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    Flávio Paixão em conversa com o zerozero

    «Dor grande quando, em 20 anos de futebol, não recebemos uma chamada do nosso país»

    qTínhamos de treinar em parques no meio da cidade, às vezes iamos treinar a parques com seringas no meio do relvado
    Experiência na Escócia foi a mais díficil para Flávio Paixão

    Flávio tem daqueles nomes que dizem tudo. Paixão. Na vida temos várias, Flávio encontrou uma desde cedo e nunca a perdeu. A paixão pelo futebol, a paixão pelo golo. Aos 34 anos, o avançado português vive, na Polónia, a melhor época da carreira. Os números dizem isso e as conquistas também. Na quinta-feira venceu a Taça da Polónia e se o trajeto interessante, o número de golos e a época já eram motivos suficientes para receber uma chamada do zerozero, a conquista de uma Taça que o próprio levantou foi a desculpa perfeita.

    Na chamada com Flávio Paixão viajamos por vários países, tal como o avançado. Fizemos as perguntas e obtivemos longas respostas. Flávio não foi de finalização simples, gostou de dar aquele toque refinado, levou-nos até à Polónia, Escócia, Irão, trouxe-nos a Portugal, mas não ficou. Não por vontade de ir embora, mas por falta de chamadas. Já lá vamos. Comecemos pelo presente. A época já é inesquecível e pode sê-lo ainda mais, não é, Flávio?

    A melhor época atestada nas lágrimas do trabalho

    «É a melhor época da minha carreira, com o título alcançado ontem [quinta-feira]. Ganhámos a Taça, tenho 15 golos, estamos na luta para sermos campeões e podemos esperar fazer coisas ainda melhores. Tem sido uma época fantástica, um caminho longo. Começou com uma equipa nova, saíram muitas pessoas, jogadores, construímos uma equipa nova, com ambição, fome de ganhar e trazer sucesso para a equipa. O objetivo era ganhar a Taça. A nível pessoal e para o clube é um feito extraordinário. Depois de 36 anos de o Lechia não vencer nenhuma Taça voltámos a ganhar e estamos muito felizes. Para mim, desde que cheguei à Polónia sempre foi ambição ganhar algo grande. Consegui o meu primeiro troféu e olho com outros olhos para outras coisas. Falta a Liga, a Supertaça e continuamos na luta», começou por nos dizer.

    36 anos depois, Lechia voltou a vencer a Taça

    «Vieram jogadores que aportaram ambição ao clube, o que faltava. Veio também um treinador com ambição, com disciplina, respeito pelo trabalho e motivação pelo trabalho, o que motiva toda a equipa. 90 por cento de uma equipa é o ambiente dentro de um balneário e este ano o ambiente é fantástico e isso reflete-se em campo. Quando temos 30-35 pessoas a remar para o mesmo lado as coisas tornam-se mais fáceis. Os resultados estão à vista, continuamos na luta pelo título [n.d.r: a um ponto do líder] e queremos ainda mais. As mudanças foram muito boas e para mim, logo no primeiro ano como capitão, nada melhor do que uma Taça da Polónia. É um ano fantástico para mim e para a equipa», concretizou.

    O discurso ambicioso e trabalhador sentiu-se logo nas primeiras palavras, tal como a emoção pela conquista bem fresca na memória. Emoção que ficou espelhada nas lágrimas após o apito final da partida com o Jagiellonia, que teve minutos quentes, com Flávio Paixão a ter um golo anulado perto do fim, ainda com a partida em 0x0.

    «Ainda não chegámos a perceber como é que o golo foi anulado. Quando celebras um golo e do nada é anulado cabe à equipa saber reagir a esse percalço. Não é fácil reagir da melhor maneira e creio que a nossa reação a esse golo anulado foi fantástica. Passados seis minutos marcámos e fico muito feliz pela assistência. É o culminar de 10 meses de trabalho. As lágrimas e emoções no final do jogo passam por isso», explicou.

    Conquista do Lechia teve três portugueses ©Lechia Gdansk

    «As pessoas não sabem o que passamos no dia-a-dia, nos treinos, o que fazemos. As pessoas só olham para os treinos de 70 minutos, os jogos de 90 minutos, não olham para mais nada e não sabem o que há por trás do sucesso. Chega ao momento da vitória e todas essas emoções, o trabalhar arduamente todos os dias, o acreditar sempre com o objetivo e quando chega o dia as emoções vêm ao de fora. Fico feliz por ter sido o primeiro grande troféu. Estamos a passar um ano muito bom, tivemos alguns percalços a meio da época e conseguimos superar. Não é fácil chegarmos onde chegámos. Na semana anterior aconteceram coisas que podiam decidir o título, que nos custou a aguentar. São coisas que não se percebem no futebol, mas temos de lidar com isso e ter força para resolver as situações. Fomos jogar a Taça, é um dia para ganhar, levantar a Taça e foi isso que fizemos, com um ambiente fantástico de todos os adeptos do Lechia. Foi um dia fantástico, com o Steven Vitória e o João ao meu lado, como portugueses que somos, é fantástico», completou.

    Três épocas e meias bastaram para Flávio Paixão ficar na história do Lechia Gdansk. Esta época, o português é capitão de equipa e já se tornou no melhor marcador da história do clube, com 43 golos. Tudo isto aos 35 anos. Como é possível? 

    «O conseguir vem do trabalho diário. Trabalhar a cem por cento todos os dias, todos os treinos, cuidar de mim quando saio do treino, ser profissional a toda a hora. Ter na mente o grande objetivo. A mente comanda a vida e se a mentalidade for vencedora creio que o caminho só pode ser de sucesso. Passa por aí, por acreditar em ti, nas pessoas com quem trabalhas, ir para o treino e dar tudo, todos os dias. Seja um segundo, um minuto, dois meses, três meses. Trabalhar ao máximo, não só dentro das quatro linhas mas também fora delas. É sonhar o mais alto possível e as coisas acontecem.»

    Irmãos Paixão tiveram trajetos semelhantes ©Lechia Gdansk

    Reencontros improváveis e a falta de chamadas

    Se conhece o Flávio, conhece o Marco. Os irmãos Paixão espalharam muito futebol e golos por onde passaram. Os caminhos dos dois foram muitas vezes os mesmos, mas Marco Paixão joga (e marca, claro) no futebol turco depois de ter decidido deixar a Polónia por problemas de adaptação. Problemas que Flávio Paixão não vai encontrando na cidade de Gdansk.

    «Cada um tem a sua vida, a sua visão, cada um olha para a vida e objetivos e cada um decide o caminho que quer seguir. O meu irmão decidiu ir por esse caminho e o que eu espero é que seja muito feliz. Desejo todo o sucesso. Seja qual for o caminho, eu vou sempre apoiar. Tenho uma visão completamente diferente do que ele disse. Cada um tem a sua opinião, sinto-me bem aqui, tenho a praia ao meu lado, a minha namorada, que me dá um apoio extraordinário e tenho pessoas que me apoiam diariamente. Trabalho com objetivos, com a mesma ambição que tinha quando tinha 20 anos e quando as coisas estão a correr bem, te sentes feliz, estás numa cidade onde tens tudo o que precisas, não creio que a minha carreira passe por outro lado. Estou muito feliz aqui, está à vista o resultado. Passados quatro anos no clube conquistei a Taça da Polónia. Sinto-me bem aqui, tenho uma vida espetacular. Tenho a praia, como em Sesimbra e tenho tudo para ter muito sucesso. Cada um tem a sua vida e as suas ideias.»

    ZZ: Voltaremos a ver um reencontro nos relvados?

    «Não, não creio que eu e o meu irmão voltemos a jogar no mesmo clube.»

    Esclarecido o futuro, falemos um pouco do passado. Com um currículo de luxo no que a golos diz respeito, estranha-se que Flávio Paixão nunca tenha tido uma oportunidade nos escalões profissionais em Portugal e quisemos perceber os motivos para tal. 

    Flávio Paixão
    Total
    284 Jogos  22758 Minutos
    89   21   1   02x

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    «Essa pergunta é difícil de responder. É uma dor grande quando, em mais de 20 anos de futebol, não recebemos uma chamada do nosso país para jogar em Portugal. É incrível como, depois de tanto sucesso que temos tido ao longo da carreira, não termos recebido sequer um telefonema de ninguém. Fiz a minha carreira fora de Portugal, aos 22 anos comecei a jogar fora de Portugal, estou fora de casa, não tenho qualquer problema de o continuar a fazer, mas se surgir um dia a oportunidade de jogar no meu país seria um privilégio, mas nunca houve contacto de ninguém», lamentou, sem, no entanto, fazer disso um obstáculo para os próximos objetivos, recordando até um avançado goleador com trajeto semelhante.

    «Talvez tenhamos de fazer mais e melhor e é para isso que trabalhamos todos os dias, espero que um dia possa vir alguma coisa para poder dizer que joguei no meu país. Temos o exemplo do Pauleta, que fez praticamente toda a carreira fora de Portugal, não creio que seja um problema continuar fora, mas quem sabe? Amanhã é um dia novo, se não houve nada até hoje é lutar para marcar mais, fazer mais assistências, conquistar mais títulos e pode ser que algum dia surja alguma coisa de casa.»

    Não brilhou em Portugal, mas brilhou noutros palcos, todos diferentes, todos com aprendizagens, mesmo os que criaram mais dificuldades, como foi o caso da Escócia.

    Experiência na Escócia foi complicada ©Hamilton

    «Comecei a carreira em Sesimbra, depois fui para o FC Porto B, estive um ano na equipa B, depois fui para Espanha três anos. Esive em vários clubes - Villanovense, Jaén e Benidorm - e aprendi muito, encontrei treinadores fantásticos, que me ensinaram coisas muito boas, que me fizeram crescer como jogador. Depois fui para a Escócia, onde a mentalidade é completamente diferente de tudo o que se possa imaginar a nível europeu. É um país à parte de tudo o que vivemos no outro lado da Europa. Foram dois anos muito difíceis, em termos de qualidade de vida, de aceitar a cultura de um país cheio de negatividade. Todos os dias. Foi difícil. É um país que não lida bem com o ser positivo, extrovertido, a alegria que, por exemplo, têm os portugueses no dia-a-dia. Passámos por momentos difíceis, um clube que tinha boas condições no estádio, mas com más condições nos treinos. Tínhamos de treinar em parques no meio da cidade, às vezes iamos treinar a parques com seringas no meio do relvado. Foram dois anos complicados, mas é sempre uma lição de vida para nós, onde encontras pessoas que, todos os dias, te passam uma negatividade e uma fonte de energia tão má que me fez perceber que não podia continuar mais ali e saí», recordou.

    «Depois fui para o Irão, foram dois anos muito bons, marquei muitos golos, fui vice-campeão, com o Toni, Vitor Campelos, António Oliveira, passamos ano e meio muito bom, joguei a Champions League asiática, uma competição fantástica, da qual desfrutei e tive o prazer de jogar. Seguem-se seis anos na Polónia, muito bons. Ontem [quinta-feira] acabo por conquistar um título, sempre disse que seria o meu objetivo. Foi esse o meu caminho, com muitos golos, muitas coisas boas pelo caminho e quero continuar esse trabalho. O que virá a seguir não faço ideia. Amanhã é outro dia e é para aí que eu olho.»

    Terminamos a entrevista com uma pergunta que para muitos até podia ser difícil, mas que teve resposta fácil. Por onde não passou e gostaria o Flávio de ainda ter essa possibilidade?

    «Portugal. Portugal era onde eu gostaria de pôr os pés, se tiver a oportunidade. Seria ótimo, senão estou muito bem na Polónia. O meu futuro é o dia de amanhã, hoje é o dia de hoje e não olho para o que vem daqui a uns meses ou um ano. Se trabalhar ao máximo hoje sei que vão vir coisas boas no futuro, foco-me no presente e não estou concentrado no futuro. Sem arrependimentos.»

    Sondagem
    RESULTADO SONDAGEM
    JAGIELLONIA BIALYSTOK
    EMPATE
    LECHIA GDANSK

    Comentários

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    motivo:
    LeaoRampante
    2019-05-04 18h53m por xithombo
    E é por isso que muitos comentários são um autentico lixo e sem nada a ver com os conteúdos dos artigos.
    Tive e Estive
    2019-05-04 15h02m por cmtcosta
    Boa entrevista, mas caro Hugo: "Tive" é o pretérito do verbo ter e "Estive" é o pretérito do verbo estar. Sei bem que na comunicação oral a tendência é de "engolir" a primeira sílaba, mas ao transcrever a conversa é um cuidado que se deve ter ("pun unintended").

    Ainda assim reafirmo: boa entrevista, gosto de ver a atenção dada também aos jogadores portugueses fora de portas - e como se vê pelo que diz o Flávio, também é bom sentir-se reconhecido e acarinhado por quem está em Portugal.
    Agradecimento
    hm por zerozero.pt
    Obrigado pelos elogios e correções. Não 'tavamos a engolir o verbo "estar" com intenção. Já corrigimos. Continuação de boas leituras e votos de um bom fim de semana.

    Atenciosamente, Hugo Filipe Martins.
    . . . .
    2019-05-04 14h49m por ruimiguel21
    Mas esta malta comenta sem ler o artigo? Ele está a falar de jogar no campeonato português, em momento algum fala na Seleção. . .
    Flavio Paixão
    2019-05-04 14h08m por Jorusescu
    Não querendo ser mauzinho, mas achas que tinhas alguma hipótese de ser chamado? Numa carreira onde o melhor clube que jogaste foi na Polónia? E numa posição em que temos tantos jogadores de qualidade que muitas vezes ficam de fora? (Rony Lopes, Bruma, Ricardo Horta?) E em Portugal se não tiveres um bom agente também não te safas, num par de épocas jogadores como o Bruno Moreira ou Hugo Viera a fazerem números impressionantes e nem em amigáveis se safaram.

    Mais vale te naciona...ler comentário completo »
    Grandes carreiras
    2019-05-04 11h52m por tcb9277
    Podem não ter jogado nas mais prestigiadas ligas europeias. No entanto, apresentam rendimentos e número de golos marcados impressionantes.

    Mas isto é como tudo, até se pode ter talento, mas muitas vezes também ajuda ter o empresário certo.

    Há avançados que foram chamados à seleção portuguesa que não têm uma média de golos marcado por época superior a 3 sequer.

    Falo do Rui Fonte por exemplo, nas equipas principais tem uma média de cerca de 3 ...ler comentário completo »
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