*Com João Gonçalo Silva
«O que se passa com o Anderlecht?» Uma pergunta que os adeptos da equipa belga devem colocar nestas últimas três temporadas. De um crónico candidato ano após ano, o clube de Bruxelas passou a um mistério numa liga em que a obrigação de competir pelo título é inevitável.
A passar por um mau momento, a equipa é agora orientada por uma dupla pouco convencional composta por um treinador que orienta a equipa durante os jogos e um treinador-jogador nos restantes dias. Uma situação rara e confusa, assim como a que vive o clube. Mas como é que uma instituição tão dominante cai numa depressão desta magnitude?
A época de 2016/2017 foi a última em que os adeptos tiveram razões para sorrir. Sob a batuta das duas pérolas da formação, Dendoncker e Tielemans, e de uma grande época do ponta de lança polaco, Lukasz Teodorczyk, a equipa conquistou o 34º título de campeão nacional da história. O segundo clube com mais conquistas? O Club Brugge, com 15. Uma hegemonia, portanto.
O que não estava nos planos era a queda posterior a essa conquista. Tielemans, depois de 53 partidas disputadas e 18 golos a jogar a partir do meio-campo, foi transferido para o Mónaco. Teodorczyk não foi capaz de replicar a época anterior e o Anderlecht perdeu potência. Um misto entre sub-rendimento e dificuldades em superar as perdas do mercado ditaram um terceiro lugar na Jupiter League.
«Sem razões para preocupações», esperavam os apoiantes da equipa. Afinal, não se pode ganhar sempre. O problema é que conseguiram piorar. Depois de um terceiro lugar, o clube da capital belga terminou em sexto, falhando qualquer tipo de acesso a competições europeias, o que não acontecia desde 1963/1964.
Mas a exigência continua lá. Habituados a ganhar, estas são terras desconhecidas para os adeptos. Durante grande parte da última temporada, as reclamações eram recorrentes e o pique da contestação chegou já perto do fim. Os resultados não ajudavam e a bolha rebentou. Protestos, insultos, faixas nas bancadas e até tochas no relvado.
Foi aí que aconteceu a jogada de mestre. O anúncio da contratação de Vincent Kompany para treinador-jogador, a lenda do clube que era, naquele momento, um dos defesas centrais titulares na equipa do Manchester City que liderava a Premier League e acabaria por conquistar todas as competições dentro de portas. Se houvesse uma maneira de acalmar os ânimos dos adeptos, esta estava no topo da lista. Uma figura bem vista no clube onde começou a carreira, com um histórico invejável e que estava habituado a lidar com grandes treinadores. Uma confiança renovada começava a pairar no ar.
Marc Coucke, o presidente que comprou o clube há dois anos, teve, finalmente, um descanso. Depois de sucessivos erros na gestão do clube, como contratações falhadas, empréstimos que não resultaram e más apostas na escolha dos treinadores, o líder do clube tomou uma decisão que, quase de forma consensual, teve o respeito dos adeptos.
Ainda decorria a época em Inglaterra para Kompany, mas a decisão foi logo comunicada, em jeito de plano de contingência. Daria um assunto para falar, ignorando o facto de que a equipa tinha terminado na sexta posição, a 20(!) pontos do campeão Genk. A verdade é que a situação é peculiar, mesmo que tivesse agradado os adeptos. Poucos treinadores-jogadores tiveram sucesso reconhecido, ainda mais quando se trata de um clube obrigado a ganhar e numa situação complicada.
E o início, dificilmente, podia ter sido pior. Nas cinco primeiras jornadas, a equipa não venceu um único jogo e despertou a dança de cargos. A primeira mudança para Kompany foi perder as funções de treinador nos dias de jogo. Simon Davies assumiu essa função, mas também não aguentou muito tempo no cargo. Os maus resultados persistiram e os dirigentes tiveram de procurar alternativas. A escolha recaiu sobre Frank Vercauteren.
Entretanto, e como era de esperar, o antigo capitão do Manchester City foi multado por falta de habilitações. Ainda em carreira como futebolista, o belga nunca teve tempo de cumprir os cursos necessários para orientar uma equipa profissional de futebol.
No fim de contas, toda a situação é invulgar e o resultado está à vista. O Anderlecht ocupa o 11º lugar da classificação, a 14 pontos do líder, quando ainda só se disputaram 12 jornadas. A equipa belga já não fica três anos «a seco» desde 1998/99. Só o tempo dirá se a escolha foi acertada. Até ao momento, os indícios que ficam não são os melhores.