Imagine, caro leitor, que estádios cheios não eram a exceção no futebol português, mas sim a norma. Que Santa Clara, Estoril e Portimonense (meros exemplos) esgotavam os lugares semana após semana no primeiro escalão e que o mesmo acontecia na II Liga e Liga 3.
Já que estamos em cenários hipotéticos, imagine também que as bancadas enchiam no futebol não profissional, até aos últimos escalões distritais. Pura festa do futebol, semanalmente, naquele pequeno clube da sua freguesia.
É assim que a bola rola em Inglaterra. Auto-proclamada casa do futebol, onde vivem tantos adeptos que os quatro escalões profissionais não chegam, e o Non-League (do quinto escalão para baixo) atingiu dimensões comparáveis às e algumas ligas teoricamente superiores. Não só no número de fãs, mas também no nível do talento e a qualidade apresentada.
Comecemos mesmo pelas bancadas. Se olharmos para a National League, que corresponde ao quinto escalão da pirâmide, encontramos seis clubes com uma média de espetadores superior à do Paços de Ferreira (4 280), sendo que os castores têm a sétima melhor média da Liga Bwin. O Wrexham roça a dezena de milhares de média e o Notts County chegou a receber mais de 16 mil espetadores no empate com o Yeovil. A média geral desta Liga supera muitos clubes de primeiros escalões e a maioria dos clubes na segunda divisão de Espanha, Itália e França.
O Macclesfield, que lidera a Northern Division One West (uma das oito ligas que compõe o oitavo escalão inglês e o quarto escalão do Non-League), atrai adeptos suficientes para disputar o top-10 no nosso principal patamar. Do quinto escalão para baixo, existem pelo menos 30 clubes com uma média superior à do FC Arouca! Como é que isto acontece?
As palavras são de Matthew Badcock, editor de um jornal britânico com distribuição nacional focado nestes escalões desportivos: o Non-League Paper. Apaixonado pelo tema (e especialista no mesmo), explicou ao zerozero o porquê de muitos optarem por este futebol num país que oferece a qualidade da Premier League e do Championship:
«Depois do Covid, os estádios tinham limitações ou estavam até à porta fechada, mas as pessoas podiam visitar o seu clube local. Muitas pessoas ansiavam pela oportunidade e isso contribuiu para o aumento das multidões, mas não só. Alguns também sentem apatia em relação à Premier League e preferem ver um jogo competitivo a um preço mais barato», explicou.
Há talento local, de projetos grassroots dos próprios clubes. Há talento oriundo das grandes academias do país, que injetam milhões na formação e treino mas que não têm espaço para todo a qualidade que produzem. Há juventude e experiência, mas há, acima de tudo, competência.
Das últimas 10 equipas que conquistaram a promoção ao quarto escalão (League Two), sete ainda lá estão e duas já subiram novamente, sendo que apenas uma regressou ao Non-League. Há mais de duas décadas que ninguém cai diretamente depois de subir! Não existe melhor prova de competitividade.
Se são clubes pequenos ou grandes, depende da perspetiva. O que é objetivo é que têm qualidade suficiente para justificar as multidões que atraem e que, ao contrário de equipas de divisões superiores, dependem muito mais das receitas dos dias de jogos caseiros. Quem começa a entrar neste Mundo jamais se arrepende, como concordará Matthew Badcock...
«Para mim, o Non-League é o coração do futebol em Inglaterra. É lá que estão as verdadeiras histórias, pessoas reais que são tudo a um clube sem procurar recompensa. Jovens com sonhos, mas que nunca os perseguiram pela via tradicional. É um privilégio poder cobrir estes temas».
1-1 (3-5 g.p.) | ||
Granit Xhaka 19' | Pedro Gonçalves 62' |