moumu 26-04-2024, 03:12
A desilusão é evidente. Sem perfil para discursos de lugares comuns, Paulo Machado assume a «tristeza» descoberta na transição de futebolista para treinador. O antigo internacional português, nado e criado no Cerco do Porto, e formado no FC Porto, não pode ser mais claro.
«Há pouco respeito pela figura do técnico, para ser assim prefiro um emprego fora do futebol», desabafa ao zerozero, antes de mais um jogo do Pedrouços, equipa a militar na Divisão de Elite da AF Porto.
Não há engano. Há pouco mais de um ano, Paulo Machado aceita mudar de vida: chuteiras pousadas no armário, entrada na equipa técnica dos sub23 do Leixões, uma evolução natural dentro do que é o mundo do futebol. Dura pouco.
Paulo prefere não detalhar os problemas financeiros do Leixões, embora deixe um desabafo capaz de dizer mais do que parece: «Não sei como consegue inscrever todos os anos a equipa num campeonato profissional.»
A deceção vai mais longe. Não é só a parte do dinheiro, mas sobretudo o lado obscuro do futebol, o lado que permite a influência de empresários, investidores, figuras mais ou menos lícitas, com a consequência a atingir o trabalho de quem só quer escolher os melhores para cada jogo.
«Comecei a sentir que iam acontecer desavenças. Adoro futebol, mas nunca fui boneco e também não serei enquanto treinador. Vejo coisas fora do normal. Hoje em dia, o futebol está virado do avesso», confidencia Paulo Machado, visivelmente defraudado.
«Depois dizem-me ‘não vais ter sorte’. Eu quero lá saber da sorte», prossegue. «Dou a minha opinião sincera. Se um jogador é bom, digo que é bom. Se for melhor noutra posição, digo isso. Não faço fretes.»
Ciclo interrompido. Paulo Machado escolhe não ser treinador assim, com condições desadequadas, pelo menos para aquilo que considera ideal. À frente de tudo está a família e os dois filhos, Santiago e Salvador.
«É isso, já nem estou a pensar em mim, estou a pensar nos meus dois filhos. Eles andam na escola, precisam de mim e não posso andar a trabalhar para aquecer. «Bem ou mal, pensei sempre pela minha cabeça no futebol. E como treinador serei assim. Se sair de um clube, sairei por culpa das minhas ideias e não por coisas que me obrigaram a fazer.»
Do FC Porto à Seleção Nacional, da liga francesa ao Olympiacos, do Dínamo Zagreb à excentricidade da Índia, em Mumbai. E agora, surpreendentemente, o Pedrouços Atlético Clube, nos distritais portuenses.
Paulo Machado já leva quatro jogos e o corpo queixa-se. Sente «dores depois dos treinos e dos jogos», e os sintéticos não ajudam. «Até os pés me doem. Já perdi cinco quilos e preciso de perder mais dez.»
Como é que se dá este volte-face? Paulo explica tudo, genuíno e sincero.
Paulo Machado 8 títulos oficiais |
Paulo Machado tem uma carreira riquíssima. Nos dois sentidos: desportivo e financeiro. Cinco jogos pela equipa principal do FC Porto, seis internacionalizações por Portugal, campeão da Europa de sub17, vencedor das ligas grega e croata.
Não há arrependimentos, muito menos passos em falso. Há, isso sim, um desgosto por tudo o que encontra no papel de treinador adjunto. Paulo tem um pensamento livre, incompatível com a ordem de figuras exteriores, e tantas vezes invisíveis.
Por isso, sim, o balneário de uma equipa amadora acaba por ser um sítio de redenção.
«Teve muito a ver com a amizade que tenho pelo João [Garcia]. Se ele sair, saio logo também», continua Paulo Machado, feliz pelo «passatempo» encontrado nos arredores da cidade da Maia.
«Não chamo a isto trabalho. A malta tem os empregos durante o dia e junta-se à noite para treinar. Eu chego sempre por volta das 19h30, o treino começa às 20h15 e às 22h00 estamos despachados.»
A apologia da bolha esterilizada não é para Paulo Machado. O antigo jogador da Seleção Nacional não teme o emprego, o compromisso de acordar cedo e misturar-se com a sociedade do trabalho.
A primeira experiência é positiva. Mas dura só uma semana, como explica. «Estive uma a trabalhar como estafeta da UPS [logística e encomendas]. Achei piada, mas os horários eram um problema», assume.
A falta de acompanhamento aos filhos incomoda-o. Paulo agradece, fecha a porta e procura novas oportunidades. Para já, tem os dias livres para estar com a família e as noites para procurar ser útil no meio-campo do Pedrouços.
«Deixei de ir levar os miúdos à escola e aos treinos deles, não podia ser. A minha mulher também não estava a gostar, eram demasiadas horas.»
Por onde passa o futuro? Haverá ainda vontade de voltar a ser treinador? Paulo Machado não afasta nenhuma possibilidade. Diz que sim, talvez.
Enquanto decide, treina diariamente e volta a aproximar-se da boa forma. A conversa acaba com uma gargalhada instintiva. Das boas.
«Preciso de ter cuidado, posso ficar elegante e ainda ter vontade de jogar num escalão mais acima.»