Tozé Marreco: «Tive vários jogadores no meu gabinete a chorar e a implorar a saída»

Tondela. O relógio aponta para as 14 em ponto e Tozé Marreco encontra-se reunido com a sua equipa técnica no Estádio João Cardoso, já a preparar a deslocação a Oliveira de Azeméis, partida que marca o regresso da competição após a pausa para os compromissos das seleções. O treinador dos beirões interrompe o trabalho para conversar com o zerozero.

Tozé Marreco Liga Portugal SABSEG 2022/23

25 Jogos
6 Vitórias
14 Empates
5 Derrotas

27 Golos
23 Golos sofridos

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Sete anos depois de ter sido o melhor marcador do CD Tondela, numa época que culminou com a primeira (e única) subida até ao escalão máximo do futebol português, Tozé Marreco regressou para assumir o comando técnico dos auriverdes no «período mais difícil da sua história». Não veio pelos golos que marcou, mas pelo trabalho (bem) feito nos juvenis da Académica de Coimbra, que alcançaram a fase de apuramento de campeão, e no Oliveira do Hospital, com subida inesperada à Liga 3.

Tozé Marreco CD Tondela Total

78 Jogos  6330 Minutos

36

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2x

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Tozé não vende ilusões e sabe por onde é o caminho: «Cometi erros como jogador que não quero cometer enquanto treinador». Com a manutenção no horizonte, o futuro está a ser pensado, mas ainda não está bem claro. Já teve oportunidades para sair, mas não vira a cara ao clube. Para já, deixa uma certeza: «Sou muito feliz em Tondela.»

Tozé Marreco recebeu a equipa do zerozero no Estádio João Cardoso, em Tondela @CD Tondela

«Não vim para o Tondela pelos golos que fiz em 14/15»

zerozero (ZZ): O Tozé deixou de jogar, aos 32 anos, e seguiu quase imediatamente para a carreira de treinador. Foi para impedir que a saudade aparecesse?

Tozé Marreco (TM): Esse interesse surgiu ainda quando jogava. Fiz os cursos muito cedo, ainda antes de deixar de jogar. Já tinha na ideia que ia deixar de jogar cedo. O desejo, a vontade pelo treino e liderança vem desde cedo. Começou no Elifoot, no Football Manager… Muitas horas da adolescência passadas por aí…

ZZ: Foram os primeiros cursos!?

TM: Foram... Foram os primeiros cursos [risos]. Sempre tive o interesse de perceber o porquê de algumas coisas quando jogava. Quando deixei de jogar, sinceramente, não pensei muito nisso. As coisas foram surgindo, naturalmente, até à minha chegada a Tondela.

ZZ: Juvenis da Académica, Oliveira do Hospital no Campeonato de Portugal, Oliveira do Hospital na Liga 3 e agora Tondela na Segunda Liga. É uma carreira a pulso…

ZZ: O orçamento era super limitado...

TM: Tenho esses números na cabeça. Eram nove mil e poucos euros, por mês, a dividir por 20 e poucos jogadores. Era parte da minha tarefa fazer essa gestão orçamental e a verdade é que tudo culminou de forma incrível. Depois assumimos de novo um risco grande no Oliveira na Liga 3, num contexto praticamente todo profissional e em que conseguimos a manutenção, com 12.500 euros de orçamento para a Liga 3. Um desafio gigante! Por fim, no final dessa época, surge a situação do Tondela e aqui estou.

ZZ: O telefone toca e é o Tondela. Qual foi a primeira reação?

TM: Eu sempre soube que um dia viria para aqui. Não estava à espera que acontecesse logo, mas sempre soube que o meu futuro passaria pelo Tondela. As pessoas que estavam aqui conheciam e acompanhavam o meu trabalho: o Américo Branco, o Eduardo [Silva], o presidente da SAD, que ainda era o David Belenguer, e o presidente Gilberto Coimbra. Foram as quatro pessoas fundamentais para estar hoje aqui. Tive uma entrevista exaustiva com o David. Eu não vim pelos golos que fiz em 2014/15, vim porque estas pessoas acreditaram em mim. Tinha muitas possibilidades em cima da mesa, mas acabei por escolher esta.

ZZ: E que Tondela encontrou? Ainda havia a possibilidade de recorrer do castigo imposto na altura…

Tozé Marreco FC Oliv. Hospital Total

56 Jogos
18 Vitórias
24 Empates
14 Derrotas

64 Golos
61 Golos sofridos

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ZZ: Para que as pessoas percebam o que está em causa, o Tondela esteve impedido de inscrever jogadores no mercado de verão e de inverno, castigo esse extensível a todos os escalões da formação…

TM: Um castigo sem precedentes. Nem sub-12 pudemos inscrever. Mas eu sabia as regras do jogo desde o início. Sabia que ia ser um ano de muita resiliência, de muita dificuldade e de soluções para toda a gente, a começar em cima e indo até baixo. Sabia desde o momento em que aceitei que ia ser desgastante. Eu sabia isso tudo. Agora, não contava perder jogadores ao longo da época, como as saídas do Boselli, do Undabarrena e do Lacava, que adensaram ainda mais o problema. Isto podia dar cabo de um clube. Só gente com muita resiliência é que podia aguentar uma questão destas.

@CD Tondela

«Não senti que fôssemos inferiores a nenhuma equipa»

ZZ: O Tondela desce de divisão, tem esse castigo, mas alguns jogadores têm legítimas aspirações de ficar na Primeira Liga. Alguns chegaram mesmo a receber diversas abordagens nesse sentido. Como se geriu tudo?

TM: Foi tudo gerido caso a caso, com pinças, palestra a palestra… A situação do Iker [Undabarrena] não conseguimos controlar. O contrato estava feito e permitia a saída. No caso dos outros jogadores com contrato, eles só sairiam se alguém batesse a cláusula. E ficaram. Os primeiros dias foram duríssimos. Havia intenção de mais de metade dos jogadores de sair, algo legítimo, e foi começar a liderar desde esse momento. Procurei fazer ver a situação que o clube vivia e que este seria um ano transitório. Passamos situações limite que não desejo a ninguém no futebol. Tive vários jogadores a chorar no meu gabinete a implorar a saída. Não é fácil fazer esta gestão de emoções e do próprio futuro dos jogadores. Mas havia uma premissa: o bem do clube. Foram sacrificadas algumas ambições pessoais dos jogadores.

TM: Os jogadores que vieram de baixo sabem que esta situação lhes abriu a porta. Em relação ao Telmo, é curioso… Eu conheci o Telmo num jogo dos sub-19. Eu era treinador dos sub-17 da Académica e fui ver um jogo dos sub-19 do Tondela, um jogo em que ele é expulso por protestos… Tentei levá-lo sempre para o Oliveira e nunca consegui. Depositava muitas esperanças nele, tal como no Jota. Posso dizer que no relatório de pré-época que apresentei à Direção, eram os dois jogadores com máximo de potencial para atingirem outros patamares, evidentemente, caso trabalhassem para tal. Acredito muito neles.

ZZ: Numa das primeiras intervenções enquanto treinador do Tondela, o Tozé disse que o objetivo era colocar o clube no caminho certo. Nesta altura, o Tondela ocupa o 9.º lugar no Campeonato e é uma das melhores defesas da prova, apenas superado pelo registo do líder Moreirense. Qual o balanço que faz? Positivo? Muito bom? Ou podia ser melhor?

TM: Tendo em conta todas as circunstâncias, é um balanço positivo. Ainda assim, rejeito por completo a ideia de estarmos sossegados e confortáveis com os 32 pontos conquistados. Ainda ontem dizia aos jogadores que não estava confortável em relação às contas do Campeonato. Temos de fazer mais pontos. Isto parece tudo muito normal, mas não é. Parece normal o Bebeto andar a jogar como médio, o Jota andar a jogar como médio, o Tomi como ala…

ZZ: O Bebeto já fez nove posições esta época…

@CD Tondela

ZZ: Acredito que esta situação tenha permitido um forte desenvolvimento das vossas capacidades enquanto equipa técnica. O que aprenderam no meio desta adversidade?

TM: Adaptações e soluções constantes. Enquanto equipa técnica, temos tido contextos difíceis, mas se achava que era difícil fazer um plantel com 12.500 euros, aqui tenho outros problemas… Basta um-dois jogadores fora e temos de fazer adaptações. Todas as semanas são desafiantes e dão-nos uma bagagem incrível, mas também muitos cabelos brancos. Isto não dá saúde nenhuma [risos]. Gosto que as minhas equipas tenham várias formas de se organizar, mas tenho de ser honesto e dizer que muitas das mudanças têm sido feitas por obrigação.

@CD Tondela

«Cometi erros como jogador que não quero cometer enquanto treinador»

ZZ: O Tozé treinador vê o futebol de uma forma muito diferente daquilo que via o Tozé jogador?

TM: Esta vida não tem nada a ver com a parte de jogador. Incomparável. Enquanto treinador tento adaptar-me ao contexto: Liga, jogadores, relvado e adeptos, para achar a melhor forma e o melhor modelo. Se eu com estes jogadores jogasse só jogo direto não tinha hipótese de fazer mal a alguém. Este ano teve de ser um modelo de jogo coincidente com as características deles. Há uma base de organização defensiva, com o foco muito no que o adversário pode fazer, pois não jogo sozinho. Depois ofensivamente as dinâmicas vão ao encontro dos jogadores que temos

ZZ: Foi fácil desassociar o treinador do seu passado enquanto jogador? 

ZZ: Pela forma como vive intensamente o jogo?

TM: Eu vivo muito o jogo.

ZZ: Às vezes, é prejudicado por isso…

TM: Não tive uma única expulsão durante os 20 anos em que joguei, agora como treinador já fui três vezes, de uma forma que não faz sentido nenhum. Não tenho maldade. Sou o maior defensor e o maior crítico dos árbitros. Acho que têm um grande poder para mudar o jogo de forma positiva: se alguém perde tempo, então o árbitro que dê 10 minutos de compensação; se os jogadores se atiram para o chão, então ele que não marque falta… No último jogo fui expulso ao intervalo. Surreal. Os árbitros têm de gerir emoções e saber quem está no outro lado. Isto não é nenhuma missa. Não vou deixar de viver o jogo, nem vou deixar de falar com eles. Aprendo com os erros, mas estamos a falar de situações que eram perfeitamente evitadas.

ZZ: A pergunta e a resposta que os adeptos do Tondela mais querem ouvir: o futuro é em Tondela?

TM: Como toda a gente sabe, este clube não é normal para mim. Eu sabia que este ano ia ser muito difícil para toda a gente, desde o primeiro dia que alertei para isso. O nome do Tondela é forte e tem uma história que ainda vai ser maior, mas este ano atravessamos uma série de problemas que não nos permite lutar por mais. Seria mentiroso e utópico estar a pensar nisso [na subida], porque não há condições. 90% dos adeptos têm percebido isso e têm estado incondicionalmente ao nosso lado e os jogadores merecem isso. Eu tenho um compromisso gigante com o clube e posso dizer, o clube sabe e os jogadores também sabem, para mim teria sido fácil ir à minha vida em novembro ou dezembro. Houve várias hipóteses para isso acontecer. Estamos a falar de situações que iam deixar a minha família muito melhor do ponto de vista financeiro e a mim do ponto de vista desportivo. Mas jamais deixaria este clube dessa forma. Pelo compromisso que tenho com eles, pelo compromisso que tenho com a estrutura e com os jogadores. 

ZZ: …

TM: Há efetivamente conversas para o próximo ano. Não posso negar isso. O presidente e o Eduardo [Silva], diretor desportivo, têm vindo a conversar comigo e há o interesse no próximo ano. Agora só faz sentido, para mim, falar concretamente do próximo ano quando este estiver resolvido. Antes de corrermos temos de aprender a andar. Assim que este ano estiver resolvido, vamos ver. O que eu posso dizer é que sou muito feliz aqui e que tenho um orgulho gigante em levantar-me às 6 da manhã para vir trabalhar. O clube está a tomar passos certos novamente e está bem entregue. Se todos entenderem que para o próximo ano o melhor é cá estar, e se eu entender, então cá estaremos. Mas isso será acertado quando este ano estiver resolvido. Mas há uma confiança gigante entre mim, o presidente e o Eduardo.

ZZ: Também há uma forte relação de empatia com os adeptos. Que significado tem isso para si?

ZZ: O seu filho Santiago nasce no ano da subida do Tondela, naquela época fantástica do Tozé aqui no clube. Pergunto-lhe como é que ele vive o momento do pai?

TM: Ele quer muito que as coisas corram bem, porque sabe que o pai vai chegar a casa maldisposto se as coisas correrem mal. A minha mulher disse-me que no último jogo [derrota em casa com o Mafra] ele foi a chorar para o escritório. Ele sente muito as coisas, porque também sabe que eu vivo para isto. E eu não lido bem com a derrota. Continuo a dizer que essa é a minha maior virtude, porque quero logo imediatamente achar soluções e quero ver o que se passou de errado. O Santiago com 8 anos já percebeu que o pai vive para isto, tal como vive para ele. Já sofre, ele adora futebol...

ZZ: É o seu maior crítico?

TM: Não diria crítico, pois está muito ao lado do pai. E eu não quero que ele veja o pai a ser expulso, porque ele depois pergunta-me o porquê e quero que tenha orgulho no pai. O próprio nascimento dele foi em função dos jogos que na altura tinha no Tondela para o pai não perder treinos, nem jogos… Há uma ligação com o clube, portanto quero que ele veja o pai bem. Infelizmente, estou muito tempo longe dele e o pouco tempo que vou tendo livre é para aproveitar com ele. Agora vamos ter uns dias livres e vou pegar nele, mas sabes o que é que ele me pediu? Pediu-me para ver jogos. Vou ver agora uma série de seleções com ele. É um bom companheiro de viagem.

@Catarina Morais / Kapta +

«O Tondela vai voltar a ser um clube de Primeira Liga»

ZZ: Faltam nove jogos para o encerramento da Segunda Liga. Como prevê esta reta final e como avalia esta Segunda Liga?

TM: Como disse anteriormente, não estou confortável. Precisamos de mais pontos para o nosso objetivo. Estamos na fase mais difícil da época, porque temos suspensões e cansaço acumulado, que nos complicam a vida e temos de nos unir novamente para conquistarmos os pontos que precisamos. Podemos ir ganhar a qualquer campo e temos de perceber que do outro lado também há equipas competitivas. O ponto vai ficar cada vez mais caro e temos de estar no limite para os últimos nove jogos.

ZZ: O Tozé também disse que o Tondela ia regressar à Primeira Liga, mais cedo ou mais tarde. Desejo ou convicção?

TM: É convicção. Pelo que conheço das pessoas, do histórico, é um clube de gente de trabalho, que planeia o futuro e que vai fazer de tudo para meter este clube no lugar onde tem de estar. Não sei se é para o ano, se é daqui a dois anos, mas o Tondela vai voltar a ser um clube de Primeira Liga. Não é um clube gigante, mas tem tudo para ser um clube de Primeira Liga, seja a nível estrutural, de adeptos e de condições. O clube atravessa o período mais difícil da sua vida, mas vai dar resposta.

ZZ: O que gostaria que dissessem no final da época sobre o Tondela e sobre o Tozé?

TM: Que conquistou os objetivos. Esse é o meu foco. Depois gostava que dissessem que o Tondela foi uma equipa organizada, que soube o que fazer nos jogos, como defender e atacar, o resto é futebol. Sobre mim, gostava que se dissesse que o Tozé fez tudo o que podia, que encontrou soluções onde era possível e que a equipa do Tondela deu tudo em campo. (…) Mas houve coisas que não foram boas. Frente ao Penafiel, perdemos o jogo e eu dormi no gabinete. Vi o jogo três vezes. Acabei às 5h da manhã e tinha treino às 7h e pouco. Fui buscar os colchões e fiquei por ali, porque estava decidido a ver o que se tinha passado…

ZZ: É essa exigência consigo próprio que espera que o leve até à Primeira Liga?

TM: O objetivo é isto que estou a fazer: caminho sustentado. Se tiver de acontecer será de uma forma natural. Sempre disse que não tinha dúvida absolutamente nenhuma de que a minha carreira enquanto treinador ia ser muito, mas muito, melhor do que careira que tive enquanto jogador. Agora não faço grandes planos, nem gosto de fazer. No que toca à exigência essa é máxima.

ZZ: Um adepto que venha ver um jogo do Tondela pela primeira vez o que pode ver?

TM: Pode esperar organização e agressividade boa. Quero que estas duas características andem sempre juntas. Gosto que as minhas equipas saibam quando devem manter a posse, quando devem atacar rápido ou que saibam como temos de defender. Quem vier ver um jogo nosso, vai ver uma equipa organizada, a criar ocasiões de golo - só há duas ou três equipas criam mais ocasiões do que nós – e a deixar tudo em campo.

TM: Quem está dentro do clube, e sinto essa noção da realidade, está a perceber a dificuldade que tem sido esta caminhada. Quem está atento ao futebol também está consciente disso. Não preciso de reconhecimento, quero objetivos conquistados. Para a formação, apesar das dificuldades, é um orgulho ter tantos jogadores connosco. foi um acelerar de etapas que em situação normal não tinha acontecido tantas vezes.

ZZ: O que lhe apetece dizer aos adeptos?

TM: Percebam que o campeonato ainda não está fechado. É necessário que todos estejamos envolvidos num espírito de missão, depois fazem-se as cobranças que sejam necessárias. Seja em casa ou fora, temos sentido apoio. Queremos chegar ao final deste ano e dizer: 'Uff, já passou! Foi só um pesadelo e agora é começar a tratar do resto para o futuro, para o Tondela voltar em grande'. Os jogadores têm dado tudo e merecem este apoio!

@Rogério Ferreira / Kapta+