moumu 26-04-2024, 03:12
Durante muito tempo foi considerado uma das maiores promessas do futebol português, com presença assídua nas seleções jovens. Agora, aos 26 anos, e depois de um percurso de altos e baixos, Raphael Guzzo está, como admitiu, a «recuperar o tempo perdido» depois de meia temporada de alto nível ao serviço Vizela.
O médio natural de Chaves deixou o clube da sua terra natal para reforçar a equipa de Álvaro Pacheco. Numa entrevista ao zerozero, Guzzo abriu o jogo em relação à temporada que culminou com a subida de divisão, a relação com o técnico (que deu origem a uma história engraçada) e o rumo da sua carreira, onde abordou um «momento difícil» relacionado com várias «tentações».zerozero (ZZ): Durante os festejos em campo, disseste que chegaste com o barco em bom andamento. Fala-me um pouco dessa segunda metade da temporada.
Raphael Guzzo (RG): Foi perfeita. Se me perguntares uma palavra para defini-la é perfeita. Por mais que quando me mudei para Vizela acreditasse que as coisas podiam correr da melhor forma, a maneira que tudo se desenrolou… foi tudo incrível. Se não foi a ti, disse no final, que o barco já ia em bom andamento. O Vizela já levava nove jogos sem perder e já encontrei um grupo confiante e com muita qualidade, tanto em termos técnicos como humanos.
ZZ: Quando chegaste a equipa estava em quarto lugar. Qual foi o momento em que pensaram que era possível?
RG: Sinceramente, nunca falámos no balneário. Já passei por grupos onde isso se falava frequentemente. Em Vizela foi um tema que nem passava no balneário. Claro que a três, quatro jogos do fim nós falámos desse sonho. Admito que sim. Até essa fase não. Sempre tentámos encarar jogo a jogo, como o treinador dizia. Era um desafio que tínhamos e que o mister Álvaro tentava passar. Acima de tudo, acreditamos em nós próprios e que quando entravamos em campo éramos melhor que as outras equipas. A II Liga é muito difícil, mas correu tudo da melhor forma.
ZZ: O mister falou muito na união do grupo, chegou a contar a história de que os jogadores se reuniam para almoçar juntos lá no estádio. Essa união foi um ponto importante?
ZZ: Até que ponto é que isso também é mérito do treinador? Qual era a relação que tinhas com ele?
RG: A relação com ele foi ótima desde quando cheguei. O mister Álvaro foi muito sincero comigo e disse: «Guzzo, eu confio muito em ti, mas tu és mais um jogador para nos ajudar. Não sei se vais jogar, mas sei que vais sair daqui melhor jogador e que no final da época vais acreditar que melhoraste tanto como jogador como ser humano. A relação foi muito boa e ele tem muita influência no que aconteceu em Vizela. Os jogadores podem ter qualidade, mas se não tivéssemos um líder à volta como foi o mister Álvaro, para nos conduzir a esse feito, seria muito difícil. Tem muito, muito mérito no que aconteceu pela forma como conseguiu juntar ali um grupo de jogadores com qualidade humana bastante elevada e depois conseguir trabalhar isso dentro do campo.
ZZ: Essa também era a ideia que passava para fora. Alguém que cativava, conseguia manter o grupo unido. Sentiam que, para além de líder, tinha o papel de um pai, de certa forma?
RG: O que o mister Álvaro transparece para fora é o que ele é dentro do balneário e dentro do clube. Ele tem muito mérito nisso porque consegue cativar os 25 jogadores a irem ao encontro da equipa da ideia de jogo dele, mas também em como ser um homem, um bom companheiro, tudo… um bom pai, um bom filho. Ele tentou transmitir muitos valores que ele tem. E acabou por ser determinante. Tudo o que ele tentou passar nós também agarramos ao máximo. A cada treino, palestra e final de jogo. Isso levou-nos ao sucesso. Foi um conjunto de fatores em que tudo correu bem. Ali no Vizela eu encontrei, sobretudo, uma família da forma como me acarinharam e todos são acarinhados. Permite-nos ter todas as condições, que é muito importante e nem sempre encontras isso nos clubes.
ZZ: Regressados à Primeira Liga, acreditas que têm estrutura para estabilizar?
RG: Tenho a certeza que sim. Se as pessoas repararem, é um clube que tem vindo a crescer de forma sustentada e tem um investidor por trás que nunca falta com nada aos jogadores. Não nos podemos queixar de nada porque temos os melhores profissionais ao nosso dispor, o melhor relvado, como diz o nosso treinador [risos]. Nós podíamos jogar no relvado mau e ele dizia que era o melhor do mundo, que o campo de treinos podia estar cheio de lama e era o melhor campo de treinos do mundo. Agora fora de brincadeira, tem todas as condições para se manter muitos anos na I Liga até porque foi tão difícil chegar até aqui e tenho a certeza que o clube não quer, nem vai voltar a cair. Nós temos tudo para fazer uma boa época e vamos aproveitar esta oportunidade para transportar o que fizemos na II Liga.
ZZ: Com o Guzzo na I Liga?
ZZ: Começas a época em Chaves e até nem estavas a ser utilizado regularmente, também acontecem alguns problemas com Covid. Há alguma razão especial para a mudança?
RG: Em Chaves conseguimos construir um bom grupo de jogadores e todos pensávamos que íamos conseguir a subida de divisão. Em janeiro as coisas já estavam um pouco difíceis e o convite do Vizela surge numa altura em que eu até estava a jogar, parece irónico. Daí também a minha dúvida se ficava ou ia embora. Pondo na balança muitos pontos, onde eu também via a equipa do Vizela a jogar, como era o treinador, do lado de fora…
ZZ: Sentias que encaixavas no modelo?
RG: Achava que o perfil de jogo do Vizela me poderia favorecer, mas também sabia que ia ser muito difícil para entrar na equipa porque levavam uma sequência muito boa, era uma equipa que já vinha solidificava e eu teria de me adaptar. Daí eu ter tomado essa decisão, que não foi nada fácil. Achei que era a oportunidade da minha carreira, sinceramente. Quando disse à minha mulher, aos meus pais e ao meu irmão que iria tomar essa decisão, disse que era uma oportunidade que não voltaria a ter na minha carreira e que podia ser o clique para mim para mudar a minha vida. Felizmente, foi isso tudo que aconteceu. Por isso é que te digo que correu tudo na perfeição. Correu tudo da melhor forma, mudou a minha vida completamente e consegui demonstrar um pouco do que as pessoas, há uns anos, esperavam de mim.
ZZ: Revitalizaste a tua carreira, de certa forma…
ZZ: Isso fez-te crescer?
ZZ: Depois da subida no Famalicão disseste ao zerozero em que disseste que as coisas nem sempre correram da melhor forma por culpa própria, mas que cabia a ti recuperar o tempo perdido. Este foi um primeiro passo para recuperar esse tempo perdido?
RG: Eu acho que sim. Quando disse isso ao zerozero, na altura em Famalicão, eu tive algumas lesões, não tive a regularidade que gostava de ter tido, de ajudar o clube… no meu interior senti que poderia ter dado mais de mim. Quando fui para Chaves quis voltar a ser o jogador de há uns anos, mas estava a demorar a encontrar isso. No primeiro ano joguei bastante, mas no segundo ano, também fruto da Covid, custou-me a entrar na equipa por opções técnicas e nós temos de respeitar e por mais que eu quisesse as coisas não estavam a correr da melhor maneira. Isso foi bastante frustrante porque o Chaves é um clube especial para mim e eu queria ter subido de divisão. Até porque tive um amargo de boca há seis anos, se calhar na minha melhor época como profissional.
ZZ: Se não fosse aquele golo a 30 segundos do fim, esta seria a tua terceira subida de divisão. É tempo de deixares estas conquistas e afirmares-te na I Liga?
História com Álvaro Pacheco
Até vou contar uma história caricata. Antes de fazer o segundo golo, que foi contra o Benfica, houve um treino antes do jogo com o Viseu, nunca mais me esqueço. O mister Álvaro valoriza todos os treinos, então o treino antes do jogo que é de bolas paradas ainda mais e ele exige muito. Nesse treino, a minha equipa sofreu três golos de bola parada e eu sou responsável pelos três golos. Numa o jogador ganha-me a frente e marca, outra a bola bate em mim, sobra para ele e dá golo e a outra aliviei mal a bola e deu golo. Ele dá conta disso, eu sabia disso também, pensei para mim: «que treino de ca****, que fiz hoje». Eu já pensava: «O que fui fazer? Porquê que não estava concentrado? Porquê que não mantenho o foco a 100% nos treinos?» Ele virou-se para o André Soares e para o Kiki e disse: «Digam ao vosso amigo que ele pode estar a jogar, mas que vai parar à bancada para bater palmas aos colegas se continua com esta desconcentração no treino. Comigo não tem hipóteses.» Tu aí já vês a exigência do mister. Vou jogar com o Viseu com aquilo na cabeça, o jogo já não me corre bem e o mais fácil seria tirar-me da equipa. Por acaso até ganhamos o jogo, mas isso não interessa, em termos individuais eu senti que não dei o que eu queria. Ele chamou-me ao gabinete dele e disse: «Eu percebi que ficaste a pensar no que te disse, mas também é assim que vamos conhecendo os jogadores.» Depois limpou-me a cabeça ali com uma conversa dele e deu-me confiança para o jogo seguinte. Disse que ia jogar na mesma e foi quando fiz o golo ao Benfica B e faço outro logo a seguir. Antes do jogo com o Feirense ele diz-me: «Guzzo, tens de continuar a acreditar em ti e eu acredito que vais fazer mais dois golos até ao final da época.» Por coincidência faço no jogo a seguir e no último jogo faço dois. No final disse-lhe: «Mister, você disse-me que só fazia mais dois golos e eu fiz três até ao final.» Ele aceita muito bem isso e ele próprio é um palhaço, entre aspas.
ZZ: É curioso que todos os jogadores têm muitos elogios. Ele tem um registo diferente de alguns dos treinadores de I Liga, com a forma menos contida de falar. Acreditas que vai manter essa identidade com o passo em frente na carreira?
RG: Tenho a certeza que sim. Se foi isso que o levou até hoje ao patamar onde está, e onde vai conseguir conquistar outros objetivos que ele tem, não vai abdicar disso. Foi isso que o levou a ser elogiado pelos jogadores. O melhor elogio que podes ter é de um jogador com quem trabalhas no dia a dia. Vai manter a sua postura, a sua forma de trabalhar, melhorando a cada dia como nós jogadores. Ele é um treinador que também se adapta. Uma das palavras que ele usa no balneário é adaptabilidade, que nós temos de ter a tudo. A um relvado menos bom, a um dia de chuva, a jogar com dez jogadores. Na minha opinião vai manter a sua postura como treinador e como homem.
ZZ: E quais são os objetivos a curto prazo para o Guzzo?
ZZ: Podemos contar com um regresso em grande?
RG: É esse o nosso desejo e a nossa convicção. Tenho a certeza que o Vizela irá fazer uma boa época porque tem tudo para isso e nós, como profissionais, vamos dar o melhor de nós para mostrarmos às pessoas que conseguimos ser uma equipa diferente das outras. Fomos na II Liga e agora queremos transportar isso para a I Liga.