Expresso do Dragão, último comboio rumo à estação da glória, o título. O FC Porto esmagou o Benfica no clássico, não desperdiçou o derradeiro bilhete, marcou cinco golos e deixou mais uma mão cheia por marcar.
Exibição maiúscula, autoridade draconiana, mortandade espalhada pelas débeis (ridículas, banais, escolham o adjetivo) linhas de defesa pensadas por Roger Schmidt.
Dragão, casa de todos os horrores do alemão. Tantas opções erradas, tanta insistência em estratégias incompreensíveis, tanta incompetência. Do treinador e da equipa.
Noite perfeita no reino do FC Porto, pois então, a comprovar que o atraso no campeonato se deve, apenas e só, a culpas próprias em jogos teoricamente mais acessíveis.
Banho de bola, sova, lição de bem jogar, um jogo a confirmar dados suportados pela História: de 1978 a 2014, 36 anos, o Benfica só venceu duas vezes na visita à fortaleza azul.
Uma espécie de regresso à normalidade.
A única escapatória do FC Porto era a perfeição. Atingiu-a.
Confortável em posse e a saltar com uma inacreditável facilidade a anémica pressão do Benfica, os homens de Sérgio Conceição encontraram na direita do ataque o trampolim perfeito para implodir o estrambólico sistema pensado por Schmidt.
Nem o amarelo madrugador levou Schmidt a reagir. Nada. Foram 45 minutos penosos, uma angústia na perspetiva das águias e um manjar do Olimpo no olhar azul e branco.
Ao intervalo, o germânico lá se lembrou de Carreras. O que dizer do espanhol? Há um episódio de Seinfeld que retrata a sua entrada em campo. Caricatura os Três Tenores. Placido, Domingo e... o outro? Quem? The other guy, o outro tipo.
Carreras foi o outro tipo.
O contexto era desconfortável, muito desconfortável para o FC Porto. Nove pontos de atraso, obrigação absoluta de não falhar, uma sensação semelhante à vivida em 2010 e recordada por Fernando Belluschi e Ernesto Farías no zerozero.
Ora, já falámos de Chico Conceição, dos dois golos de Galeno, mas aqui é tempo e hora de entrar Nico González em cena. O cérebro ex-Barcelona foi fundamental, o mais inteligente e o mais lúcido a decidir, com e sem pressão, de costas ou voltado de frente para o jogo, sempre sublime.
A forma como percebeu a movimentação de Pepê (o inverso de Nico, tantas vezes a decidir mal!) e serviu o brasileiro para o 4-0 foi notável. Aí, aos 75 minutos, já Nico Otamendi estava um quarto de hora na rua (maior assobiadela da noite) e Wendell, motivadíssimo pela chamada à canarinha, fizera o terceiro do FC Porto numa aceleração e passe de Galeno - aí, pela esquerda.
Na noite das maravilhas azuis, uma pergunta sobrevoou toda a partida: o que quis Roger Schmidt?
Abdicou da bola e defendeu mal.
Baixou as linhas e foi, mesmo assim, vulnerável.
Na pouca pressão feita, mais por ímpeto do que por organização, revelou-se uma desgraça.
Tudo muito mau no Benfica, a repetir, aliás, os péssimos sinais já deixados na primeira parte em Alvalade - aí, o 2-1 final camuflou as limitações evidentes.
O Benfica sai muito maltratado do Dragão, humilhado, num processo de vulgarização em curso.
Por uma noite esta época, Sérgio Conceição teve a máquina mortífera perfeita, aquela que tantas vezes dirigiu em campanhas anteriores.
Servirá para ainda agarrar o campeonato? Pela amostra deste Clássico, o FC Porto não vai morrer sem tentá-lo.
Da janela do último expresso, o dragão viu o horror na cara encarnada.
O melhor em campo tem de ser Galeno pelos golos ou Chico pela tortura aplicada aos laterais, mas Nico González justifica menção mais do que honrosa. Sempre a decidir bem, sempre a perceber o que pede o jogo, sempre de cabeça levantada a escolher as melhores opções para viver em campo. Aparição maiúscula do ex-Barcelona, a dar mais do que razão à ressurreição de janeiro. E pensar nos seis meses de desaparecimento... A forma como serve Pepê para o 4-0 é soberba!
O Benfica contratou Jurasek, Bernat e Carreras, mas chega ao Clássico e insiste em Morato na esquerda da defesa. Onde se lê Benfica pode ler-se Roger Schmidt, naturalmente. O esquerdino, central competente, exposto à imprevisibilidade quase circense de Francisco Conceição? Péssima ideia, naturalmente. Humilhação é a palavra certa para resumir o duelo entre o defesa e o extremo. Uma, duas, três, sempre a mesma coisa: bola no pé esquerdo de Chico e uma facilidade quase ternurenta na forma como Morato fica para trás. Opção incompreensível do treinador do Benfica durante 45 minutos.