10 anos depois, Jefferson está de volta à Segunda Liga, com muitas histórias do passado para contar, mas ainda com o futuro pela frente. Aos 32 anos, o lateral espera jogar pelo menos mais cinco, até porque considera que está numa boa fase em termos físicos, depois de ter regressado a Portugal para jogar numa das equipas de destaque da Segunda Liga, o Casa Pia.
A saída do Sporting, a um ano do fim do contrato e após a conquista da Taça de Portugal, ficou atravessada, até porque o brasileiro, há praticamente sete anos ligado ao clube de Alvalade, guarda carinho dos leões, com os quais espera festejar o título de campeão que ele nunca conquistou ao serviço do Sporting.
Nesta entrevista ao zerozero, o defesa conta os motivos que o levaram a regressar a Portugal, país que o acolheu em 2011, e recorda algumas histórias que foi vivendo no nosso país (em particular uma a envolver Cristiano Ronaldo), deixando ainda a sua opinião sobre Nuno Mendes e Paulinho. Pode ver tudo no vídeo acima ou ler abaixo.
ZZ: Como é que surgiu esta hipótese?
Jefferson: Não, não surpreendeu. Gosto de desafios. Esse desafio foi um desafio muito bom. É um desafio novo, apesar de já ter jogado na Segunda Liga no Estoril e então não era novidade
ZZ: Quais foram as primeiras impressões do Casa Pia?
Jefferson: Senti-me bem. É um clube que a cada dia evolui, com excelentes atletas. Fui bem recebido e foi gratificante.
ZZ: Estiveste pouco tempo na Suíça. O que te fez voltar?
Jefferson: Tive uma saída turbulenta do Sporting, fiquei um tempo sem jogar por questões contratuais. Quando abriu a janela de transferências surgiu a Suíça e não pensei duas vezes. Foi um novo desafio fora de Portugal, joguei, estive bem e surgiu a oportunidade de regressar a Portugal, no Casa Pia e decidi vir para aqui.
ZZ: Regressas à Segunda Liga praticamente 10 anos depois. Esperavas que isso viesse a acontecer?
Jefferson: Um jogador de futebol tem de esperar tudo. Já tinha jogado nesta competição, é uma boa competição e não foi difícil para mim.
ZZ: Porque é que achas que isso aconteceu?
Jefferson: Não sei o que sucedeu. Quando regressei da Suíça as equipas já estavam praticamente todas formadas, faltava uma semana para o início do campeonato e tive dificuldade para encontrar clube. Tive oportunidade de voltar para o Brasil, mas entretanto surgiu a possibilidade de ir para o Casa Pia e estou aqui feliz.
ZZ: Tiveste oportunidade de ir para o Brasil? Porque é que escolheste o Casa Pia?
Jefferson: Foi uma decisão que eu e a minha família tomamos. Já estamos acostumados a Portugal. No Brasil houve propostas, mas nenhuma foi concretizada. Hoje estou aqui e estou feliz.
ZZ: Tu e a tua família gostam de estar cá, não é?
Jefferson: Com certeza.
ZZ: Que clube é que encontraste?
Jefferson: Encontrei uma equipa que praticamente não fez pré-época, alguns jogadores chegaram prestes a começar o campeonato.Eu também estive de férias, depois tive covid-19, outros jogadores também chegaram em cima da hora. Fomos construíndo a equipa aos poucos, mas nota-se que está a evoluir a cada dia, temos muita qualidade.
ZZ: Como é que avalias a Segunda Liga? Sentes que melhorou?
Jefferson: Com certeza. Há 10 anos, a Segunda Liga tinha um futebol muito agressivo, muita bola batida na frente para os extremos correr. Nota-se uma grande diferença, há equipas que gostam de ter bola, como o Casa Pia, e isso é bom.
ZZ: Na época passada o Casa Pia acabou por se manter por questões administrativas, mas esta temporada está a ser muito mais tranquila. A que achas que isso se deve?
Jefferson: Estamos a fazer um excelente campeonato. No começo da época foi difícil, não tivemos pré-época. Estamos a fazer um bom campeonato, somos uma equipa de destaque, gostamos de ter bola, jogar e no meu modo de ver sim, está a ser uma equipa de destaque.
ZZ: Conta-nos como é estar no Casa Pia? Como é o grupo? Como é o balneário? No Sporting colocavam-te muito numa posição de "palhaço" do grupo, aqui também é assim?
Jefferson: Não, aqui tem muitos palhaços, mais do que eu. É um grupo tranquilo, bons miúdos, a malta é porreira, respeitadora e de certeza que até ao fim da época e na próxima o Casa Pia vai ser muito falado.
ZZ: Achas que o mérito do Casa Pia vem mais do individual ou do coletivo?
Jefferson: O futebol joga-se em conjunto. Há a comissão, roupeiros, equipa técnica, é um conjunto em si e é isso que faz uma equipa vencedora e lutar por coisas boas.
ZZ: Já estiveste a lutar por títulos. A nível individual, há algum jogador do Casa Pia que consideres que pode chegar aos patamares que tu também atingiste?
Jefferson: Tem vários. Todos os jogadores que estão aqui têm futuro, se tiverem foco e mentalidade de vencedor, vão ter uma carreira brilhante. É difícil falar de um ou outro porque depois ficam com ciúmes, não posso [risos].
ZZ: A nível técnico, esta época há dois treinadores que se têm destacado dos outros, o Álvaro Pacheco e o Bruno Pinheiro. E o mister Filipe Martins, o que tens a dizer sobre ele? Já esteve na Primeira Liga num contexto difícil, mas esta época está a correr bem.
Jefferson: É um excelente treinador, uma excelente pessoa. É um treinador que gosta de ter bola, de ver a equipa jogar futebol, não é daqueles treinadores que pede para chutar para a frente para ver o que dá. É um excelente profissional, gosto muito do carácter dele e acho que é um mister que vai ter muito futuro.
ZZ: Como é que vieste parar a Portugal?
Jefferson: Através da Traffic. Eles tinham comprado o Estoril Praia, tinha um projeto de subida. Eu era jogador deles então eles perguntaram se eu queria ir para Portugal, jogar numa equipa da segunda divisão para ajudar a subir a equipa. Assumi o projeto e vim para cá.
ZZ: Depois regressaste ao Estoril e fizeste uma das melhores épocas da tua carreira. Foi uma época inesquecível, com o Marco Silva, em que conseguem ir à Liga Europa. Que memórias tens desses tempos?
Jefferson: Esse ano foi excelente, não só para mim mas para o clube. Depois de regressar a Portugal, com o Marco Silva como treinador, depois de ganhar a Segunda Liga. Ele convidou-me e eu não pensei duas vezes. Já o conhecia como jogador e como técnico foi o primeiro ano. Foi uma excelente época para mim, para o plantel, para o clube. Foi histórico conseguirmos a qualificação para a Liga Europa.
ZZ: Notaste muitas diferenças do Marco Silva jogador para o treinador?
Jefferson: Sim, muitas. Como jogador é topo, como jogador era fraquinho [risos]. Estou a brincar.
ZZ: Acabas por sair para o Sporting. Foi um salto grande. Sentiste o peso?
Jefferson: Surgiu depois de uma época excelente que fiz. Teve outras oportunidades para mim e escolhi o Sporting. Fui feliz na minha escolha, foram mais de seis anos lá. Não me arrependo, fui muito feliz.
ZZ: As expectativas não eram tão altas como normalmente, mas foi uma época muito boa com o Leonardo Jardim. O que achas que fez a diferença?
Jefferson: Eu gosto de projetos desafiantes. O Sporting tinha acabado de ter um presidente novo e estava a passar por dificuldades, mas sabíamos que num clube e grande como o Sporting íamos ter cobrança, não é por estar a passar por dificuldades que não íamos ter cobrança. Não tínhamos muitos jogadores de nome, mas nessa época fizemos um excelente campeonato com o Leonardo Jardim e depois também fomos fazendo boas épocas.
ZZ: Achas que se o Leonardo Jardim tivesse continuado o Sporting podia ter sido campeão?
Jefferson: Acho que sim. É um excelente treinador. Eu gostava muito dele, tem uma filosofia de trabalho muito boa e acho que se tivesse continuado lá iam acontecer muitas coisas boas no Sporting.
ZZ: Conta-nos como era estar no Sporting? Como era o balneário?
Jefferson: Era um excelente balneário, de excelentes jogadores, tinha outros palhaços, não era só eu.
ZZ: Quem era mais?
Jefferson: Havia vários. O Carlos Mané, gozava muito com ele. O Maurício e o Marcos Rojo também.
ZZ: E histórias lá dentro? Sabemos que tens uma história curiosa em Madrid, com o Ronaldo.
Jefferson: Eu vou contar, mas não conto tudo. Depois do jogo, ele esteve no balneário e já tinha dado a camisola ao William, ao Adrien... Eu vi-o sem camisola e disse "Ronaldo, dá aí a tua camisola". Ele disse que já tinha dado as duas e eu olho e vi que estava com a bermuda do jogo e pensei que era mesmo isso que ia pedir. Disse "Ronaldo, dá aí a tua bermuda". Ele foi e tirou. O resto não posso contar mais nada [risos]. Assim que eu vi pedi logo. Tenho-a lá, tenho o short do Ronaldo.
ZZ: Falando ainda do Sporting. Estes momentos são pontos altos. Que outros pontos altos atingiste?
Jefferson: Acho que atingi muitos. O facto de ser um dos melhores clubes de Portugal, fiz muitos jogos, joguei em alto nível e acho que isso já é muito.
ZZ: E pontos baixos?
Jefferson: Baixos? Não consegui o meu objetivo e o de muitos jogadores lá, que era o campeonato nacional, mas acho que daqui a pouco tempo vão conseguir e vou ficar feliz por eles.
ZZ: A tua saída também foi um ponto baixo...
Jefferson: Foi, foi porque foi conduzida de uma maneira que me prejudicou bastante, mas é passado. Estou feliz, já passou e não me quero voltar a lembrar disso.
ZZ: Curiosamente depois de um momento alto, após a conquista da Taça de Portugal. Quando foste recebido na Câmara de Lisboa disseste que não querias sair do Sporting. Surpreendeu-te o facto de não continuares?
Jefferson: Também. Tínhamos vencido dois títulos, a Taça da Liga e a Taça de Portugal. Acabei por jogar nas duas. Foi um pouco triste, mas é passado. Agora é bola para a frente porque ainda tem muita coisa para a contecer na minha carreira.
ZZ: Já disseste noutra entrevista que com o Jorge Jesus houve uma altura em que jogaste menos porque se passaram coisas, contigo e com outros colegas. Podes dizer-nos o que se passou?
Jefferson: Não, isso não posso. Eu tinha de sair um pouco para apanhar outros ares e vir com mais força, mais focado e mais forte.
ZZ: De qualquer forma tu até vibraste com a vitória do Jorge Jesus ao serviço do Flamengo.
Jefferson: O que aconteceu morreu ali. Já estive com ele outras vezes, cumprimentei e tal. Para mim é tranquilo.
ZZ: Como viste essa conquista?
Jefferson: Para ele foi excelente. Qual o treinador que não quer ganhar a Libertadores? O Abel também, fiquei muito feliz por ele. É um título que todo o jogador e todos os treinadores almejam.
ZZ: Como te sentiste com essa conquista do Abel num clube por onde já passaste e com um treinador com quem trabalhaste?
Jefferson: Fiquei muito feliz por ele e por toda a equipa técnica.
ZZ: Como é, para um jogador brasileiro que veio para Portugal e vingou, ver treinadores portugueses fazerem o inverso no Brasil?
Jefferson: Fico feliz. Já disse que o Brasil tem de abrir portas para os jogadores portugueses mostrarem o seu futebol. Se nós vimos para cá eles também podem ir para lá.
ZZ: Porque é que achas que não há assim tantos jogadores portugueses a ir para o Brasil?
Jefferson: Não sei. Talvez pelas falsas notícias que às vezes passam do Brasil, por ser um pouco perigoso, não ter muita segurança, mas acho que não é isso tudo. Moro no Brasil e nunca fui assaltado, conheço muitas pessoas a quem nunca aconteceu nada. Têm de tirar isso da cabeça e algum jogador português que quiser ir para lá pode ir, é seguro.
ZZ: Passarem por lá treinadores portugueses ajuda a descontruir essa imagem, não é?
Jefferson: Sim, com certeza.
ZZ: Já falámos do Abel. De uma forma rápida, como foi a tua passagem por Braga?
Jefferson: Foi uma excelente temporada. Fiz mais de 40 jogos, foi excelente. Era o que estava a precisar. No ano anterior não tinha jogado muito e logo de seguida fui para lá e joguei muito, alcançámos muitos objetivos, batemos o recorde de pontos. Foi muito bom para mim.
ZZ: Trabalhaste lá com o Paulinho, que agora está no Sporting. O que achas desta contratação?
Jefferson: Foi uma excelente contratação, o Paulinho é um excelente jogador. Sabe fazer golos, assistir, sabe posicionar-se. Para mim foi uma das melhores contratações que o Sporting fez.
ZZ: Acreditas que pode render não só esta época como no futuro ou precisava lá de um Jefferson?
Jefferson: Se eu estivesse lá ia ser mais fácil, era só meter na cabeça dele [risos].
ZZ: E sobre o Nuno Mendes. Qual a tua opinião?
Jefferson: É um miúdo fantástico. Possante, forte, agressivo, sabe jogar, não tem medo. É muito forte fisicamente. Um excelente jogador.
ZZ: Até onde achas que pode ir?
Jefferson: Eu costumo dizer aos miúdos que se tiverem foco, discernimento, forem humildes... hoje em dia os miúdos, como dizemos no Brasil, estão cheios de marra, começa a jogar nos clubes e acham que já são jogadores. Se tiver cabeça acho que vai muito longe.
ZZ: Acreditas que este ano o Sporting vai conquistar o título que te faltou?
Jefferson: Eu estou de fora e digo que espero muito por esse título. Não consegui como jogador, mas quem sabe se um dia não volto para lá. Espero que possam ganhar, fico muito feliz e irei comemorar com eles.
ZZ: Regressaste a Portugal esta época. O que achas do nosso futebol?
Jefferson: É um excelente campeonato, bem disputado, tem excelentes jogadores, de seleções, não só de Portugal mas do resto. Dou nota 10.
ZZ: O que achas que tem de melhor?
Jefferson: O futebol é feito de jogadores. Também temos excelentes treinadores, mas o jogador é o protagonista.
ZZ: Se tivesse de tirar alguma coisa ao futebol português, o que tiravas?
Jefferson: Os jogadores que por qualquer coisinha... como disse o Jorge Jesus, estão sempre a cair, querem sempre falta. Estão a ganhar e demoram muito a bater a bola. Isso para mim é o pior do nosso campeonato.
ZZ: E sobre o teu futuro? Pensas no pós-futebol ou é muito cedo?
Jefferson: Ainda tenho 32 anos, estou bem, estou a jogar, estou bem fisicamente, estou focado. Vão ver-me mais anos, pelo menos mais cinco anos.
ZZ: O que esperas conquistar nesses cinco anos?
Jefferson: Muita coisa. Penso em grande. Quando vim para cá foi para conquistar coisas grandes.
ZZ: Voltando ao Casa Pia. Se tivesses de escolher um jogador para teres contigo, quem escolhias?
Jefferson: O Bruno Fernandes. Ter um jogador desses no plantel...
ZZ: Foi o melhor jogador com quem jogaste?
Jefferson: Atualmente sim. Joguei com muitos que já deixaram de jogar, mas ele para mim é dos melhores.