Nos primeiros dias de julho de 2022, Bruno Dias abria o coração ao zerozero para falar sobre o «maior desafio» da sua carreira. O histórico Belenenses bateu-lhe à porta para lançar um convite irrecusável: liderar o sonho do regresso aos campeonatos profissionais. Dez meses depois, esse mesmo sonho tornou-se realidade.
Bruno Dias Liga 3 Série B 2022/23 |
Dezasseis anos depois da última presença num dos palcos mais icónicos do futebol português, o Belenenses não conseguiu colocar a cereja no topo do bolo, mas na retina fica a memória e a cara das pessoas que trilharam o caminho das pedras, da última divisão distrital até ao regresso à Segunda Liga.
Ainda no rescaldo de um rol de emoções, Bruno Dias volta a abrir a porta ao zerozero para falar sobre a subida, a experiência adquirida num contexto de enorme exigência e ainda sobre a conversa que tem prometida com o presidente Patrick Morais de Carvalho.
zerozero (ZZ): Na entrevista ao nosso site antes do início da época o Bruno disse: "Eu ainda não faço parte da história [do Belenenses]". Agora, com esta subida de divisão, já sente que faz parte da história?
Bruno Dias (BD): Acho que, hoje, é impossível dizer que o meu nome não está na história do Belenenses. É algo que vai ficar marcado para o resto da vida. Estamos a falar de uma subida histórica, num clube único, que fez um caminho incrível. É a quinta subida de divisão e há muitos outros responsáveis que estão na história. Agora, obviamente, todos os que participaram este ano têm o seu nome gravado na história como aqueles que conseguiram levar o Belenenses para onde nunca devia ter saído, os campeonatos profissionais. Estamos muito satisfeitos, porque considero que fizemos uma época estratosférica.
BD: A qualidade dos jogadores, a união e a simbiose muito grande, principalmente na fase final, que houve entre o grupo de trabalho e os adeptos do Belenenses. Aquilo que fui, sistematicamente, chamando de Mar Azul foi crescendo, jornada após jornada. Houve alguém que acreditou neste desfecho e teve a capacidade de contagiar muitos outros. Este efeito de contágio, que partiu de dentro para fora, fez com que o Belenenses tivesse este desfecho épico. Agora, centrando na fase final, os jogadores estavam mentalmente preparados para tudo o que iam passar.
ZZ: Como foi lidar com essa pressão de representar o Belenenses?
BD: Desafiante, muito duro e muito saboroso. Foi muito duro por culpa própria. Tivemos de pagar o preço do sucesso. As expectativas eram muito baixas no início, mas à 5.ª jornada do campeonato estávamos em 1.º isolados e com uma vitória em Leiria, que era o principal candidato a subir de divisão, me que marcámos quatro golos. Aí, pensou-se que éramos imparáveis, mas mantivemos sempre um discurso cauteloso. Depois houve um momento da época muito duro para nós em que em seis jornadas fizemos apenas quatro pontos, mas sentimos que a equipa estava a crescer. Houve momentos que os adeptos não compreenderam, pois pensam que o Belenenses tem de ganhar os jogos todos, mas na prática não é assim. Muitas das camisolas que não têm o peso histórico do Belenenses têm uma capacidade financeira e recursos que permitem aos seus profissionais estar num patamar diferente. (…) A responsabilidade é muito do nosso trabalho e fomos aumentando muito a expectativa de toda a gente.
ZZ: Recuemos agora até ao dia das celebrações pela subida de divisão. Quais foram os principais sentimentos?
BD: Confesso que ainda hoje não sei descrever por palavras o que senti. A primeira coisa que pensei foi: “conseguimos, estes jogadores merecem muito e estes adeptos merecem muito”. É muito difícil pensar naquilo que os belenenses pensaram quando decidiram que queriam abdicar da sua posição na primeira liga e fazer o caminho todo do início, sabendo que tinham sete divisões para escalar. E foram esses que estavam lá no estádio do Restelo e invadiram o campo quando subimos de divisão. Achei um momento tão extraordinário que a única coisa que pensei foi: “deixem-nos desfrutar”. Os jogadores mereciam ser agarrados pelos adeptos. Acreditaram quando ninguém acreditou, pois era fácil chutar o balde quando tivemos aqueles jogos e passámos de 3.º para 6.º. Eles nunca fizeram isso. Fiquei feliz também pela minha equipa técnica e pela direção que fez um trabalho incrível e nos momentos de decisão acreditou sempre que podíamos dar a volta.
BD: Há 16 anos que o Belenenses não estava no Jamor. Não conseguimos a vitória, mas foi o dia em que vi mais sorrisos no rosto dos nossos adeptos. Eles perceberam tudo o que fizemos e tudo o que eles fizeram. Para os belenenses foi um dia de recompensa e que deu esperança de que o Mar Azul pode estender-se no tempo e ultrapassar todas as adversidades. Existe uma vitalidade muito grande no clube quando percebemos que temos 10 mil adeptos no estádio a bater palmas à equipa. (…) Em relação ao jogo, senti-me muito frustrado, porque não senti que nós não tivéssemos capacidade para ganhar à UD Leiria. Não conseguimos ter o impacto que habitualmente temos. Mas nada apaga o que fizemos. Os jogadores foram extraordinários. Há jogadores que fizeram a melhor época das suas carreiras e não tenho dúvidas de que vão chegar, no Belenenses ou noutro clube, aos patamares profissionais.
ZZ: Enquanto equipa técnica, que evolução houve durante esta temporada?
BD: É muito melhor e está muito mais preparada para enfrentar qualquer desafio. Desde logo pela exigência da competição. Temos muitas equipas de muita qualidade, com equipas técnicas também de qualidade. Os nossos jogadores foram os principais responsáveis pelo crescimento da equipa técnica, porque nos permitiram potenciar ao máximo as nossas ideias. Tiveram a mente aberta para fazer muitas coisas diferentes. Depois sabemos que estamos a lidar com uma massa associativa muito exigente e ambiciosa, algumas vezes muito irracional, mas faz parte da paixão que têm pelo clube. O nível de exigência é muito, muito elevado. Mas eu gosto dessa exigência. Isso fez-nos crescer muitíssimo.
ZZ: Há uma conversa marcada com o presidente. Já aconteceu? O Bruno será o treinador do Belenenses na próxima temporada?
BD: A reunião vai acontecer esta semana. Tenho muito claro o que quero para a minha carreira, quais os meus objetivos e tenho muito claro o que o Belenenses precisa de fazer. E tenho a certeza que o presidente também tem muito claro aquilo que o Belenenses precisa de fazer neste novo desafio muito grande que vai ter pela frente. Há questões estruturais muito importantes que vão ter de ser alteradas e o presidente já falou sobre elas publicamente. Vamos conversar e vamos decidir nesta semana. O presidente tem a palavra e a resposta concreta de quem vai ser o treinador do Belenenses na próxima época. Acredito que vai ser uma conversa muito simples porque temos ideias muito claras.
ZZ: Aconteça o que acontecer, o Belenenses já faz parte da vossa história...
ZZ: A entrada nos campeonatos profissionais é um objetivo a curto prazo?
BD: Claramente. Nunca escondemos que esse era o objetivo. Mas também nunca escondemos que não queríamos chegar a qualquer preço. Penso que provamos que temos capacidade para dar resposta imediata e penso que esse é o passo natural que vai acontecer nas nossas carreiras.
ZZ: Temos conversado algumas vezes nos últimos tempos. A próxima será para anunciar a continuidade no Belenenses?
BD: Não posso garantir porque não depende só de mim. Também depende de mim, mas vai depender muito do projeto e das condições que o Belenenses tiver para ultrapassar as tais questões estruturais. Esse é o grande desafio do Belenenses. O clube tem um caminho de crescimento e esse crescimento tem de ser sustentado. Da minha parte, a promessa que posso fazer é que quando nos estrearmos nas competições profissionais cá estaremos disponíveis para conversar.
ZZ: Para finalizar, pedia uma mensagem para os adeptos. O Belenenses é mesmo um clube de Primeira?
BD: O Belenenses é um clube de primeira divisão e que, seguramente, vai chegar à primeira divisão. Só não sabemos quando e quem serão os protagonistas que vao dar esse último passo. É o seu lugar por direito próprio. (…) Os adeptos são chave para que isso aconteça. Foram eles a grande força para se percorrer este caminho das pedras com tanto sucesso e são eles que podem fazer com que este caminho, seja mais duro ou menos duro e mais longo ou menos longo. Os desafios vão ser enormes na próxima época, o clube vai ter de se reestruturar pela exigência do futebol profissional e os adeptos precisam de estar com a Direção. Por fim, parabéns pela coragem e pelos valores que transmitem do que é ser Belenenses. Continuem a fazer do Belenenses o clube que é no futebol nacional.
1-0 | ||
Valdir Júnior 10' |