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Avançado esteve à conversa com o zerozero

Kardec em Marselha, o golo e o poço: «A camisola do jogo desapareceu»

Depois do triunfo por 2-1 na primeira mão, o Benfica desloca-se agora a Marselha com o objetivo bem definido de chegar às meias-finais da Liga Europa. Apesar de o Stade Vélodrome ser unanimemente reconhecido como um recinto difícil para os adversários do Marseille, a verdade é que as águias têm boas recordações do estádio onde irão jogar nesta quinta-feira.

Sendo certo que o percurso europeu do Benfica em 2009/10 não foi tão bem conseguido como a performance interna - a formação de Jorge Jesus foi campeã nacional, mas ficou 'apenas' pelos quartos de final da Liga Europa -, a verdade é que o trajeto internacional do Benfica nessa temporada teve momentos dignos de registo. E um deles aconteceu precisamente em Marselha.

Após um empate na Luz na primeira mão dos oitavos-de-final, os encarnados operaram uma reviravolta no marcador no encontro da segunda mão com um golo de Alan Kardec já perto do final. Na antecâmara de novo duelo entre as águias e les olympiens, o zerozero conversou com avançado que agora atua no Atlético Mineiro, isto depois de vários anos na China. Dos festejos do golo aos elogios a Jorge Jesus e Nuno Gomes, o jogador, de 35 anos, mantém a passagem pelo Benfica muito bem presente na memória.

Zerozero: Alan, antes de mais, obrigado por aceitar conversar connosco! Se tivéssemos de fazer um ranking dos melhores momentos da sua carreira, em que lugar colocaria o golo que apontou pelo Benfica ao Marseille em 2010?

Alan Kardec: Se fossemos fazer esse ranking, o golo frente ao Marseille estaria claramente no top-5. É um golo que veio a ter uma importância ainda maior com o passar dos anos, isto na medida em que fui percebendo cada vez melhor o que é o Benfica e o que são os adeptos do Benfica. É um clube muito grande no geral e em Portugal em particular. Foi um golo numa competição europeia, eu era muito jovem e esse golo deu-nos a qualificação para a fase seguinte. É um momento que as pessoas lembram até hoje, mesmo tendo passado já quase 15 anos. É um pouco por aí que está tão bem classificado nesse meu ranking.

ZZ: Ainda é abordado por adeptos do Benfica por causa desse golo? Por mensagem, eventualmente...

AK: Hoje nem tanto, não acontece tanto. No entanto, era algo recorrente há uns anos. Foi um momento de grande emoção, lembro-me que marquei o golo e tirei a camisola.... Foi um festejo com muita emoção, é um momento que guardo com muito carinho. Ainda para mais foi um belo golo. 

Avançado em ação pelos encarnados @Catarina Morais

ZZ: Que memórias em específico guarda do jogo? Ainda se lembra do que lhe disse o treinador Jorge Jesus antes de entrar em campo?

AK: Não me lembro das palavras do mister, mas lembro-me perfeitamente que era um jogo difícil e que a eliminatória estava muito equilibrada. Lembro-me que entrei e que o lance do golo surgiu pouco depois. O Pablo Aimar bateu um livre, houve um desvio no interior da área e a bola sobrou para mim no segundo poste. Eu rematei de primeira, com potência, e o esférico entrou depois de ter batido no poste. Eu comecei a correr para festejar, nem sabia muito bem como reagir àquilo. Tirei a camisola, comecei a gesticular muito, os meus colegas vieram festejar comigo... o David Luiz, o Ramires... Para um jovem- eu na altura tinha 21 anos-, fazer um golo como este é algo muito importante. No entanto, tal como referi, a importância deste golo foi crescendo com o passar dos anos. Quando és muito jovem não tens noção do quão valioso é fazer um golo como este. Com a maturidade vais percebendo que o golo tem mais valor.

ZZ: Nos festejos, se não estamos em erro, tira a camisola e acaba por perdê-la...

AK: Exatamente [risos]. No estádio havia um poço [um fosso, à imagem do que acontece em Alvalade] entre o relvado e a bancada e eu não me apercebi disso. Ou seja, tirei a camisola, atirei-a para a frente e ela desapareceu. Nos festejos, andava toda a gente à procura da camisola [risos]. Eu já sabia que ia levar um cartão amarelo, sendo que, depois, tiveram de ir ao balneário buscar outra camisola para eu poder vestir e jogar. Lembro-me perfeitamente que foi o senhor Shéu que foi lá- o senhor Shéu foi uma pessoa que me tratou sempre muito bem no Benfica. A camisola do jogo desapareceu, mas apareceu alguns anos depois. Um adepto conseguiu a camisola com alguém do estádio e depois pediu-me para a assinar. Essa camisola está agora com alguém, mas eu, que fiz o golo com ela, gostava de a ter guardada e não tive essa possibilidade. 

ZZ: Essa história é absolutamente incrível...

AK: É verdade, guardo esse momento com muito carinho!

«Miúdo, andas a gasóleo?»

ZZ: Como foi trabalhar com o treinador Jorge Jesus na sua primeira experiência na Europa? Tem alguma história mais caricata com ele?

AK: Trabalhar com ele foi incrível, foi o treinador que mais elevou o meu nível técnico e pessoal. Muitas das coisas que aprendi com ele pude pôr em prática depois no Brasil. É um treinador incrível e conseguiu ter ótimos resultados aqui no Brasil também. Ensinou-me muito, ainda que me tenha cobrado muito também. A exigência dele era muito alta e firme. No entanto, é como disse há pouco: uma coisa é teres 20/21 anos, vês as coisas de uma determinada maneira. Outra é teres 30, vês essas mesmas coisas de uma forma diferente. Entendi que ele queria apenas tirar o melhor de mim, tivemos oportunidade de conversar alguns anos depois, já aqui no Brasil, e eu parabenizei-o pelos resultados que teve. Ele é um treinador incrível, dos melhores com quem trabalhei na minha carreira. Tenho muitas histórias, a forma de falar dele era muito engraçada «Fod****, miúdo! Andas a gasóleo? Estás a dormir ou quê? Fod****». Estava sempre a falar, mas percebi que ele só queria extrair toda a minha capacidade.      

ZZ: Teve também a oportunidade de conviver com alguns jogadores de renome: Pablo Aimar, David Luiz, Di María... Que recordações tem desse balneário?

AK: Era um balneário mesmo muito bom. Tínhamos Aimar, Saviola, Luisão, Di María, Ramires, David Luiz, Óscar Cardozo, mais tarde chegou o Jardel.... Muitos jogadores de qualidade. Lembro-me sempre com muito carinho de momentos com alguns jogadores, sendo que há um que me marcou muito, como jogador e como pessoa: o Nuno Gomes. Ele era capitão, juntamente com o Luisão, e é uma pessoa incrível, sempre me ajudou muito. De vez em quando ainda vamos trocando mensagens. Sempre respeitou quem estava no clube, fosse o Cardozo, que era o avançado habitualmente titular, ou eu, um jovem acabado de chegar. Era um exemplo dentro e fora do campo, conviver com pessoas assim acaba por te engrandecer. 

Alan Kardec
Benfica
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ZZ: Fica com alguma mágoa por a passagem pelo Benfica não ter durado mais tempo e não ter sido mais proveitosa?

AK: Poderia ter sido melhor. Aliás, era para ter sido melhor. No entanto, a maturidade e a mentalidade vêm com o tempo. Infelizmente as coisas não aconteceram da forma como eu queria. São coisas que acontecem, mas aprendi muito no clube. Acredito que tinha potencial para fazer melhor, mas talvez me tenha faltado um pouco dessa questão da mentalidade. Tenho a minha responsabilidade, mas a verdade é que também encontrei grandes jogadores na minha posição. O Cardozo esteve sempre no plantel e a verdade é que ele fazia mesmo muitos golos, penso que é mesmo o melhor marcador estrangeiro do clube. Eu trabalhei sempre, mas infelizmente as coisas não saíram como eu sonhei.

ZZ: Ainda se lembra dos festejos do campeonato de 2009/10?

AK: Sem dúvida! Foi incrível, nunca vi tantos adeptos juntos a festejar. Foi um título muito importante porque quebrou uma série de quatro campeonatos do FC Porto, foi algo mesmo incrível. Ver aquele mar vermelho no Marquês foi muito bonito, foi muito especial poder viver um momento como esse.

ZZ: Quando sai do Benfica acaba por rumar ao Palmeiras. Sendo certo que agora é um rival, alguma vez imaginou que o treinador Abel Ferreira pudesse ter este impacto no clube e no futebol brasileiro?

AK: Pela capacidade dele como treinador, sim. Penso que é importante separarmos a questão da capacidade do treinador da questão cultural do futebol brasileiro. O futebol brasileiro não te dá muito tempo de trabalho, se não tens resultados imediatos é difícil. Hoje em dia o Palmeiras é um dos melhores clubes da América do Sul e é respeitado a nível mundial muito devido ao Abel Ferreira, juntamente com a história do clube e com os seus adeptos. Ele tem um trabalho sólido e não foi fácil conquistar isso. No Brasil querem tudo no imediato, por vezes basta um mau jogo para dizerem que não prestas, sejas tu jogador ou treinador. É importante referir que a escola portuguesa de treinadores é muito boa, trabalhei com o Jorge Jesus no Benfica e com o Paulo Bento na China e pude comprovar isso. Não é uma surpresa ver a potência que o Palmeiras é hoje em dia.

Momento viral na China e Hulk do lado certo

ZZ: Pegando até nesta sua última resposta, quão desafiante foi jogar e viver num país culturalmente tão diferente do Brasil e de Portugal como é a China?

AK: Foi um desafio mesmo muito grande, não tinha noção do que era a China até chegar lá. No entanto, depois de entender a cultura, fiquei encantado com a China, mesmo com todos os problemas do país. A minha família adaptou-se ao país, a minha esposa e as crianças viveram bem, eu estive muito bem.... Respeitei sempre toda a gente e acredito que isso foi importante para alcançar o que alcancei dentro de campo. O meu objetivo foi sempre levar mensagens positivas para o país e para os chineses. A China passou por um pico de investimento como aquele que se vive agora na Arábia. No entanto, à margem disso, existiu uma conexão muito grande para eu poder beber da cultura. Houve algumas pessoas que não se adaptaram, mas eu sinto que não estive lá apenas pelo dinheiro. Fui de mente aberta, tentei sempre aprender e ensinar.

ZZ: Há um momento seu na China que se tornou viral, uma palestra antes de um jogo do Chongqing Dangdai [ver ao lado]. Esse momento é um exemplo de tudo o que explicou em cima? Quão difícil era ser capitão de equipa com a barreira linguística?

AK: Foi um desafio muito grande, não falar a língua nativa e querer passar a mensagem da forma mais fiel possível não é fácil. No entanto, tornar-me capitão na China teve mais a ver com a minha personalidade do que apenas com o meu desempenho. Fui profissional e tive uma boa postura no clube, sendo que, para além disso, pude confiar muito no meu tradutor. Ele trabalhou cinco anos comigo e tornou-se um amigo, confiávamos muito um no outro. Era importante que os meus colegas não sentissem que era o tradutor que falava. Esse vídeo viralizou mesmo muito, a ideia era motivar os jogadores numa altura em que estávamos com salários em atraso. Havia sete/oito meses de salários em atraso, os funcionários do clube, que ganhavam menos, tinham um ano de salários em atraso! Ainda assim estávamos a fazer uma excelente temporada e o que eu quis transmitir foi que estávamos ali a jogar pelo nosso orgulho, pelos nossos companheiros, pelos adeptos e pelo amor que tínhamos pela cidade. Não sabia como motivar os atletas e o que disse foi em defesa do clube. Não pensei previamente no que iria dizer e não sei como é que os dirigentes do clube encararam a situação, mas não disse nenhuma mentira e os meus colegas entenderam o que eu queria expressar, isso foi o mais importante. Prefiro uma verdade dita de uma forma mais forte do que ter uma pessoa a dizer mentiras.

ZZ: Voltou depois ao Brasil pelas portas do Atlético Mineiro. Que balanço faz destes anos no clube? Acredito que seja mais fácil ter o Hulk como colega do que como adversário...

AK: A passagem pelo clube está a ser abaixo do que eu esperava. Tive uma lesão um pouco complicada em 2022, altura em que tinha acabado de chegar ao clube. Precisei de algum tempo para recuperar, mas felizmente já estou a treinar a 100 por cento. Em relação ao Hulk, é muito melhor tê-lo do meu lado. Fomos adversários em Portugal e na China e, apesar de eu ter vencido algumas vezes, ele teve mais sucesso do que eu [risos]. Ter um jogador como ele- vencedor e bom caráter- do teu lado é incrível. Aprendo como profissional e como ser humano.

ZZ: Está neste momento com 35 anos. Que planos tem para o futuro?

AK: É a primeira vez que respondo a essa pergunta. Tenho-me cuidado, tanto do ponto de vista físico como mental. Pretendo jogar mais alguns anos em alto nível, mas sem fugir à questão do pós-carreira. O meu plano é fazer alguns cursos de treinador e de gestão, pretendo tirar as licenças aqui da Confederação Brasileira de Futebol. Para além disso, se puder formar-me mais em termos de licenças da UEFA também irei fazê-lo. Quero juntar esse conhecimento ao que fiz durante a minha carreira. Mais tarde perceberei que caminho em concreto pretendo seguir, mas acredito que tenho capacidade para continuar ligado ao mundo do futebol.

Brasil
Alan Kardec
NomeAlan Kardec de Souza Pereira Júnior
Nascimento/Idade1989-01-12(35 anos)
Nacionalidade
Brasil
Brasil
PosiçãoAvançado (Ponta de Lança)

Fotografias(32)

Comentários

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motivo:
Kardec
2024-04-16 13h30m por Taument_da_Silva
Quando chegou, deixou boas perspectivas: parecia uma alternativa válida ao Cardozo, mais refinada até pois era tecnicamente mais evoluído e tinha um toque de bola melhor. Mas falhou em algo muito importante: o psicológico.

Muitos benfiquistas esquecem-se disto, mas o Cardozo na altura era um jogador altamente controverso entre os adeptos, muitos detestavam-no mesmo. Eu próprio achei que o Kardec, após os meses normais de adaptação, acabaria por roubar-lhe a titularidade. ...ler comentário completo »
Kardec
2024-04-16 13h30m por Taument_da_Silva
Quando chegou, deixou boas perspectivas: parecia uma alternativa válida ao Cardozo, mais refinada até pois era tecnicamente mais evoluído e tinha um toque de bola melhor. Mas falhou em algo muito importantye: o psicológico.

Muitos benfiquistas esquecem-se disto, mas o Cardozo na altura era um jogador altamente controverso entre os adeptos, muitos detestavam-no mesmo. Eu próprio achei que o Kardec, após os meses normais de adaptação, acabaria por roubar-lhe a titularidade....ler comentário completo »

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