Ispeaksempolemicas 26-04-2024, 11:02
Bancadas agitadas, no bom sentido. Recheadas até ao limite com pessoas que sentem o futebol e expressam esse amor com o fogo que arde e se vê (pirotecnia), mas também com vozes que, mesmo afinadas, evocam uma certa brutalidade.
É este o típico fim de semana para Josué, e assim tem sido nos últimos sete anos, desde que deixou o futebol português e viveu exclusivamente dessas culturas desportivas apaixonantes, tão prevalentes na Turquia, Israel e Polónia. Hoje a camisola 27, sobre o espírito de 10, está em destaque na Ekstraklasa.
Encerrada a segunda temporada em Varsóvia, onde foi eleito médio do ano e conquistou a Taça já como capitão do Legia, o internacional português rumou ao Algarve para recarregar energias e relaxar com a família. Aí tocou o telefone, com o zerozero do outro lado da linha.
zerozero: 15 golos e oito assistências, grande parte desses números na Liga, onde foste o melhor médio e o segundo jogador com maior participação em golos. Aos 32 anos, é esta a tua melhor versão?
Josué: Sinto que estou no meu melhor nível e os números também dizem isso, mas a verdade é que desde os 30 tenho feito, época após época, cada vez melhor e espero que seja assim no próximo ano. Foi uma temporada muito boa individual e coletivamente. Depois de um ano mau que tivemos foi um início difícil, com novo treinador e jogadores, mas no fim conseguimos vencer a Taça da Polónia.
zz: Logo na terceira jornada da segunda temporada no clube estreaste a braçadeira de capitão e nunca mais a largaste. Estavas à espera?
J: Não era um objetivo, mas deixa-me orgulhoso viver isso num clube tão prestigiante. O Legia é o maior clube polaco, toda a gente está atenta ao que a equipa faz e por isso é óbvio que se sente a responsabilidade.
zz: E essa «responsabilidade» encaixa bem no Josué...
J: É boa. Eu gosto de ter responsabilidade, da pressão extra. Tenho dado conta do recado até agora e espero continuar assim.
zz: Na primeira temporada também registaste grandes números, mas diferentes. Foram muito mais assistências do que golos, ao contrário deste ano. O que mudou?
J: Foi principalmente a equipa que mudou, na sua postura em campo. Desde que entrou o novo treinador, com quem criei uma relação muito boa e a quem estou muito agradecido pela confiança que me deu no início da temporada, jogamos mais perto da baliza adversária e já não passamos tanto tempo a perseguir resultados. Estamos sempre mais perto de fazer golo e por isso as individualidades aparecem.zz: O Legia é conhecido pelo ambiente que coloca no seu estádio. Como é a experiência de jogar para esses adeptos e viver essa atmosfera a partir do relvado?
J: Aqui na Polónia todas as semanas os adeptos fazem um show incrível. Quando dizemos que os adeptos do Legia são o 12º jogador, é mesmo verdade. Seja em casa ou fora usam pirotecnia, que é legal, e dão essa imagem diferente aos jogos enquanto criam aquele ambiente à volta do jogo. Só mesmo presenciando ao vivo é que se sente.
J: Eu tenho tido a sorte de jogar nesses sítios de grandes ambientes. Por exemplo no Galatasaray, que é único quando tem o estádio cheio. Em Israel também são loucos pelo futebol e pudemos ver isso este ano quando o Maccabi Haifa jogou com o Benfica na Liga dos Campeões.
zz: Em Portugal deixaste aquela imagem de um jogador raçudo, determinado, que não dá lances por perdidos. És o tipo de jogador que conquista facilmente os adeptos?
J: Acho que sim, ligo-me facilmente a eles. Também porque os compreendo. Percebo quando os resultados são maus e eles vêm para o estádio em vez de gastar dinheiro noutras coisas, mas também carregam a mesma energia quando os resultados são bons. Até podemos não ganhar os jogos, mas se eles sentirem que lutámos e suámos eles vão nos apoiar sempre. Foi assim este ano, em que nem sequer perdemos em casa. Eu nunca me vou esquecer dos ultras do Legia.
O futebol português é uma memória cada vez mais distante. O último jogo na esfera lusitana foi a final da Taça de Portugal de 2016, conquistada ao serviço do SC Braga frente ao FC Porto, clube onde foi formado e ao qual ainda estava contratualmente ligado - leia aqui as memórias desse jogo que Josué considera o «mais difícil de toda a carreira».
zz: Já falámos desse teu último ano em Portugal, recuemos agora até 2013/14. O FC Porto voltou a contratar-te e tu contribuíste com cinco golos e 10 assistências, no que foi a tua melhor época até à data e até te valeu a chamada à seleção. Ainda assim, no verão seguinte, chega Lopetegui e és emprestado ao Bursaspor...
J: Às vezes os resultados coletivos não ajudam as individualidades. Não me ajudaram a mim, porque se formos ver só o Josué ele fez um grande ano, na realidade de quem chega do Paços de Ferreira, mas coletivamente os resultados não me ajudaram. Quando surgiu a oportunidade de ir para a Turquia eu decidi com a minha esposa que iria, sem problemas. Até porque cheguei lá e fiz outro grande ano, fomos à final da Taça, e acabei por não sentir que fosse um passo atrás.
zz: Então não há qualquer arrependimento? Estás satisfeito com o desenrolar dessa fase da tua carreira?
zz: Voltemos ao dia de hoje. Ias terminar contrato, mas renovaste com o Legia por mais um ano...
J: Eu renovei porque eu sinto-me muito bem aqui e porque, lá está, sou o capitão e ganhámos a Taça... mas isso não chega para mim. Quero ser campeão neste clube! Eu vi as imagens dos festejos e eu gostava sentir aquilo na pele. Já senti na festa de quando ganhámos a Taça da Polónia, sei bem o que é o Legia, mas se ganhar o campeonato vou sentir isso ainda melhor.
zz: Cumprindo esse objetivo ou não, o que se segue daqui a um ano? O regresso é uma opção?
J: Neste momento Portugal não está nos meus planos. Às vezes falo com a esposa, agente ou amigos e digo-lhes que depois do futebol gostava de tentar ser treinador. Obviamente que de "gostava de tentar" até ser ainda vai muita coisa, mas é uma coisa que me apaixona muito. No final, dependerá de mim e da sorte que terei.
zz: E esse é um sonho a curto-prazo ou o mister Josué é uma realidade ainda distante?
J: Não tenho nenhum plano. Até agora, graças a Deus, nunca tive nenhuma lesão e é isso que muitas vezes leva os jogadores a retirarem-se cedo. Sinto-me bem e que posso jogar ao mais alto nível durante muito tempo, por isso não penso em parar ainda. O que eu mais gosto é de desfrutar o momento.