23 de maio de 1990. Trinta anos passaram desde a última presença do Benfica numa final da maior prova europeia a nível de clubes. Local? Viena. Adversário? AC Milan. O todo-poderoso AC Milan, então campeão europeu e à data uma das equipas mais temíveis do mundo. Baresi, Maldini, Costacurta, Ancelotti e as três laranjas mecânicas: Rijkaard, Gullit, van Basten. Um autêntico cabo das tormentas.
No outro lado o Benfica de Sven-Göran Eriksson, com vários internacionais brasileiros (Ricardo Gomes, Aldair e Valdo) e suecos (Jonas Thern e Mats Magnusson), que se juntavam a vários portugueses no onze. Entre eles estava José Carlos, que tinha regressado às águias precisamente no início da temporada de 1989/90, depois de dois anos de empréstimo ao Portimonense.
«A memória não é muito boa, mas tenho ideia do feito que essa final foi na altura para todos os jogadores e para o clube. Tinha a ideia clara da grandiosidade do clube que íamos defrontar e pouca gente acreditava que fosse possível. Era uma equipa recheada de estrelas, mas também uma equipa que teve um grande respeito em relação a nós», recorda o antigo lateral, em conversa telefónica com o zerozero.
«Lembro-me que o AC Milan preparou muito bem o jogo. Uma semana antes da final foram para estágio para uma instância na Suíça e chegou a ser público que os jogadores renovaram o sangue nessa semana. Na altura ainda era permitido. No fundo tinham condições que o Benfica não tinha. Nós treinámos no Estádio da Luz, como sempre fizemos, e íamos dormir a casa», acrescenta.
José Carlos 4 títulos oficiais |
Num jogo tão equilibrado, o resultado só poderia ficar definido no detalhe. Num detalhe bastante curioso, diga-se. Tudo porque é percetível no lance do golo [ver vídeo a partir do minuto 3:25] que um jogador do Benfica é ludibriado por um apito vindo sabe-se lá de onde e a interromper por breves instantes (fatais) a perseguição a Ruud Gullit.
«Tenho ideia que o Hernâni ia a acompanhar o Rijkaard e ouviu um apito vindo da bancada e hesitou. A história do golo é um bocadinho assim… Foi um jogo marcante para todos. Pena não termos ganho. Tenho a medalha do segundo lugar e a camisola do Maldini ali guardados. Estivemos perto… É um jogo que me marcou para a vida», atira.
O percurso até às meias-finais foi relativamente acessível para o Benfica, sem apanhar nenhum tubarão pelo caminho, e as eliminatórias foram passando até ao primeiro grande teste. O Marselha de Mozer, Deschamps, Enzo Francescoli e Jean-Pierre Papin.
Seguimos viagem com José Carlos para recordar uma eliminatória «dura», resolvida graças a afamada ‘Mão de Vata’ num estádio da Luz a rebentar pelas costuras: 120 mil pessoas nas bancadas. «Era um ambiente inacreditável! Não se esquece.»
«O jogo cá foi diferente. O Marselha veio para a segunda mão convencido de que o 2x1 chegava e fez muito pouco para ganhar o jogo. Apostaram em defender a vantagem e isso foi fatal. Nós tivemos mais bola, mais oportunidades, jogamos muito tempo no meio campo defensivo deles. Depois acabámos por ter a felicidade do Vata ter feito o tal golo», complementa.
O «tal golo». Um golo que 30 anos depois ainda pinta capas de jornais nacionais. Não podíamos perder a oportunidade para ouvir a opinião de quem assistiu ao momento in loco.
«Na altura não me apercebi da mão, sinceramente. Mais tarde ao ver as repetições percebemos todos… Mas também entendo a posição do árbitro. A forma como o Vata mete a mão à bola, e com toda aquela gente à frente, não era fácil. E não havia VAR, claro. Se houvesse teria sido diferente. Falou-se muito também na altura. O Marselha era uma equipa com muita influência na Europa. Mas isso passou-nos ao lado. O importante para nós é que o golo tinha sido validado», remata.E o que fazia daquela equipa do Benfica tão especial, capaz de chegar a uma final da Taça dos Campeões Europeus? José Carlos explica.
«Tínhamos um bom grupo, além do valor individual. Dávamo-nos todos muito bem e o Eriksson conseguiu criar um bom espírito. Era um treinador muito engraçado, interessante e inovador. E depois também tivemos alguma felicidade aqui e acolá», justifica.
Uma felicidade que não se repete para o Benfica desde 1990. 30 anos sem chegar a uma final da prova milionária. E José Carlos acredita que ainda há um longo caminho a percorrer para que tal volte a acontecer no futuro.
«Esta é a minha leitura. Até pode acontecer, atenção, mas as equipas têm de contratar melhor para estarem à altura das outras. Não há milagres. O Benfica tem feito um trabalho muito bom na formação, ao detetar talentos muito cedo, e o caminho também passa por aí. Só que não nos podemos esquecer de alguns clubes com uma capacidade financeira muito grande, graças a investidores externos. Nós aqui não temos isso», reforça.
1-0 | ||
Frank Rijkaard 68' |