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    Entrevista ao zerozero - Parte I

    Perdeu o pai, encantou Scolari e estreou-se na Libertadores: Dos 10 aos 16 anos, assim começou a história de Lincoln

    2020/04/05 17:02
    E2

    Chegar ao topo é difícil, mas continuar no topo é ainda mais. Não somos nós a dizê-lo, mas sim Lincoln, jogador do Santa Clara que conhece bem estas sensações. Aos 16 anos, depois de encantar Scolari meses antes do aniversário, estreou-se pela equipa principal do Grémio, bateu recordes na Libertadores e foi ídolo para os adeptos do clube de Porto Alegre, mas com apenas 21 anos já há muito para contar, daí a entrevista ao zerozero ter durado perto de uma hora.

    Lincoln
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    Na vida, Lincoln já conheceu todo o tipo de realidades. A morte do pai, apenas com 10 anos, foi a mais dura que teve de enfrentar, mas ao mesmo tempo foi aí que encontrou forças para cumprir um sonho de infância e de quem sempre acreditou nele: o sonho de ser futebolista. Depois de se ter tornado profissional, Lincoln tinha outro sonho para cumprir: jogar em Portugal. Cumpriu os dois. Pelo meio, claro, teve altos e baixos, momentos que vai guardar para sempre (tem mesmo de ler o relato sobre o golo marcado de calcanhar frente ao Ipiranga) e outros que garante não esquecer pelas lições que pôde retirar.

    Depois de muitos anos ligado ao Grémio, o clube de infância e do ídolo Ronaldinho, Lincoln mudou-se para os Açores e foi a partir daí que falou com o nosso site. No entanto, não esquecemos as origens, por isso é precisamente esse o tema da primeira parte desta entrevista. Como começou, quem foi e no que se tornou Lincoln, o miúdo que com 15 anos deixou Scolari a suspirar pelo «diamante negro»

    Lincoln começou a treinar na equipa principal do Grêmio aos 15 anos ©LUCAS UEBEL/ GRÊMIO FBPA

    «Havia muitos meninos melhores do que eu e não tiveram oportunidade»

    zerozero (ZZ): No Brasil já eras muito conhecido, aqui em Portugal ainda há muitos que talvez não saibam quem és. Conta-nos um pouco da tua história.

    Lincoln: Tudo começou cedo. Muitas pessoas começam a contar no profissional ou abaixo do profissional, mas vem muito antes. Entrei no Grêmio com sete anos e fiquei muito tempo. Em 2015 subi a profissional e isso iniciou uma nova etapa, uma outra realidade, estar com jogadores diferentes e mais experientes. Poderia subir com 15 anos, mas é proibido, esperei completar 16 para integrar o grupo.

    ZZ: És brasileiro. O futebol está praticamente no sangue, não é? Lembras-te dos primeiros passos?

    Lincoln: As pessoas olham para os brasileiros como uma fábrica de jogadores de qualidade, em diversas regiões mais humildes há muitos jogadores de qualidade. Eu saí de uma comunidade e sou grato a Deus por ter essa oportunidade. Havia muitos meninos melhores do que eu e não tiveram esta oportunidade.

    ZZ: Como era a tua infância?

    Lincoln: A minha família gosta toda de futebol, os amigos também e ser criado numa família que gosta toda de futebol... O meu pai gostava muito de futebol, até tinha uma equipa, por isso andava nisto desde pequeno. Ia para a rua, jogava futebol, voltava tarde, os pais até ficavam chateados [risos], mas sabem que a gente gostava, não nos podiam proibir de fazer isso. O meu pai não pode presenciar isso, mas a minha mãe presenciou um pouco dos momentos bons que passei no profissional.

    ZZ: Os teus irmãos também jogavam contigo? Jogavam à bola na rua?

    Lincoln: Eu, os meus irmãos, os meus amigos, todos da comunidade iam treinar futsal e como o meu pai tinha uma equipa nós juntávamo-nos sempre ao intervalo para jogar. Eu era o mais novo, jogava com os mais velhos e isso também facilitou, consegui entender mais, jogar com os mais velhos é muito diferente. Eu praticava com os mais velhos e isso acabou por ser bom para mim e tornar as coisas mais fáceis.

    ZZ: Em quem é que te inspiravas?

    Lincoln: Nós olhamos sempre para os grandes jogadores e por ser brasileiro e por ver jogar desde pequeno, o meu ídolo sempre foi o Ronaldinho. Quando estava na formação do Grêmio, apesar de mostrar dentro de campo a sua qualidade, alguns funcionários diziam que ele era um exemplo, carregava material, não era só dentro de campo. Dava exemplo de ajudar os companheiros, de diversas situações. Os craques não se mostram apenas fora de campo, mas dentro também e nós acabamos por olhar para essas coisas.

    ZZ: Ainda eras muito novo quando o teu pai morreu. Como foi lidar com isso? Ele acreditava muito em ti e dizia que podias ser o melhor do mundo, tinham uma excelente relação, não era?

    Lincoln: Uma perda é sempre dolorosa, seja familiar ou não. É doloroso para todos, mas imagina um pai. É uma coisa mais íntima, que sentimos mais. Independentemente da idade sempre vamos sentir, mas eu tinha 10 anos quando perdi o meu pai, foi muito difícil para mim. No início era o meu pai que me levava para o treino, apanhava dois ou três autocarros e ele fazia esse processo todos os dias comigo e isso acaba por ser difícil. Era muito jovem, não entendia muito e isso foi doloroso demais para mim.

    ZZ: Ter chegado a profissional também foi um orgulho pelo que o teu pai fez por ti, não?

    Lincoln: Eu sempre quis ser jogador de futebol e sei que ser jogador de futebol não é fácil, é preciso abdicar de muita coisa - cuidar da alimentação, amizades que só aparecem nos momentos bons -, é muita coisa. Eu estava disposto a abdicar disso para ser jogador, o meu pai sabia disso, abriu-me os olhos em relação a isso e quando saí para ir para o profissional isso foi um sonho, fiquei grato por tudo, pelo meu pai, porque ele fez parte desse processo também. Foi uma conquista para mim e para toda a minha família, acredito eu.

    ZZ: Uma das coisas que encontramos logo quando fizemos a nossa pesquisa foi sobre um famoso treino em que o Scolari ficou doido contigo. Lembras-te desse dia?

    Lincoln: O meu tio morava comigo e com a minha mãe e ficávamos a falar muito, ele jogou futebol em várias equipas como profissional e eu estava a treinar separado do meu próprio escalão e o treinador da categoria mais velha deu-me uma oportunidade de reintegrar o grupo mais velho. Eu lembro-me quando integrei o grupo, fizemos um jogo e fiz três golos. Dois dias depois íamos ter um amigável contra a equipa profissional, isto com a equipa de sub-20 e alguns de sub-17 - eu tinha 15 anos na altura. Dois dias depois fomos fazer o jogo treino e na noite anterior eu disse ao meu tio: "Vou dormir porque amanhã vai ser um dia muito importante", ia ser um dia à parte porque ia jogar contra jogadores que via na televisão, profissionais em quem a gente se inspira. Então eu disse que ia dormir porque o dia seguinte ia ser especial, tinha de ir bem, precisava de mostrar o meu trabalho e seria um dia especial. Graças a Deus, fiz um excelente treino e o professor [Scolari] gostou do que viu. Não era um treinador qualquer. Claro que todos os treinadores são importantes, mas era um treinador campeão do Mundo, respeitado, estudado, entendido. Fico feliz pela oportunidade que me deu e sou muito grato a ele por isso, por tudo o que aconteceu.

    Lincoln: «O Felipão foi como um pai para mim»

    ZZ: Passado uns meses fazes os 16 anos e assinas logo contrato profissional. Sentiste pressão ou eras apenas um miúdo a jogar à bola?

    Lincoln: Na verdade a gente sente pressão, sim. É uma coisa diferente. Estava com atleta experientes, mas os jogadores que estavam no plantel davam confiança, deixavam-me tranquilo, não criavam pressão. Sabemos que a pressão vai existir sempre, jogando numa equipa grande a pressão existe sempre, mas lido bem com ela. Sou uma pessoa tranquila, os jogadores de futebol têm de aguentar, entender, amadureci cedo com tudo o que aconteceu na minha vida e acho que isso também facilita. Agradeço ao Felipão tudo o que ele fez porque entendia o processo e foi um pai para mim desde que subi a profissional.

    ZZ: E como ouvir grande parte dos adeptos a pedirem para seres titular?

    Lincoln: É muito bom, mas são coisas que acontecem no futebol. A gente nunca sabe, no futebol não és nada num dia e podes ser tudo no outro, é tudo muito rápido. Os adeptos estavam a pedir a titularidade, mas no outro dia podiam estar a pedir para sair. Temos de saber lidar com isso, temos de estar sempre preparados para o pior, porque se vierem coisas menos más vão ser sempre boas para nós, se vierem coisas más vamos estar preparados para essa situação.

    ZZ: Nessa altura estavas a ter um grande impacto e fizeste um golo que virou viral. Foi na Libertadores, não foi?

    Lincoln: Foi no Gauchão.

    ZZ: Conta-nos lá o que te passou pela cabeça.

    Lincoln: Foi poucos dias antes do golo da Libertadores, estávamos no campeonato Gaúcho e lembro-me que o treinador, o Roger, estava sempre a pedir para ir para dentro da área. Eu jogava no meio campo ofensivo e tinha de entrar na área. As minhas características são mais de um 10 clássico, gostava de ter a bola no pé, jogar atrás da linha da bola e ele cobrava muito isso, sabia da minha capacidade e qualidade, mas cobrava muito para entrar na área. Nesse jogo lembro-me que entrei na área porque ele apareceu na minha cabeça a dizer que tinha de entrar na área e entrei praticamente por entrar. O médio defensivo do Ipiranga estava a marcar-me individualmente, eu ia beber água e ele vinha também [risos]. Estavam sempre a cobrar para eu entrar na área, então eu fui. Dei de calcanhar porque ele estava muito atrás de mim, não dava para eu rematar, sou esquerdino, mas ele estava colado a mim. Então eu pensei: "Estou na área, se a bola tocar no calcanhar estou na área", mas foi muito rápido, não estava com o corpo preparado para chutar de esquerdo ou de direito, então na passada decidi dar de calcanhar e foi golo. Depois lembro-me que o mister me disse: "Vês o que estou a dizer? Tens de entrar na área". Eu dizia que ele estava certo e ele ainda respondeu: "Foi um grande golo, mas era para rematar de pé direito, não era de calcanhar", mas já tinha sido golo isso é que era o importante [risos].

    ZZ: Tudo isto aconteceu quando eras muito novo. O teu nome já era falado fora do Brasil, as pessoas falavam muito de ti. Nessa altura sentiste pressão para te destacar?

    Lincoln: Não, não. Entendo os bons momentos e os maus, temos de saber lidar com eles. Já tive momentos bons e já aprendi, acabamos por ganhar confiança a mais, tendo uma visão diferente e depois quando não temos essa continuidade vemos as críticas e acabamos por aprender com isso. Logo no início tive pessoas que me ajudaram com isso, então acabo por não criar expectativas com os momentos bons. Fico feliz, claro, é o nosso trabalho, mas nos momentos maus também temos de ter capacidade para aguentar, temos de trabalhar mais e nos momentos bons também temos de trabalhar para dar continuidade. Vês os grandes jogadores - Messi e Cristiano Ronaldo -, as pessoas olham para eles como grandes jogadores, mas para chegar lá trabalharam muito, então para manter ainda é mais difícil. São pessoas que trabalham muito para estar onde estão. Há muitos jogadores bons, mas os melhores são sempre eles porque trabalham muito mais do que os outros, isso é a coisa certa. Manter no alto é muito mais difícil.

    Lincoln desvinculou-se do Grêmio para assinar em definitivo pelo Santa Clara ©Rogério Ferreira / Kapta+

    «Sempre tive o sonho de jogar em Portugal»

    ZZ: Ainda fizeste parte da equipa que ganhou a Libertadores, não foi? Como foi conquistar esse título?

    Lincoln: É muito gratificante, ainda fiz alguns jogos, mas depois fui para a Turquia, mas fico muito feliz. O grupo era bom, o clube merecia isso, merecia voltar a ganhar um título de expressão e foi muito bom. Só fiquei triste porque não ganhei a minha medalha [risos].

    ZZ: Falavas da Turquia [Rizespor]. Como surgiu essa possibilidade? Apesar de ser na segunda divisão foi a primeira experiência na Europa...

    Lincoln: Acredito que tudo na minha vida tinha um objetivo. Sempre tive o sonho de jogar em Portugal e surgiu essa situação para ir para a Turquia. Sentei-me com o treinador, o Renato, e pedi para jogar na Turquia, era um empréstimo, tinha o sonho de jogar em Portugal e ao ir emprestado para a Turquia já ia ter experiência e uma noção do que realmente é. Fui para a Turquia, fui campeão lá, depois voltei, ainda fui para o América, mas acabei por ter a oportunidade de vir para Portugal. Foi um processo muito bom, tive uma perceção diferente do que poderia ter. Os grandes jogadores estão na Europa e foi por isso que tomei a decisão de ir para a Turquia, ia jogar mais, o treinador já me conhecia dos tempos da seleção e isso facilitou um pouco a minha ida.

    ZZ: Quando voltaste para o Brasil não jogaste muito. Achas que as pessoas te viam de uma forma diferente do que quando apareceste?

    Lincoln: Acredito que sim. Foi uma situação diferente, fiz parte de todo o processo do Grêmio, de 2015 a 2017, joguei alguns jogos, não como queria mas entendi, era o início e era uma coisa nova. O clube estava há muitos anos sem ganhar um título de expressão - ganhámos em 2016 a Copa do Brasil e isso foi muito bom. Acabámos por ganhar a Libertadores, o plantel manteve-se durante dois anos, fui para a Turquia e quem vai chega atleta, é toda uma rodagem. Cheguei, renovei, as coisas estavam a dar certo, mas de repente entrei num processo que o clube estava numa situação sem ganhar um título de expressão. Quando subi ganhámos a Copa do Brasil e a Libertadores, aí é normal perder um pouco de espaço. Fui emprestado, continuaram os mesmos jogadores e acabei por perder espaço.

    ZZ: Tinhas dito que sempre quiseste vir para Portugal. Porquê?

    Lincoln: Sempre tive o sonho de jogar em Portugal. O idioma é o mesmo do Brasil e tive muitos amigos que jogaram aqui, que sempre falaram bem de Portugal, que a Liga é muito competitiva, de muita qualidade e foi por isso. Para um início na Europa acredito que Portugal é a porta de entrada para todos os jogadores brasileiros pela questão do idioma, não vai haver dificuldade e encontra um campeonato de qualidade, disputado, difícil. Sempre tive o sonho de jogar em Portugal e graças a Deus estou aqui hoje.

    ZZ: Então quando apareceu a proposta do Santa Clara nem pensaste duas vezes?

    Lincoln: Não, nem pensei duas vezes. Foi só rescindir com o Grêmio, mas quando o meu agente me ligou e falou da situação eu disse logo que vinha sem pensar.

    Brasil
    Lincoln
    NomeLincoln Henrique Oliveira Dos Santos
    Nascimento/Idade1998-11-07(25 anos)
    Nacionalidade
    Brasil
    Brasil
    PosiçãoMédio (Médio Ofensivo)

    Fotografias(56)

    Comentários

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    motivo:
    RV
    Lincoln
    2020-04-05 20h28m por RVL22
    Espero que o Benfica o agarre e o empreste na próxima época ao Famalicão. Tem tudo para partir a loiça em Portugal
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