111 jogos na 2ª Liga. 38 na 1ª Liga. Beira-Mar, Chaves, SC Braga, Paços de Ferreira, Varzim e Trofense. Eis um breve resumo da história de Rafael Assis em Portugal.
Atualmente com 33 anos, o médio-defensivo foi peça importante na manutenção alcançada pelo Trofense na Liga 3. Depois de termos passado em revista a temporada 2023/24- tanto do brasileiro como do conjunto da Trofa- na primeira parte da entrevista (pode ler aqui), neste segundo segmento fizemos uma viagem pela longa carreira do experiente jogador.
Da chegada a Portugal pelas portas do Beira-Mar à transferência para o FC Porto em 2016/17 que acabou por cair no último momento, Assis partilhou várias histórias connosco.
Zerozero: Recuando um pouco no tempo, como surgiu o futebol na sua vida?
Rafael Assis: Nós, brasileiros, começamos sempre no peladão. Numa primeira fase não temos a responsabilidade de termos de seguir carreira, mas com o passar do tempo esse prazer vai crescendo dentro de nós. As coisas foram acontecendo de forma natural e acabei por passar por vários clubes no Brasil. Na formação representei o Cruzeiro, depois passei por clubes como o Bahia e o Duque de Caixas e entretanto transferi-me para o Beira-Mar. Foi quando cheguei a Portugal que percebi que a coisa era séria.
Procurei conhecer o clube antes de chegar e a verdade é que o Beira-Mar só desceu de divisão devido a problemas administrativos e financeiros. Depois transferi-me para o Chaves e encontrei alguém que foi um verdadeiro pai para mim: o mister Vítor Oliveira. Ele ajudou-me muito, nas principais decisões que tive de tomar na minha carreira consultei-o sempre. Era ele e a minha família que me orientavam sempre nas decisões.
Fizemos uma época incrível em Chaves e conseguimos a subida de divisão , sendo que, depois, o mister Vítor Oliveira saiu para o Portimonense. Eu chorei muito e até lhe pedi para ele me levar para Portimão, mesmo tendo eu contrato com o Chaves. Ele só me disse «Não, Assis. O teu lugar não é na 2ª Liga, vais jogar na 1ª Liga, tal como mereces. Se não estiveres a ser utilizado eu vou buscar-te, fica prometido». Acabei por continuar no Chaves e depois chegou outro treinador que também é um pai para mim, o mister Jorge Simão. Ele contratou-me para o SC Braga e depois para o Al-Fayaha, da Arábia Saudita. Aliás, quando saí do para o SC Braga tornei-me a maior vendo do Chaves, já que saí por cerca de 1,5 milhões de euros.
ZZ: A verdade é que o Rafael Assis sai do Brasil para o Beira-Mar já com 23 anos e sem ter jogado num nível propriamente alto no seu país. Houve momentos de dúvida ao longo deste processo?
RA: Houve sim, sem dúvida. Houve até um momento, quando tinha 20 anos, em que fiquei sem clube e fui trabalhar. Tive de continuar a treinar sozinho, mas nunca desisti. Acabei por ir para um clube menor, destaquei-me e deu-se a possibilidade de vir para Portugal. Não pensei duas vezes, o salário não era muito alto, mas eu queria era jogar. Tive de agarrar essa oportunidade com unhas e dentes e acabou por correr tudo bem.
ZZ: Para que é que foi trabalhar quando ficou sem clube [2013, altura em que sai do Olaria]?
RA: Fui trabalhar com o meu irmão para a área das limpezas. Ajudava a limpar, a descarregar camiões com produtos de limpezas, limpava a loja... A família precisava de ajuda e eu não podia dizer que não. No entanto, quando acabava o horário de trabalho, eu ia correr, fazer exercício, ia para o ginásio... Dentro de mim tinha a certeza que as coisas iam acontecer.
ZZ: Como foi a adaptação a Portugal?
RA: Na altura ainda não me tinha casado com a minha esposa, pelo que vim sozinho. Foi a primeira vez que saí do Brasil, mas tinha de vir tentar a minha sorte. O treinador Jorge Neves ajudou-me muito em termos de adaptação, assim como o Rui Rego, o guarda-redes. Não tenho palavras para a forma como fui recebido pelos portugueses e pelos brasileiros que estavam no plantel, felizmente correu tudo bem. Voltamos ao que falámos no início: o que eu recebi no início é o que estou a tentar transmitir agora.
ZZ: Tem alguma história mais curiosa/marcante dos seus primeiros tempos em Portugal?
RA: Tenho uma situação engraçada relacionada com as diferenças linguísticas entre os dois países; há muitas palavras diferentes. Eu sou uma pessoa de muita fé e vou muito à igreja, algo que comecei a fazer desde que cheguei a Portugal. Houve um dia em que cheguei à beira de um pastor que estava a dar a palavra e lhe pedi durex [fita-cola no Brasil] para poder colar um papel que tinha caído. Ele respondeu-me todo atrapalhado «Não, não! Não podes dizer isso aqui!». Ele depois explicou-me que durex aqui é uma marca de preservativos e eu fiquei todo atrapalhado, só consegui pedir desculpa [risos]. Toda a gente que estava na igreja se começou a rir.
Tive outra situação em que fui ao supermercado pedir 'bala' [rebuçado no Brasil] e a senhora ficou a olhar desconfiada para mim enquanto me dizia que ali não vendiam dessas coisas. A partir daí comecei a estudar e a ouvir os meus colegas com atenção no balneário. Já estou muito melhor, mas ainda aprendo hoje em dia, quase dez anos depois de ter chegado.
ZZ: Chegamos agora a um ponto marcante na sua carreira. Quer descrever-nos o que aconteceu no mercado de inverno de 2016/17? Havia um acordo para rumar do Chaves ao FC Porto e acabou em Braga...
RA: Entre os clubes [Chaves e FC Porto] o acordo estava feito. Depois, como determinado pelo clube, fui com o meu agente reunir-me com as pessoas do FC Porto. As condições foram colocadas em cima da mesa e a situação era interessante do ponto de vista financeiro, mas a verdade é que, por causa do fair-play financeiro, não poderia assinar pelo FC Porto e continuar no FC Porto. Eu ia assinar pelo FC Porto, mas havia um outro contrato em cima da mesa para renovar pelo Chaves. O que é que iria acontecer? Eu não iria ter um contrato com o FC Porto nas mãos, não iria ter essa segurança. Ou seja, se eu depois não fizesse uma segunda metade de temporada igual à primeira que tinha feito, eu não iria para o FC Porto. Para além disso, não podia haver nenhuma fotografia vazada porque nessa altura o FC Porto não podia contratar.
Compreendi a situação, o FC Porto e o Chaves e respeitei todas as partes. No entanto, tinha o poder nas mãos e tinha também o Villarreal e o SC Braga interessados. Fui ouvir esses clubes e decidi ir para o SC Braga. Foi uma grande oportunidade, mesmo que as coisas não me tenham corrido muito bem. O treinador Jorge Simão, que me levou de Chaves para lá, não teve muito tempo para trabalhar, até porque o clube vivia um período conturbado. Foi o momento mais difícil que passei. Sabia-se que eu tinha 'não' ao FC Porto e 'sim' ao SC Braga, era uma contratação sonante... A expectativa em cima de mim era grande, mas a diferença pontual para o Vitória SC também já era enorme. O clube não estava bem e depois, no início da época seguinte, chegou o treinador Abel Ferreira. A época começou muito bem, mas a verdade é que eu não estava a jogar e, no mercado de inverno de 2017/18, pedi para ser emprestado. Foi assim que acabei por rumar ao Paços de Ferreira.
ZZ: Não há qualquer tipo de arrependimento na decisão de não ter ido para o FC Porto e de ter assinado pelo SC Braga?
RA: Não. O futebol é o momento e a oportunidade. Se me perguntarem se tinha vontade de jogar pelo FC Porto, eu digo que sim. Quem não teria? Eu fui para assinar pelo FC Porto, mas a partir do momento em que disseram que não iria jogar pelo clube naquela altura... Não tenho arrependimento porque, vendo bem as coisas, eu iria assinar um contrato e iria ser avaliado. Se corresse bem no Chaves, voltaria ao FC Porto. Acredito que tomei a decisão certa, juntamente com o mister Vítor Oliveira e com a minha família.
ZZ: Ou seja, no FC Porto iria assinar uma espécie de pré-contrato, é isso?
RA: Correto, essa é a palavra. E, para além disso, eu não teria cópia dele. O pré-contrato ficaria com o FC Porto e eu teria de renovar com o Chaves. Depois existiam umas cláusulas- que eu não sabia quais eram- e, se fossem cumpridas, eu poderia ser jogador do FC Porto.
ZZ: No fim da época, se corresse tudo bem, iam lá contratá-lo...
RA: Correto. Aí entrou algo que aconteceu também no Trofense. O presidente do SC Braga ligou-me e eu senti que me queriam mesmo muito. Tive a oportunidade de trabalhar com treinadores como o Jorge Simão, o Abel e o Artur Jorge, estou muito agradecido pela oportunidade que me deram. Posso dizer que sou uma pessoa muito feliz em Portugal, mas ainda tenho muito para realizar: quero voltar a jogar 1ª Liga, 2ª Liga, Liga 3... Quero continuar a jogar e ajudar os clubes que me queiram, isso é o mais importante para mim.
ZZ: Depois do SC Braga rumou à Arábia Saudita. Tendo vivido lá, consegue perceber o fascínio que existe agora em relação ao país?
RA: Fui para a Arábia num pedido do Jorge Simão. Tinha propostas da 1ª Liga, mas preferi ir para lá para conhecer uma nova competição e uma nova cultura. Fascínio atual? Entendo bastante. Na altura em que fui para lá não havia jogadores com grande expressão, mas a verdade é que o campeonato não tinha grande visibilidade. Hoje em dia é diferente, o nível que já existia agora é visto por toda a gente. O Cristiano Ronaldo, o Benzema e o Neymar decidiram ir para lá e a verdade é que as condições de trabalho lá são mesmo muito boas.
O Al-Fayha, onde estive, tem condições tão boas como o SC Braga ou o Vitória SC. Claro que as condições financeiras também são muito boas, pelo que os jogadores não pensam duas vezes. A visão em relação ao mundo árabe tem mudado nos últimos anos e eu fico feliz por ter tido estas experiências. Mesmo o Barém, onde estive na época passada, está a crescer muito. Acredito que daqui a um/dois anos vai estar próximo [da Arábia].
ZZ: Estando neste momento com 33 anos, já vai pensando no pós-carreira? Após deixar de jogar, gostava de continuar em Portugal ou voltar ao Brasil?
RA: Eu tento viver o momento, mas gostava de permanecer em Portugal porque já estamos aqui há muito tempo. Ainda estou a tentar perceber que caminho quero seguir; diretor desportivo, agente... Já tive propostas de algumas empresas e é algo que vou pensando. No entanto, ainda estou focado na minha carreira, nos treinos e na alimentação. Quando perceber que não estou a render o que é esperado, vou pensar nisso de forma mais séria.