«O futebol é um jogo simples: são 22 homens a perseguir uma bola e, no final, a Alemanha vence sempre.»
A expressão, esculpida em pedra no imaginário dos amantes do jogo, foi proferida pelo lendário avançado inglês Gary Lineker, em 1990. Nesse ano, a seleção germânica vencia o terceiro Campeonato do Mundo, depois de 1954 e 1974, e afirmava-se, de vez, como potência internacional.
Desde então, a profecia do inglês viveu poucos períodos de contestação, com o título europeu de 1996 e o mundial de 2014 como pináculos do sucesso alemão; até, precisamente, àquela noite de 13 de julho de 2014, no icónico Maracanã. O remate de Mario Götze, aos 113 minutos, foi o último vislumbre do poderio alemão em grandes torneios e, ao mesmo tempo, o fim da célebre frase de Lineker.
Os anos seguintes à glória do Rio de Janeiro têm sido um autêntico período das trevas para a Alemanha. Os números, objetivos e frios como outrora a Mannschaft, não mentem: desde o Campeonato da Europa de 2016, os alemães venceram apenas seis dos 16 encontros em fases finais, com o desastre a acentuar-se a partir do Mundial de 2018 (três triunfos em 10 jogos).
Números que, vistos de outro ângulo, contam o seguinte: até ao torneio na Rússia, a Alemanha tinha sido eliminada apenas em três ocasiões na fase de grupos de grandes competições (sempre em Europeus); desde aí, em três provas, são já duas eliminações precoces, a última no Campeonato do Mundo do Catar, sendo que no Euro 2020 o adeus chegou nos oitavos de final.
A pergunta tem múltiplas respostas, distribuídas por três campos essenciais: o desportivo, o federativo e o social.
Em termos desportivos, Hagemann explicou «que as lacunas defensivas eram evidentes», mesmo antes deste Mundial.
A falta de soluções de alto calibre para o setor é uma ferida aberta. O Bayern de Munique, clube-modelo do futebol alemão, não forneceu qualquer defesa à seleção nacional; no entanto, cedeu três (Benjamin Pavard, Lucas Hernández e Dayot Upamecano) aos atuais campeões do mundo, a França.
Mas segundo Hagemann, os problemas desportivos residem ainda mais fundo: «Frente à Espanha, o jogo foi abordado para não perdermos e não para ganharmos. E isso leva que, depois, falte aquele um por cento extra, faltem líderes dentro de campo; o que a Alemanha tem são ‘chefinhos’, mas faltam verdadeiros líderes, mais do que um.»
É, contudo, no campo federativo que o jornalista alemão vê o mais grave e estrutural problema da Alemanha. «No DFB [Federação Alemã], embelezam todas as situações, não há outra forma de o dizer», conta Hagemann. «É preciso questionar tudo, algo que o DFB não parece disposto a fazer», acrescenta, apontando o dedo a Oliver Bierhoff, diretor da seleção, que acusa de «não assumir as suas responsabilidades.»
«É preciso fricção, choque, porque é isso que cria energia. Como disse, há muito tempo que se veem os défices. A questão é essa: será que no DFB vão mudar algo ou vão continuar na sua bolha? Bernd Neuendorf, o presidente, tem agora essa possibilidade de mudar o status quo, mas vamos ver», diz Marco Hagemann ao zerozero.
Falta autocrítica, a assunção de culpa própria nos desastres sucessivos desde o Mundial 2014. E segundo Hagemann, o medo dessa voz acusatória poderá ter deixado de lado Mats Hummels, defesa do Borussia Dortmund: «Porque é que não se levou o Mats Hummels? Talvez por não se tolerar críticas, essa fricção.» O campeão do mundo de 2014 é conhecido por levantar a voz.
Por fim, o último apêndice da doença que afeta uma das maiores nações futebolísticas do planeta: o social. As pessoas afastaram-se da Mannschaft. Como diria Ernest Hemingway: «De duas formas: primeiro lentamente e, depois, de repente.» Se os escândalos fora do campo começaram a incomodar a população, os maus resultados trataram do resto.
Para Marco Hagemann, que acompanha a seleção da Alemanha há vários anos, a culpa está, também, no afastamento gradual da equipa com os adeptos: «Afastaram a equipa dos adeptos. Hoje em dia, os jogadores saem do autocarro e vão diretos para o hotel, mesmo estando lá crianças que querem um autógrafo. Veja-se o quartel-general no Catar, fica a mais de 100 quilómetros de Doha», refere.
Problemas profundos e que vão exigir um corte radical com as práticas dos últimos anos. Até porque, recorde-se, o próximo Campeonato da Europa, em 2024, vai realizar-se precisamente na Alemanha. Será o país com quatro títulos mundiais e três europeus capaz de se reerguer das trevas?