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    Visão de jogo
    Pedro Silva

    Que líder há em cada treinador?

    2018/03/26
    E0
    Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.

    Há tempos, a convite da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, tive a honra de dinamizar uma sessão sobre Liderança e Coaching para uma turma de Treino Desportivo, que partilha do mesmo objetivo: todos os alunos, e também uma aluna, querem ser treinadores de futebol. Foi uma experiência muito interessante e que, através da interação com a turma, reforçou a ideia que já tinha sobre o elevado nível de preparação académica proporcionado aos jovens que pretendem seguir esta via profissional. Atendendo ao que nos últimos anos tem vindo a acontecer, não admira que nesta turma (e certamente noutras) estejam alguns promissores treinadores e que daqui a alguns anos os iremos ver a liderar equipas de nível profissional.

    O objetivo da sessão era claro: sensibilizar a turma para a preparação humana e para a importância de serem líderes de referência. O mote tinha a forma de uma pergunta: Que líder sou eu?... E por aqui seguimos durante duas horas, entre ciência e experiência, partilhando, refletindo e debatendo.

    Na preparação da sessão dei por mim a pensar: que referências de liderança têm estes jovens? Que Homens e Mulheres, no futebol e fora dele, os inspiram? Que treinadores influenciam estes futuros treinadores? Que exemplos observam? Que valores e princípios identificam nos seus ídolos? Além das táticas, dos modelos de jogo, das substituições... que diferença faz a ação de cada treinador, pela positiva e pela negativa, que influencie estes jovens? Com quem aprendem a ser o que querem ser?... e com quem percebem o que não devem fazer?

    Confesso: perdi-me entre bons e maus exemplos, sem chegar a um lote restrito, no qual estivesse convicto de que estaria a maioria dos modelos de liderança que estes jovens precisam.

    Certamente que há bons líderes entre os nossos treinadores, mas, "em tempo de guerra as fisgas valem pouco". Isto é, mais facilmente aparece no jornal ou na televisão uma situação menos digna do que um exemplo salutar de liderança. Hoje, aparece mais quem grita mais, aparece mais quem se vangloria mais, do que fez e do que não fez, ou quem bate mais com a mão na mesa, mesmo que não tenha razão. Bons exemplos também os há, e também os vemos, mas a proporção é muito desequilibrada. Para agravar isto, dois fatores: 

    1. O ambiente em que se joga a nossa Liga, com um constante clima de suspeição sobre tudo e sobre todos, leva a extremar reações e comportamentos, principalmente nos momentos menos bons, criando um turbilhão no qual os treinadores fazem parte;

    2. A facilidade com que se despedem treinadores e como outros, colegas, os aceitam substituir, desvaloriza o seu próprio papel, retirando-lhe credibilidade e tornando inexistente o sentido de classe - ora sendo substituídos, ora substituindo, em mais do que uma equipa, da mesma Liga, na mesma época. 

    Então, voltemos à questão que serviu de mote à sessão, projetando-a para os nossos treinadores: Que líder há em cada treinador? Sem clubismos ou preferências por simpatia, com o foco naquilo que nos é dado a conhecer - as suas decisões, os seus comportamentos e a sua comunicação - que competências lhes reconhecemos? E por comparação com os treinadores de outros países, de outras Ligas?

    Cada vez mais, liderar pessoas e equipas no alto rendimento desportivo exige um elevado nível de preparação técnica e humana que permita transformar objetivos em resultados, através de dinâmicas agregadoras e eficazes. Com ciências, mas não sendo a Liderança, em si mesma, uma ciência. Neste sentido, são várias as referências que investigam e escrevem nesta área e identificam competências-chave para uma liderança de sucesso. De uma forma simples e resumida, aqui ficam aquelas que são, na minha opinião, as decisivas:

    Autoconhecimento – Conhecer-se a si próprio, as suas limitações e as suas mais-valias, conhecer os seus princípios e valores, tê-los bem presentes, retirando de cada experiência uma aprendizagem que seja incorporada e lhe permita manter-se em constante atualização. Conhecer os outros é importante? Claro! Mas antes disso é importante conhecer-se a si mesmo, antes de conhecer os outros.

    Gestão de pessoas – Cada vez mais um treinador é um gestor de pessoas, quer ao nível da sua equipa técnica onde agrega um conjunto de especialistas nas várias áreas de apoio ao seu trabalho, quer na gestão dos homens e mulheres, que treinam e jogam, que ganham e perdem, que vivem e sentem. Com o acesso à informação que hoje existe, é possível saber tudo sobre futebol, táticas e exercícios de treino, mas isso nunca pode significar que se sabe menos sobre pessoas.

    Inteligência emocional – competindo em contextos onde as águas são cada vez mais agitadas e turvas, importa ter um elevado controlo emocional, capaz de garantir a resiliência às adversidades e de despoletar a superação nos momentos decisivos, gerindo adequadamente as suas emoções e influenciando positivamente as de todos os que os rodeiam, da equipa aos adeptos.

    Comunicação – numa realidade onde cada vez mais se comunica ao instante e principalmente através de dirigentes, caberá aos treinadores a difícil tarefa de marcar a diferença pela genuinidade e integridade da sua mensagem, focada no que acontece dentro de campo através de algo que vá além da simples capacidade de dizer banalidades, no que se refere ao que acontece fora e dentro do seu âmbito de trabalho.

    Ser exemplo – Sob pena de ser incoerente e, logo, ineficaz, precisa o treinador de ser exemplar no que concerne ao seu próprio comportamento. Como disse Albert Schweitzer, filósofo alemão, “Dar o exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única.”

    Agora, tendo em conta estas competências, olhemos para os principais treinadores da nossa Liga, aqueles que todos os dias aparecem, e pensemos: que líder há em cada Treinador?



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