Tão pequeno, mas tão dominante. Controverso, mas interessante. O Sheriff não é um clube comum. Não é preciso abrir completamente a cortina para entender isso mas, na verdade, esse «descortinar» da história deste clube moldavo, com tudo o que acarreta a nível geopolítico, não é uma tarefa fácil ou sequer possível.
Para começar, um dos adjetivos acima utilizados já é apenas parcialmente correto. É bem possível que Moldávia não seja o topónimo certo, tanto na visão dos habitantes desse país como dos adeptos deste clube que representa a região da Transnístria, que se e autoproclamou independente em 1990 e desde aí existe conforme as suas próprias regras.
O clube é um símbolo de um conflito que dura há muito tempo e põe em causa fronteiras. Nasceu desse separatismo transnístrio, mas rapidamente cresceu às custas de um império obscuro para se tornar um gigante no contexto do futebol do país, com alguma competitividade a nível europeu.
Glória quase imediata, by KGB
Foi em 1996, na cidade de Tiráspol, que este clube nasceu. Então com o nome de FC Tiras, que só durou até ao ano seguinte devido a um rebranding que aproximou a equipa ainda mais do seu principal patrocinador: o conglomerado «Sheriff», que para além do clube é também dono de uma cadeia de gasolineiras, de supermercados, canal televisivo, agência de publicidade, empresas de telecomunicações, construção e várias fábricas.
Foi sob estas condições que ascendeu ao principal escalão do futebol moldavo, logo na temporada de 1998/99. Nesse ano conquistaram a Taça da Moldávia pela primeira vez, e na temporada seguinte, a primeira do novo milénio, conquistaram o primeiro título de campeão nacional, apenas cinco anos após a fundação do clube.
Pouco apreciado no país mais pobre da Europa
Para entrar ou sair da Transnístria, é preciso passar uma fronteira dupla, com dupla inspeção. Faz parte da rotina para chegar a Tiráspol, que tantos jogadores vivem diariamente por não querer viver na paisagem distópica que é a maior cidade dessa região. Não que o resto do país seja melhor, pois não deixa de ser o mais pobre do continente, mas é a preferência de muitos que por lá passam.
Para os adeptos é diferentes. São poucos, num país que prefere desportos de combate ao futebol, mas nem o facto de ser o clube de maior sucesso do país atrai minimamente o povo moldavo, que também vê o Sheriff como algo estranho.
São condições de topo, que os atletas (maioritariamente estrangeiros) encontram no clube. Desde a renovação em 2011, o Complexo Desportivo Sheriff ostenta nada menos do que três estádios: um para as competições domésticas, um completamente coberto e outro com um estilo mais ocidental, utilizado principalmente nas competições europeias. Para além disso, é mais de uma dezena de relvados para treinos, bem como um hotel, restaurantes, um hospital, ginásios e por aí fora. Uma pequena cidade, bem longe do contexto circundante.
Ultrapassar fronteiras
Depois de começar a vencer, o difícil foi parar. À semelhança da empresa que controla o FC Sheriff Tiráspol, também o clube monopolizou os títulos no futebol do país, tornando-se o campeão anunciado à partida de cada temporada.
Não fosse a discussão de fronteiras tão desgastada no contexto do clube, os 10 títulos de campeão consecutivos desde o primeiro motivaram um olhar para as competições europeias, onde o Sheriff tardava em brilhar. As dificuldades de qualificação via uma das ligas com pior classificação no coeficiente foram sentidas anualmente, e só em 2009/10, no ano do decacampeonato, conseguiram uma fase de grupos. Depois de eliminar o Slavia Praga na terceira pré-eliminatória, foram derrotados pelo Olympiacos mas caíram para a Liga Europa no play-off. Ficariam em terceiro no grupo, à frente do histórico Steaua Bucareste e atrás de Fenerbahçe e Twente,
Uma campanha de qualificação notável permitiu ao Sheriff tornar-se na primeira equipa moldava a chegar à fase de grupos da Liga dos Campeões, em 2021/22. Chegar foi impressionante, mas a verdadeira magia esteve nos resultados, numa campanha que começou com improváveis e históricas vitórias sobre o Shakhtar, em casa (2x0), e sobre o Real Madrid no Santiago Bernabéu (1x2). Depois três derrotas consecutivas, frente a Internazionale e Real Madrid, diga-se, antes de um empate com o Shakhtar permitir uns respeitáveis sete pontos e o terceiro lugar, com consequente acesso à fase a eliminar da Liga Europa. O primeiro adversário? SC Braga.