Licenciado em Engenharia Eletrotécnica e de Telecomunicações, Rui Sousa é um dos principais responsáveis pela evolução do Centro de Análise de Desempenho e Mercado do América. O clique foi dado no final da temporada de 2016, altura em que o clube foi despromovido ao segundo escalão e decidiu apostar num conjunto de ideias de Sérgio Vieira. Esse mesmo. O treinador do Moreirense.
«Antes de falar um pouco do América, importa referir a importância do Sérgio Vieira. Eu na altura cheguei ao Brasil num processo de seleção do Atlético Paranaense, um clube um pouco diferente daquilo que é o contexto brasileiro, e foi aí que conheci o Sérgio. Não conhecia o seu trabalho. Acabei por partilhar algumas comissões técnicas com ele e depois levou-me para o América como auxiliar técnico. Além da equipa técnica, o Sérgio levou um conjunto de ideias que provocaram uma revolução no departamento de análise, com a compra de software e de algumas máquinas especializadas naquilo que é o modelo/processo de análise», introduz Rui Sousa, em entrevista ao zerozero, ele que já contava no currículo com experiências no Flamengo e Sport.
Golos sofridos | Equipas | Ano |
---|---|---|
25 | AMÉRICA MINEIRO | 2017 |
26 | Internacional | 2016 |
28 | Palmeiras | 2013 |
28 | Paraná | 2017 |
29 | Corinthians | 2008 |
29 | Vasco | 2009 |
29 | Londrina | 2009 |
Apaixonado pelo fenómeno que move massas um pouco por todo o Mundo, Rui Sousa sempre olhou para o jogo de uma forma «muito diferente». Praticou futebol federado durante 22 anos na região do Porto e quando terminou a ‘carreira’ nos relvados e pelados decidiu matar o ‘bichinho’ com a análise do jogo. Deixou o campo para passar para o laboratório.
«Hoje posso dizer com muita certeza que um treinador de futebol não passa sem um olhar atento sobre a análise. Temos a análise mais direcionada para o adversário, a análise da própria equipa e ainda outra vertente que passa pela prospeção de talentos/scouting. O treinador acaba por absorver muita desta informação para, a partir daí, tomar as melhores decisões», descreve.
Nada acontece por acaso. A análise permite não só conhecer muito melhor a equipa adversária, os seus pontos fortes e fracos, como também ajuda a que um determinado jogador perceba onde pode e deve melhorar para ir ao encontro daquilo que o treinador pretende. Rui Sousa e a sua equipa trabalham todos esses aspetos de forma minuciosa e fazem parte integrante do sucesso desportivo do América. Mas primeiro foi preciso quebrar algum ceticismo. Provar que nada acontece por acaso.
«Tivemos de ter a capacidade para convencer os jogadores de que todas as alterações iriam melhorar o rendimento individual e coletivo. E hoje em dia tenho a certeza que toda a gente no América vê a análise de desempenho do clube de uma forma muito séria e profissional», reforça.
«Sinal de reconhecimento? É fundamental em qualquer profissão. Seja de analista, treinador, jornalista… O reconhecimento vale muito mais do que uns reais ou uns euros. Até porque não levamos nada disto para o outro lado, mas fica a opinião que as outras pessoas ficam sobre as nossas competências profissionais e humanas. Acho que isso é fundamental. Se não fosse isso, provavelmente não estaria no Brasil. Não é fácil estar longe da família», completa.
Absorvido pelo trabalho, Rui Sousa lembra que é muito complicado gozar folgas no Brasil. O calendário competitivo é muito apertado e isso obriga a um esforço redobrado. «Costumo dizer que por vezes chego a determinado dia da semana e nem sei que dia é…», descreve. A recompensa chega através do ‘feedback’ positivo dos jogadores.
«Em várias entrevistas que deu à imprensa local, o Messias agradeceu muitas vezes ao nosso departamento e isso é muito gratificante. Conseguiu perceber através dos vídeos o que podia fazer para melhorar e evoluiu. Às vezes até nos dizia: “às vezes quando recebo a bola parece que me estou a ver no vídeo na sala de análise”. Este é um feedback extraordinário e acaba por ser contagiante, porque os jogadores começam a perceber que os resultados aparecem. Acho que este processo no América já não tem retrocesso», justifica.
O contexto é algo muito importante no trabalho diário de Rui Sousa. Em termos de investimento em ferramentas de análise, o chefe do departamento de análise e desempenho do América admite que o clube de Belo Horizonte investe mais do que a maioria dos clubes da primeira divisão portuguesa, com a devida exceção feita aos denominados três grandes, e explana as diferenças para o futebol europeu.
«Não vemos muita intensidade, mas continuo a achar que os atletas brasileiros são os melhores do Mundo», remata.
Este contexto possibilita uma base de dados «enormíssima» de jogadores, que até pode ser utilizada caso o clube decida ir ao mercado. Mas aí não são apenas as questões técnico e táticas que entram em campo.
«Já recusámos alguns nomes que nos interessavam pelo perfil, mas que tinham um passado com algumas lesões e isso é muito importante no contexto brasileiro. Ficar sem um jogador durante dois meses é incomportável porque estamos a falar de sensivelmente 16 jogos. Também nos interessa a forma como trabalha dentro de campo, se vai ficar chateado por ficar de fora e todas essas questões são reunidas num boletim de informação que é passado à diretoria e ao treinador. Eles depois tomam a decisão final», explica.
É com orgulho que Rui Sousa olha para os resultados alcançados pelo América na presente temporada. Além da subida de divisão, o clube de Minas Gerais sagrou-se campeão de série, contrariando o poderio do Internacional, e protagonizou a melhor campanha de todas as séries profissionais do Brasil. Nem o Corinthians conseguiu números tão bons como o América.
«O maior contributo é do treinador, não há dúvida, até porque é preciso convencer os jogadores a fazerem o que ele quer e nós fizemos coisas que o Brasil não estava habituado a ver. E eu orgulho-me de tudo porque posso participar naquilo que é a conceção de jogo do treinador [Enderson Moreira]. Tenho uma relação muito boa com ele», destaca.
«Perspetivas para o Brasileirão? O grande desafio vai ser garantir a manutenção. Só assim podemos conseguir levar este projeto por mais anos. Subir e descer é algo que desgasta. O América é um clube centenário, de grande tradição, mas que infelizmente foi perdendo adeptos. Esta é a altura ideal para que se projete definitivamente no plano nacional, novamente», deseja.
A pergunta é inevitável. Existe vontade de regressar a Portugal? O desejo existe, mas não no imediato. Rui Sousa explica as razões.
«Claro que gostava, sobretudo porque me permitiria estar mais perto da família. Mas o futebol português ainda não tem esse lugar para mim. Digo isto porque os clubes são ainda muito fechados e estamos a falar de um padrão muito inferior aquilo que o Brasil oferece neste momento. Talvez num futuro próximo não esteja no meu horizonte regressar a Portugal, mas é onde quero mais tarde voltar», explica.«No Brasil há varias perspetivas de crescimento. Tenho uma boa relação com o Enderson, ele teve várias propostas e teria ido com ele nesse contexto», finaliza.
1-0 | ||
Rafael Lima 66' |