A vida consegue ser muito injusta, frágil e efémera. Por vezes, somos apanhados de surpresa e obrigados a dizer ‘adeus’ a pessoas que não queremos. Alfredo Quintana era uma delas. Um gigante nas balizas e dono de um coração gigante, uma figura consensual. Quis o destino que partisse demasiado cedo, sem aviso prévio.
Contudo, há que celebrar a vida de um ser humano exemplar, que carregava consigo uma alegria contagiante. Há que celebrar o legado que nos deixou. Há que gravar ainda mais o seu nome na história. Há que transmitir às gerações atuais e futuras quem foi Alfredo Quintana, o que significou, que está ali um modelo de vida. Há que ensinar o que é ‘ser Quintana’.
Uma pessoa que nunca esqueceu as suas raízes, sempre acessível, sempre humilde, sempre sorridente, sempre a cantarolar e a dançar ao som dos apaixonantes ritmos cubanos. Um homem de família, que em 2019 conquistou o seu maior título – a filha Alicia. Um andebolista «meio louco», que abraçou Portugal com todas as forças. «Um guerreiro extraordinário»…
Alfredo Eduardo Quintana Bravo nasceu a 20 de março de 1988, em Havana. Era filho de Eduardo Quintana, uma figura titulada e importante do voleibol cubano. Por isso, não é de estranhar que a vontade do pai Quintana tenha sido que o seu pequeno rebento seguisse as suas pisadas. No entanto, Alfredo e o seu irmão gémeo, Eduardo, acabaram por enveredar pelo basquetebol, numa fase precoce das suas vidas.
Foi chamado a representar o Industriales, clube da sua província, sagrou-se campeão nacional de Sub-13, Sub-14, Sub-15 e Sub-16, sempre saltando escalões. O talento deste jovem gigante já não passava despercebido e das Seleções jovens de Cuba, passou num ápice para a Seleção A, com apenas 17 anos.
Com apenas 21 anos, Alfredo Quintana apresentou-se ao andebol internacional, ao marcar presença no Mundial 2009. O guardião disputou seis jogos na competição e ajudou Cuba a obter o 20.º lugar. No ano seguinte, o gigante cubano voltou a pisar grandes palcos, desta vez no Chile, para disputar o Campeonato Pan-Americano.
Contudo, quando o acordo foi comunicado à Federação Cubana de Andebol, a transferência quase caiu por terra. A pressão dos cubanos era grande, mas do outro lado da balança havia um contrato já assinado com o FC Porto, uma casa, um seguro em Portugal e a vontade do pai Eduardo Quintana, que usou o seu estatuto para ajudar o seu filho. Tudo resolvido, Alfredo Quintana mudou-se para o FC Porto, clube que conhecia desde 2004 por causa do futebol e do equipamento azul e branco, igual ao Industriales, o seu clube em Cuba.
Em 2008/09, o FC Porto deu início a período hegemónico, que viria a culminar em sete títulos de campeão consecutivos. Carlos Resende conquistou o primeiro e Ljubomir Obradovic assumiu os seis títulos seguintes. A máquina azul e branca estava a carburar bem e, em março de 2011, o timoneiro sérvio recebeu Alfredo Quintana, que se juntou a Hugo Laurentino e Miguel Marinho. A estreia do então jovem cubano não demorou muito. A 26 de março de 2011, em jogo a contar para a 22.ª jornada do Andebol 1, Ljubomir Obradovic lançou Alfredo Quintana na baliza portista. O encontro correu de feição aos dragões, que triunfaram por 34x28, e também a Quintana, que fez 9 defesas em 24 remates.
Com números robustos e cada vez mais sólido, Alfredo Quintana foi-se cimentando na baliza dos dragões, formando uma parelha incrível com Hugo Laurentino, mentor e pilar do guardião cubano. Em 2014, Alfredo Quintana foi distinguido pelo FC Porto com o Dragão de Ouro de Atleta de Alta Competição.
Este ano trouxe também o terceiro e quarto título (Campeonato e Supertaça) para o gigante das Caraíbas e uma nova etapa: a Seleção Nacional. O selecionador Rolando Freitas foi o propulsor da naturalização de Alfredo Quintana, um processo possível, uma vez que a regra da IHF permite que um jogador represente outra Seleção, desde que este esteja três anos sem jogar pelo seu país de origem.
Ora este gigante ágil, pleno de reflexos e elasticidade depressa silenciou as críticas. A 19 de setembro de 2014, Alfredo Quintana estrou-se pela Seleção portuguesa, num encontro amigável diante da Tunísia, que os pupilos de Rolando Freitas venceram por 31x29. Quase um mês depois, em jogo a contar para a qualificação para o EHF Euro 2016, Alfredo Quintana estreou-se em jogos oficiais pela Seleção de todos nós, na derrota por 31x30, diante da Hungria. A sua capacidade de trabalho e alegria de Quinas ao peito eram notórias e ajudaram Portugal a superar o período de renovação e a subir um patamar no andebol.
No pós-Obradovic, o FC Porto viu o Sporting impor-se e iniciou um jejum de títulos. No entanto, Alfredo Quintana, que frequentou o curso de Ciências do Desporto na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, celebrou mais um título, na Universíada de 2015, em Gwangju (Coreia do Sul).
Em 2018/19, um ponto de viragem na carreira de Alfredo Quintana: a chegada de Magnus Andersson. O timoneiro sueco devolveu o FC Porto aos títulos, com um grande domínio doméstico e, acima de tudo, cimentou os dragões como uma das melhores equipas da alta roda europeia.
Além de um título de campeão, uma Supertaça e uma Taça de Portugal, o emblema da cidade Invicta conquistou o 3.º lugar na EHF Cup 2018/19 e chegou aos oitavos de final da EHF Champions League 2019/20 (a Covid-19 impediu voos mais altos…). Uma das grandes figuras deste Super-Porto foi, sem dúvida, Alfredo Quintana.
De regresso ao FC Porto, após ter brilhado no Egipto, Alfredo Quintana continuou a justificar o porquê de ser um dos melhores guarda-redes do mundo, que continuava a exibir-se ao mais alto nível, no seu auge de carreira.
Contudo, no fatídico dia 22 de fevereiro de 2021, sem que nada o fizesse prever, Alfredo Quintana sofreu uma paragem cardiorrespiratória durante um treino e, após cinco dias de luta, acabou por falecer. Uma partida trágica, chocante, que pôs o mundo a chorar. Nenhuma pessoa, clube, entidade, modalidade ficou indiferente perante uma figura tão consensual e tão querida.
67 jogos pela Seleção portuguesa, 2 presenças em Mundiais e 1 presença em Europeus. Pelo seu FC Porto, 431 jogos e 38 golos pelo FC Porto, mais 6 Campeonatos, 2 Supertaças, 1 Taça de Portugal. São os números (curtos) que ficam do melhor guarda-redes da história do andebol português e da Seleção Nacional.
Na última vez que tivemos o prazer de ver Alfredo Quintana jogar, o guardião fez uma exibição ‘à Quintana’. Ajudou o seu FC Porto, a quem várias vezes jurou amor eterno, a vencer o Águas Santas. No triunfo portista, por 26x34, a muralha luso-cubana rubricou 14 defesas e ainda marcou 2 golos. Uma exibição de luxo, outras tantas vezes repetida. Um jogo ‘à Quintana’.