Foi ao dar «dois passos atrás», como o próprio admitiu, que Pedro Moreira voltou a Portugal. Depois de uma experiência no estrangeiro, o médio assinou pelo Arouca, então no Campeonato de Portugal. Pouco mais de um ano depois, celebrou o regresso ao principal escalão do futebol português no relvado do Estádio dos Arcos, a sua casa durante quatro temporadas.
Em entrevista ao zerozero, abordou a emoção dessa eliminatória e o gesto com o desconsolado Nélson Monte durante os festejos da subida, mas não ficou por aí. O regresso a Portugal, a temporada sem «o devido valor», o futuro e ainda um ponto de vista acerca de Bruno Costa e Sérgio Oliveira, antigos companheiros de balneário, foram vários dos tópicos abordados na conversa que pode ser vista em cima ou lida aqui.
zerozero (ZZ): Acreditavam que a subida era possível antes do play-off?
ZZ: Tiveram uns festejos um pouco contidos no relvado. Preferiam que o jogo de subida tivesse sido em Arouca…
PM: Claro, era diferente se fosse em casa e ia ser muito melhor. Acima de tudo tentamos ter respeito pelo Rio Ave e pela instituição, e achamos que foi o caminho certo. Claro que depois fizemos a festa com os nossos adeptos em Arouca, mas ali tentamos conter um bocado porque o respeito pela equipa adversária é muito importante hoje em dia no futebol.
ZZ: Houve um momento no final do jogo em que não passou muito para o exterior, em que foste abraçar o Nélson Monte [jogador do Rio Ave] (ver aqui). O que é que lhe disseste?
PM: Eu estava a festejar com os meus colegas numa parte do campo e vi o Nélson [Monte] sozinho do outro lado. Eu tenho uma relação muito forte com o Nélson, porque ele chegou ao Rio Ave ao mesmo tempo que eu. Na altura, eu acolhi-o e ele acolheu-me a mim. É um menino da casa, de Vila do Conde, mas acima de tudo uma excelente pessoa. Senti essa necessidade de lhe dar um bocado de conforto, de lhe dar um abraço e de passar a mensagem que um dia pode ser ele que está a chorar, mas depois ele vai rir no futuro. Tenho a certeza de que o Rio Ave vai voltar em breve à Liga NOS porque é o lugar onde merece estar. No dia a seguir, liguei-lhe e estivemos a conversar um pouco. Claro que ele estava triste, mas deu-me os parabéns e disse que estava muito feliz por mim. Foi um momento que me ficou marcado, mas foi mesmo de coração porque eu tenho um grande carinho pelo Rio Ave e pelo Nélson.
ZZ: Custou-te um bocadinho mais por ter sido o Rio Ave? Foste capitão, estiveste lá alguns anos...
PM: O segundo jogo acabou e eu estava com um misto de emoções porque nem sabia se chorava ou se ficava feliz porque queria manter o respeito pelo Rio Ave, mas queria muito abraçar os meus colegas. Foi difícil lidar com essas emoções, mas no final do jogo, o André Vilas Boas, o Tarantini e o Pelé vieram ao balneário abraçar-me e dar os parabéns. Temos todos uma boa relação, depois dos quatro anos que passei em Vila do Conde. Eles mostraram esse respeito por nós, assim como nós mostramos esse respeito por eles.
ZZ: Recuando dois anos atrás na tua carreira, quando estavas na Roménia e voltaste ao Arouca, fizeste apenas um jogo e o campeonato acabou por parar. Como é que te sentiste? Sentiste que foi um risco?
ZZ: Estavas sempre com a ideia de serem dois passos atrás...
PM: Sim, foram dois passos atrás que eu dei. Arrisquei e penso que muitos jogadores não arriscam dar esses dois passos atrás para tentar relançar a carreira, seja por medo ou por vergonha. Eu sei que se falou quando vim para o CNS [Campeonato de Portugal]... «O Pedro está acabado, nunca mais sai dali». Tinha essa noção e senti no olhar das pessoas que era diferente, mas isso deu-me ainda mais força para conseguir chegar à Primeira Liga com o Arouca.
ZZ: Sonhavas que o regresso fosse tão rápido?
PM: Quando assinei o contrato com o Arouca no CNS [Campeonato de Portugal], o meu contrato de Primeira Liga foi logo feito. Ou seja, da parte deles e da minha, nós sabíamos que isso ia acontecer. Ambas as partes tinham isso como um objetivo e um sonho. Eu nem tive de assinar nada agora porque o meu contrato já estava feito. Ficou o de Segunda e o de Primeira, se nós subíssemos. Isso era um sinal de confiança que eles tinham no próprio clube e em mim. Aceitei de bom grado e foi perfeito. Passamos por muitas dificuldades, sofremos muito, mas conseguimos. Na altura ninguém acreditava, mas dentro do grupo, sentíamos que eramos capazes.ZZ: Qual é que achas que foi o segredo? Porque o Arouca nem sempre esteve nos lugares que dão acesso à subida, mas as tais nove vitórias consecutivas ajudaram a isso…
PM: Acho que o segredo foi o grupo. Vou ser sincero, quando estávamos de férias na época passada e comecei a ver as contratações que o Arouca estava a fazer, não conhecia nenhum dos jovens brasileiros que vinham do Brasil e isso deixou-me um bocado reticente. Quando entrei no balneário isso mudou completamente porque senti que podia resultar, depois de treinar com eles e ver as pessoas fantásticas que eles eram. Claro que existiram fases menos boas, tal como em qualquer outra equipa, mas o treinador sempre acreditou em nós, mesmo com a desvantagem pontual para os primeiros classificados. A mensagem que ele transmitia foi muito bem aceite pelos mais novos e isso foi fundamental. Durante toda a época não existiu um problema e, mesmo aqueles que não jogavam, sofriam tanto ou mais que nós. Em algumas equipas existem jogadores que não jogam e perder ou ganhar acaba por ser igual para eles, mas este ano não senti isso em nenhum jogador.
PM: Eu só o conhecia por ter assumido o Vitória SC durante uns jogos, não o conhecia pessoalmente. Confesso que me informei sobre ele e falei com antigos jogadores dele. Falaram-me muito bem e que, acima de tudo, era uma grande pessoa. Desde o primeiro dia senti isso porque, apesar de não ter começado a treinar quando começou a pré-época por causa de uma operação no braço, ele queria que eu estivesse lá. Mantivemos uma relação de amizade, mas acima de tudo uma relação de respeito durante toda a época. Às vezes sentia um pequeno toque na perna, mas as palavras dele faziam com que, no dia seguinte, já não sentisse nada porque eu tinha necessidade de dar a vida por ele, tal a confiança que ele me passava. É um excelente treinador e uma excelente pessoa, desejo-lhe todo o sucesso do mundo.
ZZ: Na conferência de imprensa no final do jogo com o Rio Ave, o mister aproveitou para dizer que o Arouca acabou por ser um pouco esquecido e pouco falado durante toda a época. Dentro do grupo, também sentiram isso?
PM: Sentimos muito (...). Penso que nunca nos deram o devido valor e nunca nos meteram naquele lote de equipas que podiam subir, mesmo com a boa sequência de vitórias seguidas que tivemos. Falava-se muito de outras equipas como a Académica, Estoril, Vizela, Chaves, Feirense, mas eu percebo o porquê. Dentro do balneário tentei dizer para fazermos o nosso caminho silencioso e que no final ainda ia saber melhor. Isso deu-nos mais força para trabalhar cada vez mais. Falo por mim, deu-me muito gozo não estarem a contar connosco durante a época. A meio da temporada dei uma entrevista e disse que no final iam estar-me a fazer outra entrevista, mas desta vez com o prémio [de subida de divisão].
ZZ: Agora na Primeira Divisão, há condições para continuar e estabilizar o Arouca?
PM: Penso que sim. Pelo que percebi, todos têm contrato e que vão querer manter o mesmo plantel. Claro que vão sempre entrar reforços, mas penso que quem vier, vai-se adaptar bem ao nosso grupo porque nós recebemos muito bem quem chega de fora. Tenho a certeza de que quem vier, vem para ajudar e tem qualidade. O clube aprendeu com o segredo deste ano e, acima de bons jogadores, vão procurar grandes homens para lutarem. O objetivo é estabilizar na Liga NOS, dado o esforço que fizemos para estar aqui. Passamos por muitas dificuldades e, agora que chegamos, vamos ter os pés bem assentes na terra. Percebemos os nossos defeitos e as nossas qualidades para tentarmos fazer um campeonato dentro dos objetivos que o presidente e o treinador vão propor no início da época.
ZZ: E o Pedro Moreira em termos individuais, está pronto para o regresso à Primeira Liga?
PM: Estou mais que pronto. Este ano tive a sorte de não ter nenhuma lesão que me impossibilitasse de estar fora durante muito tempo, que fez com que pudesse usufruir do futebol. Quero agradecer ao Arouca, ao plantel, à equipa técnica, aos diretores e ao Presidente por me terem dado muita confiança porque, um jogador pode ter muita qualidade, mas se não tiver confiança não consegue render. Este ano estive com a confiança em alta e até fazia coisas dentro de campo que já não me lembrava de fazer e estou muito motivado para voltar à Liga NOS. É onde eu quero estar e é onde eu sempre quis estar. Por um motivo ou por outro, tive de voltar ao CNS [Campeonato de Portugal] e à Segunda Liga. Agora que estou aqui, quero usufruir, divertir-me e ser o mesmo Pedro de sempre. Se tiver não lesões já fico feliz porque o objetivo é ajudar a equipa e divertir-me.
ZZ: Quando estavas na Roménia deste uma entrevista ao zerozero em que falavas do teu momento, e agora falas de ser feliz em não ter lesões. Como és uma pessoa que pensa muito no futuro, sentes que és uma pessoa mais feliz neste momento comparativamente a 2019?
ZZ: Passaste algum tempo na equipa B do FC Porto e queria-te perguntar pelo Bruno Costa, que pode regressar ao clube. Tu que já jogaste e partilhaste o balneário com ele, achas que ele tem capacidade para voltar a implementar-se na equipa A?
ZZ: Pegando no Sérgio Oliveira e nos rumores que o ligam a uma eventual transferência para a liga italiana, achas que ele pode ter sucesso fora de Portugal?
PM: O Sérgio [Oliveira] já conheço melhor que o Bruno [Costa] e somos grandes amigos. Falamos muitas vezes e sei que ele tem uma qualidade incrível. Naquela altura da equipa B onde desciam alguns jogadores da equipa A para jogar por nós, como o Herrera ou o Carlos Eduardo, ele perdia o lugar o lugar e eu pensava ‘este ir para o banco é um crime porque ele tem imensa qualidade’. Também é uma pessoa fantástica, que está sempre disposta a aprender e é muito trabalhadora. Penso que se ele for embora, o FC Porto vai ficar a perder, mas para onde ele for vão ficar a ganhar, seja em França, Itália ou Alemanha.
ZZ: Disseste que tinhas alguma mágoa por não te teres estreado pela equipa A. Ainda é algo que te deixa com alguma tristeza?
ZZ: Quando estavas na Roménia disseste-nos que podias voltar a Portugal num futuro próximo, que acabou mesmo por acontecer. Sentes que foi a escolha certa?
PM: Penso que sim. Na altura, os primeiros jogos na Roménia correram muito bem e eles até queriam renovar o contrato. No entanto, eu fui adiando porque não estava a gostar muito de estar lá e queria voltar a Portugal porque queria voltar para junto da minha família, queria estar aqui perto e queria voltar ao futebol português que tem muita qualidade. No momento, se calhar até tinha pensado que não era a decisão certa, mas enganei-me. Tive sempre um pressentimento que ia tudo correr bem. Não foi uma escolha errada, foi uma escolha mais que certa e estou muito feliz por isso.
ZZ: E o que é que falta no futuro do Pedro Moreira?
PM: Enquanto o meu corpo aguentar pretendo continuar a jogar ao mais alto nível, na Primeira Liga se possível e com o Arouca, porque estou muito bem no clube. Tenho 32 anos e espero jogar muitos mais.
ZZ: Ainda tens sonhos?
PM: Sempre tive o sonho de ir à Seleção A, mas isso já é impossível de isso acontecer. Consegui estar nos sub-21 e na Liga Europa que já é muito bom, mas também sempre tive o sonho de jogar a Liga dos Campeões, nunca se sabe [risos]. O futebol dá-nos muitas surpresas, mas sei que é muito difícil isso acontecer. Por isso, neste momento, o meu objetivo passa por estabilizar-me na Primeira Liga com o Arouca e fazer uma boa época, mas acima de tudo, sentir-me bem e feliz.