*com Paula Ferreira Lobo
O futsal nacional é um viveiro de talentos, quer na vertente masculina, quer na vertente feminina. Nesta rubrica mensal, que agora chega ao zerozero, vamos falar com jogadoras portuguesas, das mais jovens às mais experientes, contando as histórias dos nomes grandes do futsal feminino.
Começamos em dia de arranque da edição 2020/2021 do campeonato nacional feminino, com uma conversa franca com Júnior, a fixo/ala do Novasemente que é prova vida da grande evolução que o futsal feminino tem conhecido nos últimos anos.
Júnior define-se como fixo/ala, posições que lhe são naturais, tendo em conta as suas características.
«Sempre fui rápida e desenrascada no um contra um, e por isso comecei por ser ala», refere, explicando que gosta de assumir uma posição mais recuadas na quadra: «acho que sou uma jogadora que consegue ler bem o jogo».
«Eu sempre disse que se o futsal se jogasse [só] com os pés eu não era jogadora», assume.
«Desde que eu me lembro que ando com uma bola de baixo do braço», conta-nos Andreia Silva Marques, Júnior para o mundo do futsal há 10 anos. Mas o percurso da atleta começou antes disso, quando tinha 13 anos e ingressou nas camadas jovens do Avilhó, e já aí tinha uma relação estreita com o esférico. “Culpa” do pai, que sempre a incentivou a jogar, e viu nela talento que nem ela, tão jovem, se apercebia que tinha.
Outro local que Júnior frequentava era o rinque que existe ao lado de casa dos pais. Foi lá que o então treinador do Avilhó, que morava mesmo em frente ao recinto, viu Júnior jogar e a convidou para fazer parte da equipa. As primeiras quatro épocas correram de feição à jogadora, que «era sempre opção, e jogava sempre muito tempo». «Na altura em que eu saí do Avilhó éramos bicampeãs nacionais de juniores», recorda.
O destino seguinte foi o Restauradores Avintenses – equipa com história no futsal feminino – que nasceu a “Júnior”. Na altura, Andreia tinha 17 anos e foi contratada para jogar nas juniores, pois o clube queria reforçar a sua aposta na formação. Só que a qualidade falou mais alto, e Andreia foi integrada de imediato no plantel sénior.
«Foi aí que surgiu a alcunha. Eu era a única júnior no plantel sénior do Restauradores, naquela época. Foi entre o treinador, a Marlene Laúndos - que na altura fazia parte do Restauradores - a Catarina Silva, essas ‘velhas guardas’ que começaram a tratar-me por Júnior, e o nome acabou por colar.»
«Quando eu comecei, as melhores jogadoras tinham vinte e tal anos, agora eu vejo o top5 ou top10 de jogadoras portuguesas e grande parte está abaixo dos 25 anos.», opina.
E a que se deve esta variação? «É fruto dos avanços que se fizeram, com a criação do campeonato nacional, da Taça da Portugal, este ano da Taça da Liga, e com a aposta da FPF nos escalões de formação... isto tudo fez com que aumentasse a competitividade entre as equipas, a competitividade dentro da própria equipa e fez com que nós tivéssemos muito melhores jogadoras, muito mais cedo»
E há uma maior predisposição das entidades empregadoras para facilitar estas questões? «Depende muito dos casos e da boa vontade», é a resposta pronta de Júnior. «Eu sempre que peço para sair mais cedo, ou peço a tarde porque tenho jogo da Taça de Portugal, não me negam, porque há essa boa vontade. Mas se eu disser ‘agora vou três semanas para um estágio e competição da seleção’ já não dá.»
Hoje, o futsal feminino goza de muito mais visibilidade social e mediática, mas estes avanços também têm um preço, como nos explica a jogadora do Novasemente: «Eu comecei a treinar duas vezes por semana, uma hora cada, ou seja, duas horas por semana, agora estou a treinar três vezes por semana, quatro horas e meia, e as condições não aumentaram para o dobro. Os apoios que os clubes têm não aumentaram na mesma proporção…».
O caso do seu clube, o Novasemente, é um bom exemplo. O clube «tem apoios – são mais regionais, mas tem - precisamente por causa dos resultados que tem vindo a ter.» Esse é o desafio dos clubes: primeiro apresentar resultados, para poder ter visibilidade. Estas dificuldades suavizam para algumas equipas, como Benfica, Sporting, e Quinta dos Lombos, por exemplo, que, na opinião de Júnior, acabam por beneficiar da estrutura e da visibilidade que as equipas masculinas trazem ao clube.
O campeonato masculino já arrancou no início do mês, ao passo que o feminino arranca precisamente no dia da publicação desta entrevista. Como se perspetiva esta época?, perguntamos a Júnior, que não fugiu a responsabilidades, e foi clara: «os nossos objetivos coletivos são passar à segunda fase – isso é quase uma exigência – e passar em primeiro ou segundo, para podermos lutar pela Taça da Liga. Queremos lutar por todas as competições, e lutar pelo melhor lugar possível na fase de apuramento de campeão.»
Os treinos estão a decorrer dentro da normalidade possível, como nos explica Júnior, mas «há receio». A jogadora é perentória em afirmar que, no que depender das atletas, o campeonato não voltará a parar. Salvo o surgimento de casos que obriguem a reagendar jogos, ou até mesmo à paragem da competição, a vontade da atleta e das suas colegas é de competir. «Nós temos cumprido com as normas e indicações das autoridades de saúde, e temos os maiores cuidados, é a única coisa que podemos fazer.»
Mas, claro, ninguém é imune à situação, e «há preocupação por parte das atletas, particularmente daquelas que vivem com pessoas de grupos mais vulneráveis». Aliás, a própria Júnior já tomou a decisão de «a partir desta semana não vou a casa dos meus pais, porque eu estou em risco de estar a jogar, estamos sem máscara e estamos vulneráveis.»
A preocupação das atletas não se cinge apenas às questões pessoais, visto que a prática da modalidade as expõe ao contágio, e isso poderá afetar a vida profissional das jogadoras, e muitas delas não têm a oportunidade de trabalhar remotamente, como até é o caso de Júnior. «Há receio, porque isto não é a nossa vida profissional, mas nunca – pelo menos no Novasemente – nos vamos recusar a treinar ou a jogar. Receio temos, mas nós gostamos disto e queremos é andar com isto para a frente.»
A conciliação com a vida profissional é um ponto sensível para todas as atletas, particularmente com as jogadoras da seleção. Júnior é internacional A, mas reconhece que a sua situação profissional não permite conjugar as duas coisas. No entanto, recorda com orgulho todas a oportunidades que teve de representar a equipa das Quinas.
«A Woody lesionou-se, e então chamaram-me. Foi um misto de sensações. Surpresa com excitação. Eu estava surpreendida porque o estágio já tinha arrancado, ou seja, eu já sabia que não ia aquele mundial, e de repente ‘olha amanhã quero-te em Lisboa porque a Woody se lesionou.’ E pronto, eu fui, e correu bem. A primeiro internacionalização é algo mesmo indiscritível!», conta. «A sensação… isto é um cliché, mas é o auge de qualquer atleta é a representação do seu país. É uma sensação de realização, acima de tudo de dever cumprido, ou seja, há alguma coisa que eu estou a fazer bem, o sentimento de poder ajudar a ganharmos alguma coisa com as quinas ao peito.»
Das coisas que mais marcou a atleta na sua estreia foi a assistência: «o pavilhão cheio é algo que eu não estava habituada. Cantar o hino e isso tudo causa uma descarga de adrenalina muito grande.»
Representar a seleção foi uma experiência importante para Júnior a vários níveis, incluindo para as referências particulares na modalidade.
Quando começou a jogar, no Avilhó, a atleta não tinha grandes referências «até porque não ambicionava a tudo o que se passou em torno da minha carreira desportiva.» Depois da transferência para o Restauradores, Júnior passou a admirar algumas colegas, nomeadamente Pisko e Catarina Silva (capitã da equipa, na época). «Quando comecei, no clube, eu olhava para ela [Pisko] e pensava 'eu um dia vou querer ser como ela'. Depois quando cheguei à seleção passei a admirar a inteligência da Inês Fernandes a jogar.» As duas colegas são, na opinião de Júnior, «as duas melhores jogadoras portuguesas.»
Atualmente, já mais experiente, Júnior passou também a ter como referências colegas mais novas. «Agora tenho como referência e como ídolos as miúdas novas que dão 110% por isso. Posso falar da Carolina Rocha e da Angélica Alves, porque eu vi estas miúda com 15 anos a crescer, e a vontade delas e o querer e a ambição que elas têm, isso também me faz elas serem uma referência nesse aspeto.»
Numa perspetiva mais pessoal, Júnior também nos falou da influência que outras pessoas tiveram na sua carreira desportiva. Nessa perspetiva, a atleta destaca aquela que foi o seu treinador durante as épocas que esteve no Restauradores, André Teixeira. «Desportivamente, se não tivesse aparecido o André Teixeira eu acredito que muito provavelmente não teria sido a jogadora que sou.»
Só em 2019 é que a UEFA reconheceu e organizou a primeira competição oficial feminina. Esta necessidade de lutar pela afirmação da modalidade é um fator diferenciador da vertente feminina da masculina. Há mais espírito de causa? «Exatamente! No futsal feminino, como nós já passamos tantos tempos difíceis, e os desafios exteriores ao futsal feminino eram muito maiores [falta de visibilidade, de patrocínios], nós acabamos por nos unir, e acabamos por fazer grandes amizades no futsal. Nós vemo-nos todas como amigas porque estamos ali porque gostamos.»
E é esse espírito que Júnior espera que perdure para lá do seu tempo, e por isso aproveitou a oportunidade para deixar esse repto às colegas mais jovens. «Que continuem o legado que nós deixamos, que continuem a lutar e a trabalhar, a serem muito competitivas, a querem, a ambicionarem o máximo, e para não acharem que já está tudo feito no futsal feminino.» Apesar de ter apenas 27 anos, Júnior já olha para o futuro da modalidade como participante de menor impacto que as colegas mais jovens. A jogadora considera mesmo que «pode não ser no próximo ano ou nos próximos dois, mas nos próximos três garantidamente vão ser só miúdas novas lá [na seleção] e acho que temos que ganhar lá fora para depois poder exigir cá dentro.»
«O que eu peço é que elas não tomarem nada por garantido, e para continuarem a lutar para termos ainda melhores condições, para elas. Não achar que isto já está tudo feito, ou que a luta já acabou.»