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João Carlos Pereira falou com o zerozero

O clube mais português da Suíça é gigante e líder: «Não pode estar na II Liga»

2020/11/20 10:10
E3

Se em Inglaterra o Wolverhampton é o clube mais português do país e do próprio Reino Unido há alguns anos, na Suíça, país onde o sangue lusitano é espesso devido ao histórico de emigração, surgiu um caso semelhante esta temporada. Na segunda divisão, ou Challenge League, está o gigante Grasshoppers, o mais titulado de todo o futebol helvético, pronto para reerguer-se e voltar aos tempos de glória.

João Carlos Pereira
2020/2021

9 Jogos
6 Vitórias
1 Empates
2 Derrotas

17 Golos
12 Golos sofridos

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São 28 títulos de campeão, 19 Taças, duas Taças da Liga e cinco velhinhas Taças Intertoto num museu que não recebe outro troféu desde 2012/13, mas foi em 2018/19 que a formação de Zurique bateu no fundo. Por muito que a despromoção pairasse no ar épocas antes, o clube, vítima de gestão danosa, acabou por cair ao fim de 68 anos consecutivos no principal escalão do futebol suíço, terminando no último lugar a 12 (!) pontos do penúltimo, Neuchâtel Xamax, e deteriorando a relação com a sua fervorosa massa adepta.

De cara lavada, o Grasshoppers, com novos proprietários, está decidido a regressar aos grandes palcos e, depois de ter falhado a subida de divisão na época transata, recorreu aos serviços de um português: João Carlos Pereira é a cara de um projeto ambicioso que pretende, num curto espaço de tempo, «lutar por títulos e por lugares europeus» na I Liga e que, para isso, conta com uma pequena armada lusa no plantel: Miguel Nóbrega, Euclides Cabral, Tote Gomes, André Santos, Nuno Pina e Cristian Ponde, para além dos bem conhecidos do nosso futebol como Nadjack, Léo Bonatini e Dadashov.

Em conversa com o zerozero, o técnico, que deixou o comando da Académica no fim de 2019/20 para assumir o atual líder da Challenge League, abriu o livro e abordou vários temas, desde o projeto que lhe foi apresentado ao estado atual do futebol suíço, que já conhecia bem.

ZEROZERO: Explique-me: esteve seis anos no Catar, volta a Portugal para assumir a Académica, onde faz sensivelmente meia época de ótimo nível, e... torna a emigrar. Tomou-lhe o gosto de trabalhar no estrangeiro?
 
João Carlos Pereira: [risos] Não necessariamente… Não quero fazer juízos de valor porque não faria muito sentido. Para mim, futebol é futebol e, independentemente de ser fora ou dentro de Portugal, temos de perceber que é um fenómeno a uma escala global e as nossas carreiras são portáteis, isto é, temos de estar preparados para ir para onde quer que seja. Do ponto de vista pessoal e familiar tinha planeado a minha vida, depois dos vários anos no Catar, em Portugal. Queria voltar e continuar a minha carreira porque acho que tenho muita coisa para alcançar e muito trabalho para fazer, pelo que os projetos, as ideias e os desafios movem-me sempre. A verdade é que estava muito bem na Académica. Uma vez mais, adorei trabalhar lá. É um clube especial, um clube diferente. Só que, às vezes, os projetos aparecem-nos e, quando nos caem determinadas coisas nas mãos, temos de as equacionar e foi isso que eu fiz. Como já estou treinado [risos], e mesmo tendo refletido um pouco, que na verdade não precisei de o fazer profundamente, decidi aceitar a proposta.

ZZ: Ou seja, o convite do Grasshoppers foi irrecusável…

Técnico treinou o Servette em 2011/12 ©Grasshopper
JCP: Considerei irrecusável pelo clube que é e pelo desafio que é… Falamos do clube mais titulado da Suíça e que está localizado no centro da Europa. Um clube que tem muitos títulos, um percurso histórico inegável e que há duas épocas caiu na II Liga, sendo que o objetivo era a subida imediata. Infelizmente não o conseguiu. A existência daquele interregno pós-pandemia não beneficiou ninguém e o convite surge porque há a aquisição do clube por parte de novos proprietários com uma visão diferente. Não são suíços, não querem perder a identidade e a imagem que o Grasshoppers construiu ao longo destes anos todos e têm muita ambição para o projeto. Queriam um treinador com uma ideia de jogo ofensiva, positiva, que tivesse ideias progressistas em relação ao jogo, como intensidade, critério e domínio. Para além disso, tendo em conta os muitos jovens no plantel e a boa formação queriam alguém tivesse impacto na evolução dos jogadores. Em suma, tinham um perfil de treinador bem definido, fizeram o trabalho de pesquisa e chegaram até mim. Achei interessante o projeto que me foi apresentado. É um clube com um enquadramento social bastante interessante e vantajoso. Está localizado num centro urbano diferenciado… Zurique é uma cidade espetacular.

ZZ: Portanto, falamos de um projeto com objetivos imediatos, mas que requer continuidade.

JCP: Exato. É um projeto a longo prazo, mas que só faz sentido se a curto/médio prazo atingir aquilo que é pretendido: a subida de divisão. Naturalmente, um clube destes não pode estar na II Liga, tendo em conta as infraestruturas e recursos disponíveis. De modo a potenciar tudo isso, só faz sentido se estiver na I Liga. Esse é o maior desafio, mas o projeto não se esgota a curto prazo, porque precisa de continuidade. Por isso é que o meu contrato prevê a continuidade…

ZZ: Assinou por quantas temporadas?

JCP: Eu tenho um contrato em aberto. É até acharmos que o clube não está satisfeito comigo ou vice-versa. Isto é, se estivermos todos satisfeitos, posso ficar dois, três, quatro, cinco épocas… Já sabemos que no futebol ficar duas épocas no mesmo clube é algo cada vez mais raro. No fundo, podemos desenvolver um trabalho diferenciado e de alta qualidade, mas, correndo alguma coisa mal, tudo pode cair por terra. Temos de estar preparados para esse tipo de desfechos. A intenção, minha e da administração, era e é a de abraçar um projeto que nos fizesse crescer juntos e por isso há muita ambição. Queremos subir de divisão este ano, na época seguinte estarmos na parte superior da tabela da I Liga e daqui a duas, três épocas lutarmos por títulos e pelas competições internacionais. É esse o nosso objetivo, mas só faz sentido se conseguirmos a promoção esta época. Neste momento estamos numa posição privilegiada, mas o nosso trabalho não tem sido fácil porque temos sofrido muitas adversidades. Felizmente, os resultados têm aparecido embora nem sempre com a regularidade exibicional que pretendíamos. Estou confiante, ainda assim, que com maior ou menor dificuldade vamos conseguir o objetivo que traçámos. 

ZZ: São vários os portugueses no plantel, sem contar com equipa técnica, e, por isso, suponho que tenha sido obra sua...

JCP: Sim, sou parte integrante do projeto e provavelmente uma parte bastante importante. De qualquer das formas, eu quase que diria que nenhum destes jogadores foi proposto por mim. São jogadores surgiram em cima da mesa e eu dei o aval, naturalmente.

ZZ: O facto de falarem a mesma língua é importante?

JCP: É, mas não é determinante. Não sou fundamentalista ao ponto de dizer que ‘são portugueses e por isso são bons’. Longe disso. Acho que a certificação da qualidade não tem nacionalidade. Há bons jogadores, outros menos bons, uns de excelência e outros muito fracos [risos], mas queríamos constituir um plantel que conseguisse aliar alguma maturidade à juventude. O critério da qualidade é importante tal como o do equilíbrio do plantel de modo a juntarmos as peças para elas encaixarem.  

ZZ: O Grasshoppers é líder da Challenge League (5 V, 1 E, 2 D). Ter vários jogadores que falam a mesma língua facilita o trabalho do treinador e ajuda na conquista de bons resultados?

JCP: Facilita, mas acho que, acima de tudo, nós treinadores, nesta indústria global onde estamos inseridos, temos de ter determinadas valências. Algumas delas relacionadas com a mentalidade, a capacidade de adaptação, a resiliência, encontrar soluções em momentos de adversidade… Depois existem outras valências técnicas como o conhecer o futebol globalizado, com diferentes matrizes. Eu já trabalhei em muitos países, em contextos diversos e tenho acompanhado o futebol em todo o mundo. Isso permitiu-me dominar alguns aspetos técnicos que me podem ajudar a tomar melhores decisões. Ora, uma dessas é a comunicação. Hoje tenho capacidade para comunicar com diferentes tipos de jogadores, de diferentes origens culturais, de várias idiossincracias… Claro que tendo jogadores que falam a minha língua materna também me ajuda a comunicar de uma forma mais eficiente, mas a bagagem que eu já consegui acumular permite-me comunicar com atletas de outros quadrantes socio-geográficos. Cheguei a trabalhar em contextos com 18 nacionalidades, por exemplo. Não é só a língua, é preciso perceber a cultura, a forma como encara a vida, a forma como reage a uma determinada situação… Tudo isso conta.

Equipa está embalada no primeiro lugar ©Grasshopper

«A II Liga é bastante equilibrada, talvez mais do que a portuguesa»

ZZ: Recuando e comparando com 2012/13, quando treinou o Servette, que diferenças encontrou no futebol suíço?

André Santos é o mais experiente dos portugueses do plantel ©Grasshopper
JCP: O futebol suíço tem evoluído bastante, desde o tempo que estive cá. Na altura em que treinei o Servette (2011/12), havia uma geração a despontar e que conseguiram feitos importantes para o futebol suíço. Jogadores como o Granit Xhaka, do Arsenal, o Shaqiri, do Liverpool, o Frei… Neste momento há uma nova fornada que está a dar continuidade. Acho que a Suíça tem uma vantagem, pois consegue congregar, no seu território, jogadores oriundos de várias zonas geográficas da Europa. Existem enormes comunidades de portugueses, italianos, alemães, albaneses, países da antiga Jugoslávia… Filhos de emigrantes com algumas gerações de permanência no país. Tudo isto faz com que esta riqueza futebolística/desportiva se torne importante. E depois, claro, é o país onde está localizada a FIFA, por exemplo. São muito organizados, vê-se a influência deste lado alemão em relação ao detalhe, ao critério… Isso influencia a mentalidade e a disciplina dos jogadores. Aqui, os jogadores são muito disciplinados, gostam muito de trabalhar e aprender. Isso faz com que o futebol suíço tenha evoluído bastante e acho que a tendência é progressiva. A II Liga aqui é bastante equilibrada, provavelmente ainda mais do que a portuguesa. São dez equipas que jogam a quatro voltas e, neste momento, falta uma jornada para acabar a primeira volta. Diria que oito das dez equipas, em termos de qualidade, têm condições para subir de divisão.  

ZZ: A nossa segunda liga tem quase o dobro das equipas… A discrepância é muito por aí?

JCP: Aqui existe essa discrepância entre uns e outros em termos de estatuto e em termos financeiros, mas, no geral, são clubes bem organizados…. Ultimamente, não tenho ouvido falar em salários em atrasos nem nada parecido. Pode acontecer de forma pontual, mas a legislação regulamenta bem esses casos. As equipas estão, realmente, muito equilibradas e o facto de jogarmos a quatro voltas faz com que todas se conheçam muito bem. Há uma grande diferença de jogar duas vezes e jogar quatro, pelo que o nosso campeonato vai ter quase 40 jogos. Vai ser longo e quanto mais regulares formos mais probabilidades temos de ter sucesso. São particularidades diferentes, não diria que é melhor ou pior.

ZZ: Como analisa o seu Grasshoppers? O que há para melhorar e para chegar ao título?

Miguel Nóbrega, emprestado pelo Benfica, faz parte da armada lusa ©Grasshoppers
JCP: Temos uma equipa, talvez a mais jovem do campeonato. Alguns adversários têm praticamente o mesmo plantel e até o mesmo treinador há diversas épocas, o que é uma grande vantagem. Nós fizemos uma equipa nova, em que a média de idades é muito baixa. Somos uma equipa que está em processo de evolução, ao contrário do Winterthur ou o Schaffhausen, por exemplo. São conjuntos que já têm um rendimento consistente e nós ainda procuramos o nosso caminho. Temos uma ideia clara do que pretendemos e uma identidade também. Mas fruto da nossa juventude, nem sempre somos uma equipa regular. Corremos sempre o risco de alguns erros individuais comprometerem resultados… Algo que é normal.

Lembro-me que há uns bons anos atrás, o Rui Patrício foi lançado ainda muito novo na primeira equipa do Sporting e os adeptos sabiam que tinha um guarda-redes de elevado potencial, mas que era um risco. O Sporting sentiu, naquela altura, o peso do risco porque num ou outro jogo perderam pontos. Quando apostamos e sabemos os riscos que corremos nesse percurso, tudo fica mais fácil, até porque as pessoas sabem que têm de rentabilizar melhor os ativos e obrigam os jogadores a crescerem mais rápido. Nós quando compusemos o plantel também tivemos essa preocupação, ou seja, ir à procura de jogadores que nos pudessem acrescentar valor no capítulo da maturidade competitiva. Uma coisa é jogarmos 20 jogos decisivos durante um campeonato e outra é ter que jogar o dobro. Aqui são todos importantes. Jogar contra o Grasshoppers é diferente de jogar contra o Wil ou o Chiasso e todos os adversários defrontam-nos como se fosse o jogo da vida deles. As equipas ditas grandes têm é de estar preparadas para isso. Nós fazemos isto com jogadores com 19, 20 ou 21 anos a atuarem como titulares, mas não nos podemos queixar porque sabemos que são jogadores com talento e que certamente vamos ajudá-los a atingir patamares elevados de rendimento. 

ZZ: Espero que da próxima vez que falarmos já seja com o título de campeão no currículo...

JCP: [risos] Espero que sim! Vamos ver. Não vai ser nada fácil e nós já o sentimos. Temos duas derrotas seguidas fora de casa em sintéticos e temos cinco adversários com sintéticos, ou seja, vamos jogar 10 partidas nesse tipo de relvado. Temos de nos adaptar, mesmo sabendo que são muitas jornadas. Em casa somos muito mais fortes porque temos um estádio maior… Mas o facto de não haver público também nos penaliza bastante, uma vez que temos uma massa adepta muito grande. 

Portugal
João Carlos Pereira
NomeJoão Carlos Serra Ferreira Pereira
Nascimento/Idade1965-04-11(59 anos)
Nacionalidade
Portugal
Portugal
Dupla Nacionalidade
Angola
Angola
FunçãoTreinador

Fotografias(18)

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Comentários

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motivo:
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2020-11-20 17h36m por Butcher
LOL
Grasshoppers, Wolves, Manhester City, Li
2020-11-20 15h45m por CapitaoHaddock
Realmente é sempre bom ver equipas com muitos portugueses. . .

Em Portugal já vai faltando, vá-lha nos as equipas estrangeiras, como o Grasshoppers, Wolves, Manhester City, Lille, etc. . .
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