatro, pelo que o nosso campeonato vai ter quase 40 jogos. Vai ser longo e quanto mais regulares formos mais probabilidades temos de ter sucesso. São particularidades diferentes, não diria que é melhor ou pior.
ZZ: Como analisa o seu Grasshoppers? O que há para melhorar e para chegar ao título?
ZZ: Espero que da próxima vez que falarmos já seja com o título de campeão no currículo...
JCP: [risos] Espero que sim! Vamos ver. Não vai ser nada fácil e nós já o sentimos. Temos duas derrotas seguidas fora de casa em sintéticos e temos cinco adversários com sintéticos, ou seja, vamos jogar 10 partidas nesse tipo de relvado. Temos de nos adaptar, mesmo sabendo que são muitas jornadas. Em casa somos muito mais fortes porque temos um estádio maior… Mas o facto de não haver público também nos penaliza bastante, uma vez que temos uma massa adepta muito grande.