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    Entrevista com Afonso Taira

    Pegar na trouxa e zarpar: Taira escolheu Israel e tem uma boa história para contar

    2018/05/24 15:52

    *com Ricardo Lestre

    Filho de um ex-futebolista, internacional pelas camadas jovens de Portugal, um dos capitães do Estoril Praia nos últimos anos e agora pilar do Kiryat Shmona, da primeira divisão israelita. A história de Afonso Taira já deu algumas voltas e, na segunda aventura no estrangeiro (tinha estado no Córdoba, em Espanha), as aventuras tornaram-se mil e uma.

    q Do mercado português apenas recebi elogios: ‘Sim, gostamos do Taira. Ele é bom jogador’, mas nunca ninguém se chegou à frente
    Os elogios foram vários, mas a proposta nunca surgiu. Cansado, Afonso Taira fez as malas e embarcou numa viagem… mais demorada do que o normal. Agora, a muitos milhares de quilómetros de distância, o médio, ex-Estoril, juntou-se à numerosa lista jogadores que, depois de uma carreira desenvolvida em Portugal, integraram a diáspora lusa no vasto mundo do futebol.

    Em conversa com o zerozero, Taira falou da «estagnação» em Portugal motivada por uma «filosofia» contrária à sua «ambição», da «novidade» na carreira, das outras «possibilidades», e do estado atual do nosso futebol. Pelo meio, foi ainda recordado o «choque cultural» inicial, enumeradas algumas comidas «proibidas» no país e explicada a «paz» no interior contrastada com as muitas guerras no exterior.

    ©Vítor Parente

    Ser estrutura no Estoril não chegava

    ZEROZERO: Apesar de já teres emigrado, acabaste por tomar uma escolha de vida mais radical do que o normal. Os jogadores optam mais por Espanha, sul da Europa… Não terá sido uma mudança muito brusca?

    Afonso Taira: Sim, foi uma mudança completamente diferente daquilo que qualquer jogador idealiza. Conforme vamos crescendo, ainda em fase de formação, pensamos sempre em chegar ao topo da Europa, jogar as grandes ligas, disputar os troféus mais importantes… No entanto, vamo-nos apercebendo que isso só acontece com uma pequena percentagem de jogadores e, mesmo quando se tomam decisões como a que eu tomei, a de vir para um campeonato, aparentemente, secundário, ficamos com a noção que o futebol dá muitas voltas. O que é importante hoje em dia, e falando da minha experiência, é a novidade. É importante para certas fases críticas da carreira de um jogador. A novidade interessa sempre. O adepto gosta e os próprios clubes também.

    ZZ: E isso aplica-se à tua saída do Estoril?

    AT: Tomei essa decisão porque a minha carreira chegou a um momento de estagnação. Estava a realizar um bom trajeto no Estoril, fui crescendo de ano para ano e até cheguei a ser um dos capitães da equipa. Foi orgulho enorme para mim, mas eu, ambicioso como sou, senti que precisava de dar um passo em frente.

    ZZ: E não conseguias dá-lo em Portugal?

    Resposta: Não. Do mercado português apenas recebi elogios: ‘Sim, gostamos do Taira. Ele é bom jogador’, mas nunca ninguém se chegou à frente. Daí eu ter decidido mudar de ares. Por isso, abri portas a destinos diferentes para, um dia mais tarde, poder voltar a Portugal. O nosso mercado é muito interessante para qualquer jogador português se afirmar e ter uma carreira bonita, mas muitas vezes só se dá o valor devido quando muitos deles saem e regressam tempos depois. Esse foi o primeiro motivo da minha decisão.

    ZZ: E o segundo?

    AT: Teve a ver com o projeto apresentado. O Kiryat Shmona é uma equipa que quer ganhar, conquistar títulos. O Estoril, por outro lado, não se coloca na posição de uma equipa que aspira a grandes feitos. Assumiu-se nos anos do Marco Silva, sim, mas como uma rampa de lançamento para os jogadores. É uma filosofia natural e aceitável e fizeram um ótimo trabalho nesse aspeto, porque todos os anos saíam jogadores do Estoril para vários campeonatos, incluindo alguns que até foram para os três grandes do futebol português.

    ZZ: Portanto, era uma filosofia na qual tu já não te encaixavas…

    AT: Exato. Um clube como o Estoril precisa de ter uma estrutura, obviamente, porque o plantel não se pode desmembrar na sua totalidade, mas senti que eles queriam que eu fizesse parte dessa estrutura que não mexia. O problema é que eu, ambicioso como sou, nunca partilhei dessa mesma visão e não queria estar no clube apenas para dar estrutura.

    ZZ: Ou seja, tu e alguns jogadores do Estoril eram quase como uma família de acolhimento para aqueles que passavam e seguiam.

    AT: Exatamente. Um clube com esse tipo de filosofia precisa disso, e é uma ideia correta, só que não se encaixava com a minha. Precisava de crescer na carreira.

    ©Facebook pessoal do jogador

    Um mundo novo

    ZZ: Que abordagens tiveste e porque é que escolheste Israel?

    AT: O mercado foi abrindo e com isso chegaram abordagens de outros campeonatos secundários que eu até acabei por rejeitar porque queria integrar uma equipa que fosse realmente ambiciosa e não ir para um sítio onde possivelmente acabaria por ficar frustrado.

    ZZ: Podes dar-nos alguns exemplos?

    AT: Tive possibilidade de ir para países como Grécia e Polónia, e outras «meias possibilidades» para outros campeonatos até mais interessantes, mas os negócios não se concretizaram. Rejeitei esses dois destinos porque as equipas não eram ambiciosas, ou pelo menos, não o suficiente dentro daquilo que era a realidade dos campeonatos. No Kiryat Shmona, apesar da época ter ficado pelo quase, porque no campeonato ficámos perto do play-off e chegámos às meias-finais de ambas as Taças (Israel e Liga), senti algo diferente. Foi um pouco frustrante, é verdade, porque tínhamos potencial para mais, mas continua a ser um clube muito ambicioso e que quer conquistar títulos e isso é importante para mim.

    ZZ: Foi uma escolha acertada?

    AT: Sim, foi uma escolha sobretudo corajosa.

    ZZ: Foste sozinho ou acompanhado?

    AT: Com a minha namorada, agora noiva.

    ZZ: Qual foi a tua primeira reação?

    AT: É um mundo completamente diferente. Têm uma cultura distinta, quer no futebol, quer no dia-a-dia. Regem-se, acima de tudo, pela religião, neste caso o judaísmo, algo que na Europa não acontece porque o cristianismo não rege o dia-a-dia das pessoas. Acaba por ser um choque cultural, dado o peso que a religião tem na vida deles, por isso tive de vir com uma mente muito aberta e aceitar algumas coisas que para mim eram impensáveis e para eles, pelo contrário, perfeitamente normais.

    ZZ: Como por exemplo?

    AT: A comida. Certas regras causam-nos alguma confusão, como por exemplo o facto de não podermos comer carne e produtos lácteos ao mesmo tempo. Ou seja, comer um bife com um molho de natas é impossível. Para além disso, a carne de porco é estritamente proibida. Depois, eles aqui têm um dia sagrado. Ao contrário de nós, que é o domingo, para eles é o sábado. Aqui, a semana, em vez de segunda-feira, começa no domingo. Algo que acabei por estranhar muito e não me adaptar muito bem. Ainda há pouco tempo, fui com a minha noiva jantar fora no sábado e esqueci-me que estava tudo fechado.

    ZZ: A tua noiva foi a 100 por cento para te acompanhar, certo?

    AT: Sim. Ela tem uma empresa em Portugal e, se não fosse por isso, não faria sentido ela ter vindo para cá. Mas obviamente que o facto de ela ter vindo para Israel também lhe abriu novas oportunidades de negócio.

    ZZ: E ela nunca teve problemas de adaptação?

    AT: Não, também se adaptou bem. Foi a nossa primeira experiência fora e, visto que era algo novo para os dois, isso também ajudou ao entusiasmo inicial. Ela trabalha a partir de cá e acabamos por ter o nosso dia-a-dia organizado.

    ZZ: Em relação à religião, sentiste, em algum momento, uma espécie de marginalização?

    AT: Não, nunca. Para teres uma ideia, apesar de a região predominante ser o judaísmo, a quantidade de árabes que vivem no país é absurda. Apesar das muitas guerras com outros países, árabes e judeus, aqui, coabitam em paz. Daí que eles já estejam habituados a que exista uma grande diversidade.

    ZZ: No plantel também era assim?

    AT: No plantel tinha 15 judeus, oito árabes, mais os estrangeiros.

    ZZ: A nível pessoal, a época correu-te bem. Foste dos melhores estrangeiros do campeonato, um dos jogadores com mais recuperações de bola…

    AT: Foi uma época positiva. Antes de vir para cá, informei-me sobre o futebol praticado, visto que era algo que não conhecia tão a fundo, e foi-me transmitido que pecavam um pouco no aspeto tático. Curiosamente, e apesar de me considerar um jogador forte a nível técnico, creio que sou mais forte no aspeto tático. As estatísticas demonstraram-no e por isso sinto que trouxe algo que eles precisavam. Os feedbacks foram sempre positivos e acabei por tornar-me num dos jogadores mais importantes, com um total de 42 jogos disputados.

    ZZ: Tens contrato. Vais para o segundo ano de aventura ou tens outra ideia em mente para a próxima época?

    AT: Para já, tenho intenções de continuar. No entanto, não fecho as portas a outro desafio e caso surja uma oportunidade vou analisá-la a fundo, mas respeitando sempre o contrato com o Kiryat Shmona. Obviamente que, sendo muito ambicioso, tenho vontade de chegar ao topo do futebol israelita. Estarei atento a outros desafios.

    ZZ: Portugal está fora de equação, para já?

    AT: Em Portugal… só num grande.

    ZZ: Dos grandes, alguma preferência?

    AT: Não, nenhuma.

    ©Carlos Alberto Costa

    A árvore desvalorizada do futebol português

    ZZ: Como é que tu, estando fora, mas agora cá temporariamente, tens vivido estes últimos acontecimentos? O impacto deve ter sido tão grande como quando chegaste a Israel...

    AT: Foi um choque muito grande. Já a meio da época tinha falado com um jornalista que me ligou a perguntar sobre como acompanhava e como via o futebol português desde fora e na altura disse-lhe que era lamentável o facto das primeiras informações que chegavam a Israel serem polémicas daqui, dali, emails, etc… Menos quem estava a jogar bem ou mal. Isso aconteceu durante toda a temporada e o cenário atual é o culminar dessas situações. Mas creio que não é de agora. O futebol português, nos últimos dois ou três anos, tem sido marcado por estes acontecimentos. É triste porque não deveria ser essa a imagem passada cá para fora. Sinto um grande desapontamento em torno desta monopolização fora dos relvados da qual o futebol português está a ser alvo.

    ZZ: Passaste pelo Sporting CP, clube que tem jogadores como Rui Patrício, William Carvalho, com quem jogaste nas camadas jovens. Achas que tudo isto é demasiado para um futebolista e que só alimenta a vontade de sair do país rapidamente?

    AT: Bem, não consigo dar uma resposta linear. Infelizmente, estas situações podem acontecer em qualquer parte do mundo. Há sempre algumas que fogem do controlo e que acabam por tomar proporções desmedidas. Acho, por outro lado, que não podemos deixar que isso defina o nosso futebol e nem nós jogadores devemos tomar decisões precipitadas. Apesar de tudo isto e de muitos jornais serem monopolizados por casos deste tipo, o futebol português continua a ser muito interessante e não seria uma situação destas que me levaria a querer ir embora.

    ZZ: Para terminar, e tendo em conta tudo isto, como é visto o futebol português lá por fora e mais especificamente em Israel?

    AT: O futebol português é muito admirado lá fora. Muitos jogadores internacionais pelas camadas jovens de Israel jogam atualmente comigo e todos eles dizem que a melhor equipa que defrontaram foi Portugal nos mais diversos escalões. Isso, para mim, é um motivo de orgulho enorme até porque também eu defendi o meu país e também eu joguei contra Israel. Referem-se, por exemplo, às individualidades e jovens jogadores portugueses com muita admiração… é muito interessante saber que alguém nos vê dessa forma e, por isso, o futebol português não se deve deixar arrastar por estas situações.

    ZZ: Ou seja, nós fazemos parte da árvore, estamos debaixo dela e estamos constantemente a abaná-la quando quem a vê por fora, vê com a maior beleza possível…

    AT: Exatamente. A verdade é que apesar deste conjunto de situações, nem todas elas chegam lá fora. Para quem não segue especificamente o futebol português, passa muito ao lado. Posso dizer que até eu ter chegado a Portugal há uns dias, quando se sucedeu este imbróglio, toda a gente falava do nosso futebol. Ninguém sabia nada de problemas, apenas futebol, jogadores, equipas, seleções e por aí fora… Portanto, acho que devia manter-se assim. Sempre fomos um país com um produto muito apetecível. Vendemos constantemente jogadores para os melhores campeonatos, para as melhores equipas, temos os melhores treinadores do mundo…. Obviamente que há espaço para melhorar e que são necessários certos upgrades, mas em termos de produção de talento a nossa qualidade é indiscutível.

    Portugal
    Afonso Taira
    NomeAfonso Miguel Castro Vilhena Taira
    Nascimento/Idade1992-06-17(31 anos)
    Nacionalidade
    Portugal
    Portugal
    PosiçãoMédio (Médio Defensivo)

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    Comentários

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    CO
    Liga Israelita
    2018-05-24 21h22m por Corona15Back
    Liga com algum crescimento, mas ainda com grande atraso em relaçao a 8 melhores ligas europeias, talvez pela vida atribulada que o pais Vive out talvez por falta de investimento
    Taira
    2018-05-24 19h26m por moumu
    A liga israelita tem crescido de importância.
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